Quase a um ano de distância das eleições 2015 à esquerda tudo mexe. Apareceu agora o "Podemos" português, radical, com posições muito parecidas com o PCP e o Bloco. Veremos o que dará tudo isto uma vez que todos afirmam querer uma política nova ou uma nova política com corte radical com o Euro, UE, não pagar a dívida, fim da austeridade etc. Querem um polo da esquerda mas tudo fazem nas afirmações produzidas para que tal não se venha a verificar. Divulgo um artigo de Vítor Malheiros que me parece mais sensato e mais viável no caminho proposto para se conseguir
alterações políticas, económicas e sociais que sejam alternativa à situação actual.
A esquerda
não pode perder por falta de comparência
16/12/2014 -
A presença do PS é uma condição necessária para um governo de esquerda. Não
por razões ideológicas, mas por razões aritméticas.
Tenho a certeza de que uma maioria significativa dos
portugueses deseja que, das próximas eleições legislativas, saia um novo
governo que ponha em prática uma política que recuse o modelo austeritário, que
defenda os interesses de Portugal na União Europeia e não os interesses dos
nossos credores, que seja capaz de encontrar aliados na UE para combater as
políticas europeias que põem em causa a democracia, a independência e o
desenvolvimento nacional (a começar pelo Tratado Orçamental e pela
TTIP-Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento), que combata de forma
vigorosa as desigualdades e a pobreza, que promova uma educação e uma saúde de
acesso universal, que defenda a ciência e a cultura, que combata os poderes
ilegítimos e a corrupção, que promova o emprego e a dignidade do trabalho, que
garanta um desenvolvimento social e ambientalmente sustentável, que permita
enfim a todos os cidadãos uma vida decente numa sociedade democrática.
Ou seja, uma política que seja diametralmente oposta à política lesa-pátria
do actual Governo, de favorecimento do capital financeiro, de submissão
generalizada aos poderes estrangeiros, de submissão à vontade dos credores, de
empobrecimento generalizado da população, de apropriação e delapidação do
património do Estado, de destruição dos serviços públicos, de desprezo pela
independência nacional, pela democracia e pelas suas próprias promessas
eleitorais.
A política que penso que a maioria do povo português deseja é uma política
de esquerda, feita em nome de todos os portugueses para servir todos os
portugueses e não uma política desenhada para servir grupos de oligarcas, na
esperança de vir um dia a integrar as suas fileiras, como aquela que hoje, para
nossa tristeza e sua vergonha, os nossos governantes levam a cabo.
Quando se faz um retrato deste tipo, daquilo que seria uma política
desejável, é frequente que apareça alguém que nos diz: “Mas isso não é
característico de uma política de esquerda. Eu sou de direita e também quero
tudo isso!” E, de facto, não é importante o que lhe chamemos. No entanto, o
facto é que uma política de combate activo às desigualdades, de erradicação da
pobreza, de universalidade de acesso à Saúde e à Educação sem entraves de classe
social ou económica, de defesa dos serviços públicos, de combate aos
privilégios, de defesa do trabalho e de combate ao poder ilegítimo do capital
financeiro é uma política que possui as características de uma política de
esquerda.
A grande questão é: com quem se pode contar para pôr em prática essa
política?
Em Portugal, os movimentos que têm surgido tendo como ideia central a
convergência da esquerda para a construção de um governo de esquerda – em
contraponto a uma esquerda instalada no protesto – têm sido acusados de
pretender “aproximar-se” do PS apenas para conseguir aceder ao poder. A
acusação é por vezes apenas difamatória, outras vezes será uma crítica política
séria. A questão é que o PS, a posição do PS, as políticas que o PS irá
defender e as que quererá pôr em prática se chegar ao governo são uma questão
central para todos nós e, em particular, para todos os que têm urgência de ver
uma governação à esquerda. É evidente, e sabemo-lo todos, que a presença do PS
no governo está longe de ser uma condição suficiente para uma política de
esquerda. Ainda que tenha tomado posições importantes na defesa do Estado
social, o PS tem governado à direita e, por vezes, escandalosamente à direita.
Mas a presença do PS é uma condição necessária para um governo de esquerda. Não
por razões ideológicas, mas por razões aritméticas. Não para fazer do governo
um governo de esquerda, mas para fazer da esquerda uma esquerda no governo.
Não se trata de aderir ao PS para o “mudar por dentro”, como tantos no
passado anunciaram querer fazer sem êxito (curiosamente, em geral para saírem
pela direita do PS), mas de criar um lastro à sua esquerda que produza não só
políticas de esquerda viáveis, mas passíveis de recolher o apoio parlamentar
necessário. Como partido ideologicamente híbrido que é, o PS vive ele próprio
sob a assombração das maldições da direita: a inevitabilidade da austeridade, a
imutabilidade das políticas europeias, a invencibilidade do capital financeiro,
a impossibilidade de reformar de forma radical a sociedade e a política. E uma
das razões que apresenta para o seu “there is (almost) no alternative” é
o seu receio de que não exista apoio social e político suficiente para ser algo
diferente. É essa dúvida que, quer no plano do apoio social, quer no plano da
construção programática, é preciso afastar. É possível uma política de esquerda
viável, realista, justa e com amplo apoio social. É este o desafio ao qual a
esquerda à esquerda do PS tem de responder e o desafio que tem de lançar ao PS.
Se o PS quiser escolher a direita para parceiro de governo ou compère parlamentar
que o faça, mas que não diga que foi por falta de comparência que não foi
possível governar à esquerda.
jvmalheiros@gmail.com