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quinta-feira, 22 de novembro de 2018

A EUROPA ESTÁ SURDA E MUDA


Uma Europa Sustentável – o grande desafio das próximas eleições europeias
É hora de os líderes políticos europeus perceberem que um futuro sustentável para todos só é possível num planeta onde a natureza prospera.
22 de Novembro de 2018 Ângela Morgado
 Os resultados das próximas eleições para a União Europeia (UE) irão afetar o modo de vida dos cidadãos europeus, e de todos os portugueses, nos próximos anos.
Os candidatos e futuros líderes da UE devem colocar o bem-estar das pessoas no centro das suas reflexões e das suas ações. Um pacto político assente num conjunto de objetivos e ações sobre alterações climáticas, proteção da natureza e desenvolvimento sustentável, a ser levado a cabo nos próximos cinco anos, é o que se impõe para preservar o bem-estar das pessoas na Europa.
Tais objetivos e ações representariam um reforço da segurança, melhorias na saúde e mais empregos para os europeus e aumentariam a competitividade económica, contribuindo para uma Europa globalmente forte e respeitada.
Amplos setores da comunidade europeia estão preocupados com a segurança e o desemprego, mas não podem esquecer que os cidadãos estão apreensivos com o impacto crescente das alterações climáticas e da degradação ambiental – desafios que estão intimamente relacionados com a estabilidade e segurança futura das nossas sociedades.
Os últimos dados disponíveis sobre o estado de saúde do Planeta (edição 2018 do Relatório Planeta Vivo da WWF) revelam que a vida selvagem diminuiu drasticamente desde 1970. As estatísticas são assustadoras e mostram que as populações globais de peixes, aves, mamíferos, anfíbios e répteis diminuíram em média 60% entre 1970 e 2014. As principais ameaças às espécies estão diretamente ligadas às atividades humanas, incluindo perda e degradação de habitats e sobreexploração da vida selvagem. A humanidade, em geral, continua a exercer uma pressão sem precedentes sobre a natureza contribuindo para a sua perda acelerada.
É hora de os líderes políticos europeus perceberem que um futuro saudável e sustentável para todos só é possível num planeta onde a natureza prospera e florestas, oceanos e rios estão cheios de biodiversidade e vida.
Combater as alterações climáticas e conter a degradação ambiental são requisitos base para se construir uma Europa verdadeiramente estável, mais segura, mais competitiva e com mais influência no panorama global. Só protegendo a natureza, que é a base da vida humana, poderemos ter uma Europa criadora de empregos a longo prazo e economicamente próspera e que defende o bem-estar dos seus cidadãos.
Para conduzir esta transição sustentável da Europa, os cidadãos precisam de líderes políticos com visão e determinação, capazes de romper com o pensamento, a forma de agir e com as respostas políticas habituais. Caso contrário, a Europa arrisca-se a perder a sua relevância num mundo cada vez mais volátil, incerto, complexo e ambíguo que se debate com as ameaças impostas pelas alterações climáticas, pela degradação ambiental e pelas perdas naturais.
de lançar o seu Manifesto para a Sustentabilidade na Europa, propondo aos políticos que se empenhem numa transição sustentável que deve ser feita agora, sem hesitações, para salvaguardar rios livres e água de qualidade, florestas e ecossistemas saudáveis e paisagens naturais inspiradoras. Precisamos de criar um novo caminho que nos permita coexistir de forma sustentável com a natureza, da qual dependemos, e esse deve ser o grande desafio e a grande responsabilidade dos líderes políticos nacionais e europeus.
A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
Directora executiva da Associação Natureza Portugal, em associação com a WWF

sexta-feira, 28 de setembro de 2018

CÂMARA E SGU E O MAR MINISTERIAL


Esta trabalho jornalístico de António Cerejo, o nosso melhor jornalista de investigação, vem comprovar, se tal fosse preciso, as denúncias que temos vindo a fazer há anos quer nesta página que criámos propositadamente para isso, quer a AMA no seu blogue.
Tem sido uma luta persistente, teimosa, contra um muro de indiferença e silêncio muitas vezes cúmplice. Mas era necessária, sem intenções políticas, mas por uma questão de higiene democrática, de decência cidadã, contra a trafulhice, a mentira sistemática, a publicidade enganosa, a utilização indevida do património público.
Esperemos que as forças políticas que estiveram adormecidas anos e parecem agora despertar influenciadas pelas denúncias feitas saibam aproveitar o momento para darem conteúdo sério e democrático, não eleitoralista, a propostas para o  desenvolvimento do Concelho.




Negócios da ministra do Mar levantam dúvidas em Vila Real de Santo António
Empresa de Ana Paula Vitorino foi contratada duas vezes pelo município do Sotavento algarvio. A necessidade dessas contratações, o cumprimento dos contratos e as relações da ministra com o edil social-democrata levantam dúvidas. A ministra diz que foi contratada porque é competente e que se afastou da empresa logo a seguir.
JOSÉ ANTÓNIO CEREJO 
28 de Setembro de 2018
A Transnetwork, empresa criada em 2011 pela então deputada Ana Paula Vitorino, celebrou dois contratos por ajuste directo, em 2015 e 2017, com a Câmara de Vila Real de Santo António (VRSA). O primeiro só foi parcialmente cumprido e parcialmente pago. O segundo deu origem a três documentos, um dos quais se limita a reproduzir o relatório entregue dois anos antes. No total, a empresa da ministra facturou 55.820 euros ao município e à sua sociedade de gestão urbana (VRSA-SGU).
Luís Gomes, o anterior presidente da câmara e ex-líder do PSD Algarve, foi aluno de Ana Paula Vitorino no Instituto Superior Técnico, nos anos 90, e foi ele quem convidou a Transnetwork a trabalhar para a autarquia no final de 2014. Antes disso, explica o ex-autarca, a sua antiga professora já tinha prestado alguns serviços ao município por volta de 2010.
No portal dos contratos públicos (base.gov), todavia, nada consta sobre essa colaboração que Luís Gomes explica do mesmo modo que explica as posteriores contratações da Transnetwork: “A engenheira Ana Paula Vitorino é uma pessoa respeitada em todo o país na área dos transportes.” No entanto, a empresa não teve qualquer outro contrato com entidades públicas desde a sua constituição. Quanto aos 55.820 euros facturados em VRSA em 2015 e 2017, esse montante não está totalmente repercutido nas contas da empresa. As vendas e prestações de serviços declaradas nesses anos ficam-se pelos 35.799 euros.
PS E CDU contra
A três de Março de 2015, a polémica rebentou numa reunião do executivo camarário. Luís Gomes agendara para votação um ajuste directo que pretendia celebrar com a Transnetwork, com vista à elaboração de um “estudo geral de ordenamento da circulação e do estacionamento no concelho”, por 52.750 euros. Para a mesma reunião, agendou também a concessão a privados da exploração do estacionamento pago em VRSA e em Monte Gordo.
De acordo com a acta da reunião, o vereador socialista David Murta defendeu que deviam ter sido consultadas outras empresas para fazer o estudo de circulação, além da Transnetwork. Mais do que isso, declarou não compreender que “em período de ajustamento financeiro, e com o Fundo de Apoio Municipal às costas” se gastassem quase 53 mil euros, mais IVA, com um estudo que podia ser feito pelos técnicos da câmara e da VRSA – SGU. O eleito do PS “mencionou igualmente a sua estranheza” pelo facto de no mesmo dia ser submetida à câmara a concessão do estacionamento e ser adjudicada a elaboração de um estudo sobre circulação e estacionamento.
Por seu lado, José Cruz, vereador da CDU, questionou directamente o facto de a câmara pretender fazer “um ajuste directo a uma empresa unipessoal da engenheira Ana Paula Vitorino”. Em resposta, Luís Gomes defendeu que “o estudo dará pistas para que a câmara dialogue com os privados para se perceber se há bolsas privadas para se criar estacionamento alternativo ao tarifado”. Segundo a acta, o autarca do PSD acrescentou que se trata de “um estudo de tráfego não tendo a câmara técnicos adequados para o redigir”. O que ele não disse foi que a proposta da Transnetwork ainda nem sequer tinha sido entregue ao município. O documento, assinado pela actual ministra, tem data de 6 de Fevereiro.
Ana Paula Vitorino recuou
Apesar dos votos contra do PS e da CDU, as adjudicações do estacionamento e do estudo foram aprovadas, mas nem tudo ficou na mesma. Vinte e dois dias depois, a 25 de Fevereiro de 2015, Ana Paula Vitorino renunciou à gerência da sua empresa e transformou-a numa sociedade por quotas. O capital, de mil euros, passou a ser maioritariamente detido (90%) por José Eduardo Magalhães, um engenheiro sem carreira pública ou profissional conhecida. Os restantes 10% ficaram nas mãos da actual ministra e de Lídia Sequeira, uma gestora portuária que Ana Paula Vitorino nomeou para a presidência da Administração dos Portos de Lisboa, Setúbal e Sesimbra em 2016.
Com esta mexida, Lídia Sequeira assumiu a gerência e foi ela quem, duas semanas depois, a 10 de Março de 2015, assinou o contrato com Luís Gomes. No clausulado ficou expresso que o estudo deveria ser entregue no prazo de seis meses e que o seu custo seria de 52.750 euros mais IVA. De acordo com o portal base.gov, porém, “apenas foi concluída uma parte do trabalho”, tendo sido pago o valor de 16.220 euros.
Segundo a actual presidente da câmara, Conceição Cabrita, que à época do contrato era vice-presidente da autarquia, este valor corresponde à primeira fase do estudo. O trabalho não foi finalizado “por acordo entre as partes”, acrescenta, tendo sido pago um quarto do valor “nos termos da proposta adjudicada”. Segundo a autarca, a empresa entregou um relatório de 58 páginas, em Agosto de 2015 [três meses depois do prazo parcelar contratado], com o resultado da primeira fase do estudo.
O documento, que a câmara facultou ao PÚBLICO, não tem data e não identifica os seus autores. Intitulado “Caracterização e Diagnóstico”, fica-se pela descrição do sistema de acessibilidades e transportes do concelho, tendo por base a informação fornecida pela câmara, “tal como previsto contratualmente”. Na introdução, o relatório nota que “poderão vir a ser efectuadas análises mais aprofundadas, nomeadamente sobre a oferta e procura de transportes públicos, bem como sobre a logística urbana, caso o município venha a disponibilizar informação mais pormenorizada”.
Estudo inacabado
Os autores explicam ainda que na “Fase 2”, que não chegou a ser concretizada, será feita “a identificação de medidas de minimização dos problemas e dificuldades de funcionamento identificados [na “Fase 1”], nomeadamente a localização e dimensionamento de parques dissuasores e medidas de melhoria global do funcionamento seguro da rede viária”.
Quase em simultâneo, mas provavelmente ainda antes da entrega do relatório da “Fase 1”, a maioria camarária aprovou, a quatro de Agosto de 2015, o Regulamento Geral de Trânsito do concelho de VRSA. Nessa altura já se verificava alguma contestação à recente entrada em vigor da concessão do estacionamento tarifado, tendo o vereador José Barão (CDU) afirmado: “O processo está todo invertido, uma vez que primeiro foram colocados os parquímetros, depois é aprovado o regulamento e só no fim é que será elaborado um estudo de trânsito.”
Em todo o caso, o trabalho da Transnetwork ficou por ali e em Novembro Ana Paula Vitorina ascendeu ao lugar de ministra do Mar. Passados seis meses, quando Lídia Sequeira assumiu a direcção dos Portos de Lisboa, Setúbal e Sesimbra - conforme o programa Sexta às Nove, da RTP, revelou na semana passada –, a gerência da Transnetwork passou para o sócio maioritário, José Eduardo Magalhães.
Pelo que se depreende das contas da sociedade, a sua actividade tornou-se então ainda mais escassa, com vendas de apenas 10.550 euros em 2016 e sem qualquer contrato com entidades públicas. Já em Julho do ano passado, porém, VRSA voltou ao radar da empresa, desta vez com um ajuste directo com a VRSA-SGU, presidida pela sucessora de Luís Gomes e detida a 100% pelo município. Objecto: elaboração do “estudo geral de ordenamento da circulação e do estacionamento no centro histórico de VRSA”. Enquanto o contrato de 2015 visava o concelho inteiro, este ficava-se pelo centro histórico da cidade.
Talvez por isso o preço caía para 39.600 euros e o prazo de execução para 30 dias. Segundo Conceição Cabrita, o estudo foi entregue a 11 de Agosto e contém três relatórios que foram igualmente disponibilizados ao PÚBLICO: um de 58 páginas, correspondente à primeira fase do estudo; outro de 42, relativo à segunda fase; e um terceiro de 41, com a apresentação do trabalho, “perfazendo todo o estudo um total de 141 páginas”.
Um relatório para dois contratos
O primeiro faz-se notar por ter o mesmo número de páginas do relatório da “Fase 1” do contrato de 2015. Vendo de perto, constata-se que os dois são um único. O de 2017 é apenas a reprodução integral do de 2015, substituindo-se apenas as referências ao “concelho de VRSA” pela expressão “centro histórico de VRSA”.
O segundo, relativo à “Fase 2”, é um documento generalista, sem qualquer trabalho de campo, e relativo, quase em exclusivo, a estacionamento e transportes públicos. Inclui “propostas de melhoria” da situação existente, mas é praticamente omisso em relação aos problemas da circulação automóvel, fluidez do trânsito, semaforização e sinalização rodoviária. Por fim, o terceiro documento é um power point com 41 diapositivos que sintetizam as 42 páginas do segundo relatório.
Questionada sobre o resultado prático dos trabalhos efectuados pela empresa, Conceição Cabrita responde assim: “O município e a VRSA - SGU aplicaram várias medidas que vão de encontro ao proposto no estudo (…) nomeadamente, levaram a cabo diversas reuniões quer com comerciantes quer com comissões de comerciantes com vista à apresentação de propostas de alteração do contrato de concessão do estacionamento.” Por outro lado, afirma, “foram também mantidas reuniões com a empresa de transportes públicos que opera no concelho (EVA Transportes) no sentido de alterar trajectos e implementar melhorias no autocarro social”. Por fim, explica, “foram rebaixados diversos passeios, foi cortado o trânsito na zona pedonal do centro histórico e está em curso uma proposta de alteração do regulamento de trânsito municipal”. Refira-se que o estudo nada diz sobre o rebaixamento de passeios, nem sobre o trânsito na zona pedonal.
As explicações da ministra
Contactada pelo PÚBLICO, Ana Paula Vitorino respondeu detalhadamente, afirmando que no final de 2014 a sua empresa foi convidada pela câmara a apresentar uma proposta para fazer um estudo e que a mesma foi por si subscrita “em 5 de Novembro de 2014” – embora a proposta facultada pela autarquia e assinada pela então empresária tenha a data de 6 de Fevereiro de 2015.
A 26 de Fevereiro, acrescenta, decidiu ceder as suas quotas, ficando apenas com 5% e renunciando à gerência. Desde a constituição, em 2011, até essa data, “a actividade da empresa foi quase exclusivamente dedicada à edição e publicação da revista Cluster do Mar, tendo publicado oito números entre 2012 e 2014, não tendo existido nenhum contrato de consultoria com o Estado ou com municípios.”
Ana Paula Vitorino afirma que depois de Fevereiro de 2015 deixou de acompanhar a Transnetwork, não tomou “qualquer decisão”, nem coordenou ou participou em qualquer estudo ou projecto da empresa e não recebeu honorários. “A partir daí não tive conhecimento do desenvolvimento dos trabalhos, data de entrega dos relatórios e conteúdo dos mesmos.” Depois de se referir ao seu currículo académico e profissional, a ministra diz ter a convicção de que o convite que lhe foi feito pela câmara de VRSA “se deveu à [sua] competência e experiência na área dos transportes, reconhecida internacionalmente”.
Ao contrário da imagem que agora apresenta da empresa que criou - como sendo quase exclusivamente dedicada à publicação de uma revista de dois em dois meses -, Ana Paula Vitorino descreve a Transnetwork como uma empresa dinâmica e multifacetada na sua biografia oficial, disponível no Portal do Governo. Referindo-se a si própria, diz aí que “foi partner e responsável técnica da Transnetwork, empresa de consultoria, formação, planeamento, estudos e projectos nas áreas de transportes, portos, logística, infra-estruturas, gestão, economia, engenharia, arquitectura, construção e planeamento, com trabalhos desenvolvidos em Portugal, África e América Latina desde 2011”.
A acreditar nesta caracterização da empresa e nas contas por ela apresentadas ao fisco nos últimos anos terá de se concluir que a maior parte da sua actividade foi exercida probono, em regime de voluntariado. Isto porque a sua facturação foi sempre residual, ficando-se no conjunto dos anos 2015, 2016 e 2017, os únicos cujas contas estão acessíveis, pelos 46.329 euros - ainda assim abaixo dos 55.820 que facturou em dois daqueles anos em Vila Real de Santo António.
A professora e o aluno
Datam de há onze anos as notícias da proximidade entre a então secretária de Estado dos Transportes, com competências na área dos portos e das zonas ribeirinhas, e o então autarca de VRSA. Em Setembro de 2007, durante uma visita de Ana Paula Vitorino, foi assinado um protocolo entre o Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos, por ela tutelado, e a câmara dirigida pelo seu ex-aluno. O objectivo prendia-se com o lançamento de um novo modelo de gestão das zonas ribeirinhas, a partilhar entre a administração central e os municípios. VRSA seria uma espécie de balão de ensaio da nova política.
De concreto, pouco ou nada avançou nesse sentido, mas em Março de 2016, seis meses depois de tomar posse como ministra, Ana Paula Vitorino voltou ao Sotavento algarvio para relançar o projecto de 2007. Em VRSA anunciou mais um protocolo a celebrar com a câmara local, referindo que com ele o Governo pretende “dar o exemplo” para que os municípios assumam a co-gestão das suas zonas ribeirinhas.
No final de 2016, o seu gabinete divulgou um comunicado a dar conta dos contactos em curso com um grupo empresarial inglês para lhe serem concessionados sete hectares da frente ribeirinha de VRSA. A concessão, que viabilizaria um dos muitos projectos de grandes dimensões repetidamente anunciados por Luís Gomes, destinar-se-ia à construção de um complexo hoteleiro de luxo.
Depois disso, não houve mais notícias sobre o assunto, mas em Abril deste ano a ministra voltou à cidade para inaugurar um cais flutuante, em serviço há meses, e anunciou vários projectos para as margens do Guadiana. Mais recentemente, no início deste mês, esteve em Faro nas cerimónias do dia da cidade, onde assistiu à apresentação do projecto de reconversão do cais comercial. A apresentação foi feita por Luís Gomes, actual consultor da Câmara de Faro para a requalificação da frente ribeirinha. No discurso que então proferiu, a ministra afirmou que tinha “muito orgulho” no ex-autarca porque foi sua professora e porque “é sempre bom ver que os alunos seguem os mestres”.
Sobre os contratos da Transnetwork com o município que dirigiu, Luís Gomes disse ao PÚBLICO que tudo foi feito “nos termos da lei” e sem quaisquer favorecimentos. “Os trabalhos foram entregues à autarquia e enquadram-se no objecto dos contratos. No caso do segundo, o trabalho foi mesmo muito além do que foi contratado.”

A revolta do PS local contra a "cobertura" ao PSD

 
28 de Setembro de 2018
Num email enviado no passado dia 18 à secretária-geral adjunta do PS, aos deputados socialistas do Algarve, ao líder distrital do partido e ao secretário de Estado das Pescas, que já dirigiu o partido na região, um dirigente da secção local de Vila Real de Santo António (VRSA) e membro da comissão política distrital do partido insurge-se, violentamente, contra a alegada “cobertura” dada pela ministra do Mar ao ex-líder do PSD Algarve.
Rui Setúbal, que é também um dos representantes do PS na assembleia municipal de VRSA, não poupa nas palavras: “A cobertura pessoal e política que [a ministra do Mar] deu e continuar a dar a Luís Gomes que, para além de cantor (?) de ‘regaton’, é especialista em frentes ribeirinhas, é político, foi presidente de câmara em VRSA durante 12 anos, foi presidente do PSD Algarve e é putativo candidato a presidente de câmara, é execrável.”
Logo a seguir, escreve: “Bem sei que a senhora ministra do Mar através de empresas de que é sócia teve, e continua a ter, contratos com câmaras governadas pelo PSD (vejam-se os dois estudos contratados para VRSA e dos quais nunca foi visto qualquer trabalho), mas tal não pode servir para ser a testa de ferro da ‘lavagem’ pessoal e política do ex-presidente da CMVRSA.”
Rui Setúbal, referindo-se ao recente discurso de Ana Paulo Vitorino numa cerimónia do dia de cidade de Faro, diz mesmo que “estamos perante um acto de apoio a um político sem escrúpulos que é responsável por levar à falência o concelho de VRSA”. Falando depois de uma alegada “teia de relações e favorecimentos complexa” criada por Luís Gomes diz que “só um único escritório de advogados, PMLJ (Morais Sarmento) teve contratos de valor muito superior a dois milhões de euros” com o município local.
“Foi o resultado de uma gestão irresponsável e eleitoralista conduzida durante 12 anos por Luís Gomes que voltou a ser carimbada com um ‘certificado de qualidade” emitido por uma dirigente socialista”, acrescenta. Acerca da gestão do PSD em VRSA, o socialista diz que Luís Gomes deixou a câmara “com mais de 150 milhões de euros de dívida, hipotecada para os próximos 30 anos e sem que nenhum dos grandes projectos anunciados tenha sido concretizado”.
Ao PÚBLICO, Rui Setúbal diz que não recebeu ainda qualquer resposta ao seu protesto e que a sua posição é partilhada pelos responsáveis locais do partido. Quanto aos estudos feitos pela empresa de Ana Paula Vitorino para a câmara de VRSA diz que os pediu em vão no anterior mandato e que já este Verão um dos vereadores do PS os requereu por escrito à presidente da câmara, também sem sucesso.
Em todo o caso, garante que não houve qualquer alteração ao esquema de circulação e estacionamento no centro da cidade que possa ser consequência de tais estudos. “Não houve nenhuma alteração significativa no trânsito do centro histórico desde 2007”, conclui.
Contrariamente aos seus críticos, Luís Gomes, garante que o concelho está agora muito melhor do que estava quando o recebeu do PS em 2005. “No meu tempo a dívida passou de 12 milhões, que na realidade eram 30, para os cerca de 130 actuais, mas o património do município passou de 15 para 200 milhões.” O ex-autarca diz também que nos seus três mandatos o concelho foi integralmente coberto pelo saneamento básico e que foi feita a requalificação das praias de Monte Gordo e Manta Rota.
Quanto à não concretização dos grandes projectos turísticos e imobiliários frequentemente anunciados nos seus mandatos, defende-se, afirmando que sempre disse tratar-se de projectos a 20 anos. “Agora está tudo pronto para ser concretizado”, assegura. Sobre as contratações do escritório de advogados de Morais Sarmento, vice-presidente do PSD, que Rui Setúbal diz terem ultrapassado os dois milhões de euros, Luís Gomes afirma que o recurso aos seus serviços se deve à “confiança” que tem na qualidade do seu trabalho e à necessidade de defender o município é processos extremamente complexos.
Embora Rui Setúbal refira contratos com a PLMJ de “valor muito superior a dois milhões de euros”, o Portal Base apenas regista 596.692 euros em contratos celebrados entre aquele escritório e o município de VRSA, mais 535.750 euros em contratos com a VRSA-SGU, num total de 1 milhão 132 mil euros. À excepção de um contrato de 199.000 euros com a VRSA-SGU que data de 2010, todos os outros são posteriores a Dezembro de 2015 e somam, nestes dois anos e meio, 933.442 euros. O que pode acontecer, mas o PÚBLICO não conseguiu esclarecer até agora, é se há outros contratos, nomeadamente entre 2008 e o final de 2015 que não tenham sido publicados no portal, como a lei exige.

sexta-feira, 25 de maio de 2018

FUTEBOL : ANESTESIA NACIONAL


Intoxicação pelo futebol
Jorge Miranda
O futebol transformou-se, entre nós, num lamentável instrumento de deseducação e de alienação (para não dizer mais).
24 de Maio de 2018

Os recentes acontecimentos num determinado clube têm mostrado, de forma espantosa, até onde pode ir a intoxicação pelo futebol. Não nego a gravidade dos incidentes ocorridos em Alcochete, mas, para além de tudo mais, verificam-se em Portugal e no mundo situações muito mais graves, preocupantes e complicadas de que quase se não tem falado ou de que deixou mesmo de se falar.

No tempo de Salazar, dizia-se que o futebol era uma forma de afastar as pessoas da política. Agora, ao fim de mais de quarenta anos de democracia, o poder do futebol atingiu níveis insuspeitáveis. Basta reparar no número de jornais diários a ele dedicados; no espaço e no tempo que ocupa nos outros órgãos de comunicação social, em particular na televisão; no relevo dado, nos noticiários da rádio e da televisão, aos seus dirigentes, treinadores e jogadores, muito superior ao atribuído a outros agentes da nossa vida coletiva e a dirigentes políticos; nas transmissões frequentes de jogos (até entre equipas estrangeiras) nos chamados horários nobres; nos cafés e restaurantes, por esse país fora, abertos para acompanhar os jogos ou os treinos.
O futebol transformou-se, entre nós, num lamentável instrumento de deseducação e de alienação (para não dizer mais).
Tem que se reconhecer que o fenómeno, em maior ou menor escala, se observa igualmente em todos os países europeus e da América Latina; que os campeonatos internacionais vêm adquirindo uma importância também política imensa; que a FIFA acaba por ser um importante centro de influência e de poder. Apenas duvido de que, em qualquer outro país, aqueles acontecimentos e as vicissitudes subsequentes no referido clube ocupassem horas e horas, dias e dias em todas as estações de rádio e de televisão e que até titulares de órgãos de soberania fossem chamados a pronunciar-se.
Em vez disso, que atenção tem prestado a RTP, estação oficial, paga pelos contribuintes, a questões como a da OPA de uma empresa estatal chinesa sobre a EDP, fundamental empresa estratégica portuguesa? Quanto tempo tem dedicado à situação do serviço nacional de saúde ou da justiça, às desigualdades do interior, à crise do sistema ferroviário? Quantos debates entre especialistas tem promovido acerca da paternidade responsável, da gravidez de substituição, da eutanásia? Que atenção tem prestado aos dramas dos Palestinianos e dos venezuelanos, às guerras na Síria, no Afeganistão ou na Somália? Como tem discutido a vaga de nacional-populismo em vários Estados da União Europeia? Como tratou dos ataques terroristas a igrejas na Indonésia?

A RTP – e, designadamente, a RTP1 (o seu canal generalista e o mais visto pelas pessoas) tem de se reorientar e mudar. Tem (sem prejuízo da RTP2) de se abrir à cultura, com programas periódicos (mais ou menos breves ou longos, consoante os casos) sobre a língua portuguesa, sobre os museus e monumentos, sobre as artes, sobre o folclore, sobre a história, sobre o mar. Deveria contribuir para a sensibilização ambiental. Deveria estar mais voltada para a realidade religiosa, na diversidade de crenças e de vivências, não deixando de ser uma estação laica. Deveria acompanhar mais de perto os trabalhos do Parlamento, em plenário e em comissões dentro do pluralismo político.
Não se trata, resta acrescentar, de fugir ao futebol, em especial quando se aproxima mais um Campeonato do Mundo. Trata-se apenas de lhe dar o lugar que num Estado democrático empenhado constitucionalmente em promover a efetivação dos direitos económicos, sociais e culturais, lhe pode caber. Tudo com conta, peso e medida. Tudo com equilíbrio.

quinta-feira, 24 de maio de 2018

PALESTINA JÁ NÃO EXISTE ?

Contributo informativo do Embaixador Fernando D´Oliveira Neves que ajuda a compreender a situação na Palestina hoje.
MC


O Estado iníquo do povo justo e a embaixada fora da lei
Israel nasceu torto e por este andar não vejo como alguma vez se vai endireitar.
23 de Maio de 2018
Fernando D´Oliveira Neves

Bastaria Jesus Cristo, que era judeu, e ao enunciar a igualdade inventou o humanismo, para adjectivar de justo o povo judeu. Mas o reino de Cristo era de outro Mundo. Também poderia bastar o contributo que o povo judeu deu, em todos os campos, para a civilização dita ocidental. Mas é sobretudo a perseguição odiosa, infame e insuportável de que foi objecto ao longo da História por parte desse mesmo ocidente cristão, e bem assim a resistência sublime que lhe soube opor, que me leva a querer apodar os judeus de povo justo. O que me leva a sentir sufocado pela injustiça que a política do Estado de Israel faz à sua memória e aos valores humanistas que são a marca do sofrimento dos judeus e da revolta que com eles partilhamos.

Israel nasceu torto e por este andar não vejo como alguma vez se vai endireitar. O terrorismo foi um dos vectores da criação do Estado de Israel, juntamente como um efectivo lobby político e o justificado sentimento de culpa por parte dos europeus, culpados do crime repugnante da perseguição milenar aos judeus que atingira a infâmia total com o Holocausto.
Como também à irresponsável tibieza do governo britânico que, mais uma vez, brincou aos deuses ao decidir o destino das suas colónias. Tirou literalmente das suas casas cerca de 800 mil árabes que lá viviam para nelas colocar judeus. Literalmente, insisto. Ouvi discussões entre palestinos nascidos em Jerusalém e judeus, nascidos na Bulgária ou na Polónia, que ocupavam a casa daqueles.  
Seguramente era justo, após todo o sofrimento infligido aos judeus, procurar-lhes uma terra onde pudessem construir a sua pátria e aí viver em segurança. O problema é que foi escolhido um território ocupado por outro povo e assim se criou, artificialmente, mais uma disputa entre dois povos pelo mesmo território.
A decisão das Nações Unidas passou pela criação, nesse território, de dois Estados, com Jerusalém dividida sob a autoridade internacional. Os árabes não aceitaram essa solução, pois, como disse Ben-Gurion, primeiro primeiro-ministro de Israel, se fosse palestino também não aceitaria negociar entregar a sua terra aos judeus, pois não foram eles que os expulsaram de Israel, não é deles o Deus que prometera Israel aos judeus e não tinham sido os árabes que haviam perseguido os judeus e perpetrado o Holocausto.
A oposição árabe não foi, porém, suficiente para impedir a criação do Estado de Israel, nem a expulsão dos 800 mil palestinos que ainda hoje vivem em campos de refugiados, verdadeiros viveiros de ódio, que foram contaminar os países vizinhos, alguns dos quais passaram a ser teatro de guerras alheias.
Se ainda hoje se fala dos dois Estados como solução para o problema do Médio Oriente, a verdade é que a sucessão de guerras, a ocupação por Israel da margem ocidental e o sucessivo estabelecimento estratégico de colonatos israelitas ilegais inviabiliza, na prática, a criação ali de um Estado palestino.
Israel não se coibiu de conduzir esse processo em arrogante desafio ao Direito internacional e ignorando as sucessivas resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas. É, aliás, impressionante a lista dessas resoluções que Israel não cumpriu.
No final dos anos setenta, após várias guerras, o processo de consolidação da posição de Israel nos territórios ocupados e o início da criação dos colonatos estava em pleno progresso.
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Em Junho de 1980, preocupado com a denúncia de que Israel estava a preparar legislação para alterar o estatuto da Cidade Santa, o Conselho aprovou a resolução 476, que reafirmou a condenação da aquisição de território pela força e a inalterabilidade do estatuto de Jerusalém. Com a sua habitual indiferença perante a lei e a justiça, o governo de Israel aprovou logo a seguir a anexação de Jerusalém Leste.
Portugal ocupava então, pela primeira vez, um lugar no Conselho de Segurança e eu, no primeiro posto da minha carreira, integrava a delegação portuguesa, onde tinha, sob a orientação elucidada do embaixador Leonardo Mathias, a questão do Médio Oriente. No dia seguinte à anexação andava eu pelos passos perdidos das Nações Unidas, onde a deliberação israelita tinha naturalmente provocado grande alvoroço e se discutia um violento projecto de resolução, apresentado pelo grupo árabe, em resposta a essa flagrante infracção da legalidade. Com a ajuda do sr. Ascenção, funcionário permanente da nossa Missão, que conhecia a ONU como as mãos dele, fomo-nos dando conta que apesar do clima de justa e radicalizada indignação, havia entre os árabes quem tivesse a percepção de que seria mais vantajoso, para a causa palestina, tentar obter uma resolução moderada, do que apresentar o tal projecto que garantia o veto americano, visto que a política americana para o Médio Oriente é refém da política delinquente de Israel.
A delegação portuguesa era chefiada pelo embaixador Vasco Futscher Pereira, o mais distinto embaixador da sua geração, que ocupava, nesse mês de Agosto de 1980, a presidência do Conselho de Segurança (CS) das Nações Unidas. Ao fim da tarde, o embaixador reunia os membros da delegação no gabinete da presidência no próprio edifício da ONU. Fui para essa reunião com o intuito de transmitir a ideia de que seria possível conseguir aprovar, na nossa presidência, uma resolução moderada. Mas o embaixador estava furioso, o que era nele muito raro, com a reacção dos árabes, não ligou muito aos meus argumentos e disse que não tencionava tomar qualquer iniciativa nesse sentido. 
Fui para casa cabisbaixo, pois estava absolutamente convencido de que, como aliás se veio a verificar, haveria condições para aprovar uma resolução e estávamos a perder uma ocasião única para que a nossa presidência granjeasse o reconhecimento da quase (Israel) unanimidade dos membros das Nações Unidas.
No dia seguinte de manhã, estava eu desanimado no meu gabinete quando o embaixador Futscher irrompe por ali a dentro e me manda ligar para o embaixador Terzi, representante da OLP junto da ONU. Eu ainda esbocei a minha surpresa face ao dia anterior, mas Futscher diz-me “deixa-te de coisas e faz o que te digo”, o que fiz com entusiasmo. E convocou para essa tarde, já com o acordo dos palestinos, um reunião com os cinco membros ocidentais do CS (além de nós e dos três permanentes, a Noruega) e o embaixador da Tunísia, país moderado e também membro do CS.
Foi uma reunião dura, longa e fascinante. Os americanos enviaram à reunião um diplomata sénior, que logo que chegou se sentou com os braços cruzados e um ar contrariado que parecia querer manifestar distância em relação à posição que foi defendida pelo colega da Missão americana que o acompanhava. Este era nada mais, nada menos que um advogado judeu (!). Foi com ele que durante horas prosseguiu a discussão com os restantes membros ocidentais do Conselho. A certa altura, Futscher sai por um momento da sala. Um pouco depois de ele regressar entra uma secretária que vai dizer ao embaixador da Tunísia que havia um telefonema para ele. Mal o tunisino sai, redobra a pressão para o americano ceder e aceitar não vetar o projecto de resolução que lhe tínhamos apresentado e estava a ser discutido. Passada uma boa meia hora, Futscher chama-ma e diz-me “vai ter com o tunisino, que deve estar farto de estar à espera”. Então mas ele não está ao telefone?, pergunto eu. “Não, fui que inventei isso para podermos ser mais veementes com o americano.” E foi assim que alcançámos o desfecho que pretendíamos, só possível graças à brilhante perícia diplomática de Futscher Pereira.
Foi assim aprovada, na presidência portuguesa de Agosto de 1980, a resolução 478, que sancionava e considerava nula e de nenhum efeito pela lei internacional a anexação por Israel de Jerusalém Leste e pedia aos países que ainda tinham embaixada em Jerusalém para a retirarem para Telavive. Resolução que agora os Estados Unidos vêm contrariar, violando a lei internacional e cedendo à política de força e discriminação étnica que Israel insiste em prosseguir e me surpreende como a menos adequada para honrar a memória dos judeus que foram perseguido ao longo da História e que pereceram na ignomínia do inferno do Holocausto. 
Embaixador reformado

quinta-feira, 16 de novembro de 2017

SECAS QUE TRANSFORMARAM CIVILIZAÇÕES


Filipe Duarte Santos



Secas que transformaram civilizações e a seca em Portugal

Há muitos exemplos de secas que provocaram colapsos e transições civilizacionais.

16 de Novembro de 2017

No Egipto, o ciclo exterior mais importante, para além do movimento aparente diurno do Sol, era a cheia anual do Nilo que inundava e fertilizava os campos preparando-os naturalmente para as culturas agrícolas essenciais à vida das populações. As três estações do ano correspondiam às três fases fundamentais daquele ciclo. A primeira, chamada Akhet ou inundação, começava com a inundação cíclica do vale do Nilo no princípio do Verão provocada pelas chuvas das monções na região da Etiópia e do alto Nilo e durava de Junho a Setembro. A segunda, chamada Peret ou crescimento, era o período das sementeiras, do ressurgimento da vida vegetal e animal e coincidia com os meses de Outubro a Janeiro. Finalmente, Shemu ou águas baixas era a fase das colheitas de Fevereiro a Maio.

Embora o início da cheia anual do Nilo fosse previsível, a altura máxima que as águas atingiam era muito variável e imprevisível. Cheias muito altas eram destrutivas e podiam devastar povoações e infraestruturas ribeirinhas. Em contrapartida, as cheias fracas diminuíam a produção agrícola e podiam causar a fome generalizada. O progresso da cheia era essencial para planear o novo ano e provavelmente para calcular o valor dos impostos nesse ano.

Os sacerdotes dos templos alimentavam a fama de predizerem a altura das cheias anuais e mediam a altura das águas do Nilo por meio de nilómetros. Alguns deles perduraram até à atualidade, tais como os de Elephantine, Edfu, Esna, Kom Ombo, Dendera e Thmuis. São formados por corredores com escadarias que conduzem ao rio e cujos degraus vão ficando submersos com o avanço da cheia ou poços ligados por um túnel ao rio e acessíveis também por uma escadaria. Os nilómetros foram usados durante mais de 5000 anos e existem registos escritos do nível das águas do Nilo durante grande parte desse período, especialmente nos últimos 14 séculos. A análise destes dados permitiu concluir que a variabilidade das cheias no Nilo está correlacionada com o fenómeno da Oscilação Sul – El Niño.

A monção da África Oriental é a principal origem da precipitação que alimenta o Nilo através das águas do Nilo Azul. Na situação de El Niño, as águas do Pacífico equatorial leste estão anormalmente quentes, o que gera movimentos ascensionais na atmosfera e chuvas intensas, enquanto na região ocidental, incluindo o Índico, geram-se movimentos descendentes anómalos que enfraquecem a monção e provocam secas no planalto da Etiópia, onde nasce o Nilo Azul, e caudais muito baixos no Nilo Azul e no Nilo. Com a construção de barragens, o nível das águas do Nilo deixou de estar correlacionado com o El Niño, mas a análise dos registos históricos das cheias desde o ano de 622 permite concluir que a maior frequência de eventos de El Niño observada desde os finais da década de 1970, durante cerca de quatro décadas consecutivas, relativamente aos períodos anteriores, é provavelmente uma anomalia provocada pelas alterações climáticas antropogénicas (Trenberth, 1996). Projeções baseadas em cenários climáticos indicam que os eventos extremos de El Niño e de La Niña se vão tornar progressivamente mais frequentes com as alterações climáticas (Wang, 2017).

Após o final do Império Antigo, cerca do ano de 2150 a.C. e durante duas ou três décadas, as cheias do Nilo diminuíram drasticamente, as areias invadiram parte do vale do rio, o lago de Faiyum secou, os solos do delta degradaram-se, a fome estendeu-se por todo o Egipto e paralisou as instituições políticas, semeando o caos. Na parte biográfica das inscrições do túmulo de Ankhtifi, governador de Edfu e Hierakonpolis na IX dinastia, lê-se que “todo o país ficou como se fossem gafanhotos à procura de comida”. As pessoas eram levadas a praticar atrocidades tremendas devido à fome, incluindo, muito provavelmente, o canibalismo. Houve templos vandalizados e saqueados e estátuas destruídas. A governação centralizada do faraó colapsou e os governadores das várias regiões passaram a assumir o poder a nível local e a guerrear-se. Iniciou-se o chamado Primeiro Período Intermediário da história do Egipto. Porém, passados cerca de 100 anos, a governação centralizada ressurgiu com a reunificação do Egipto realizada pelo faraó Mentuhotep II, cujo reinado iniciou o Império do Meio e durou de 2055 a 1650 a. C.

A profunda crise que afetou o Egipto gerou um novo quadro político caracterizado por uma maior sensibilidade para as questões sociais, a misericórdia e a compaixão. Esta terá sido provavelmente a primeira vez na história das civilizações que um governo, baseado numa hierarquia forte e centralizadora, adotou, embora sob uma forma embrionária, conceitos sociais de equidade que impunham ao faraó proteger os mais fracos e pobres na sociedade, especialmente em períodos de adversidade. Mais tarde, estes conceitos e práticas floresceram sob diversas formas com o cristianismo e o islamismo. Uma das manifestações mais claras da transição para novas formas de igualdade foi tornar a imortalidade acessível a todos e não apenas ao faraó e às elites dos dirigentes e sacerdotes. A fórmula encontrada foi considerar todos iguais assumindo que, para efeitos de acesso à imortalidade, cada um é um faraó. Os detalhes práticos sobre como aceder à imortalidade estavam escritos no interior dos sarcófagos.

Dados paleoclimáticos revelam que entre 2350 e 1850 a.C. houve períodos de secas severas em várias regiões do mundo, uma das quais originou os níveis muito baixos do Nilo no Egipto a partir de 2200 a.C. Outras regiões afetadas foram a América do Norte, o Mediterrâneo, o Médio Oriente, África Oriental, Índia e a China. É muito provável que essas secas tenham sido a causa principal do colapso do Império Acádio na Mesopotâmia e da cultura Liangzhu, a última do jade no delta do rio Iangtzé, na China, na região onde hoje está Xangai. A mudança climática para um clima mais seco há cerca de 4200 anos deu-se também na Península Ibérica na Idade do Bronze e está na origem de umas construções intrigantes em pedra que se encontram na região de Castilla La Mancha, em Espanha, próximo de Ciudad Real, chamadas Motillas. Investigações arqueológicas nos últimos anos levaram à conclusão que as Motillas eram edificações destinadas a aproveitar as águas subterrâneas e a armazenar água e cereais numa época de grande aridez. Na Motilla de Azuer encontrou-se um poço com cerca de 4000 anos, provavelmente o mais antigo da Península, que permitia ir buscar água a um nível freático profundo. A construção dos poços na cultura das Motillas foi uma solução de sucesso para fazer face à seca, que contribuiu para impulsionar a transição para uma sociedade mais complexa e estruturada. Quanto à origem do evento climático de seca de há 4200 anos sabe-se ainda muito pouco. Poderá estar relacionado com variações da temperatura superficial no Oeste do Pacífico, Índico e no Atlântico Norte. 

Há muitos outros exemplos de secas que provocaram colapsos e transições civilizacionais. No período de 750 a 900 d.C. deu-se o colapso da civilização Maia Clássica que resultou em parte de períodos de seca prolongados. Situação análoga deu-se com o Império Tiwanaku entre 1000 e 1100 d.C. e com o Império Khmer baseado em Angkor, no Camboja, nos séculos XIV e XV.

Recentemente houve uma seca na região da Síria que durou 15 anos, de 1998 a 2012, tendo sido a mais intensa dos últimos 500 anos (Cook, 2016). As suas consequências contribuíram para criar as condições que levaram à guerra civil iniciada em março de 2011, que matou entre 331 e 475 milhares de pessoas e levou cerca de 5,1 milhões de refugiados a abandonarem a Síria.

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Devido às alterações climáticas antropogénicas, a média decadal da precipitação anual tem estado a diminuir no Mediterrâneo, especialmente na Península Ibérica, Península Balcânica e região do Médio Oriente, onde se encontra Israel, Jordânia, Palestina e Síria. As secas estão a tornar-se mais frequentes e prolongadas e a seca na Síria insere-se nesta tendência, que tende a agravar-se. A severidade da seca que afeta atualmente grande parte da Península Ibérica é muito provavelmente mais uma manifestação das alterações climáticas.

Nos últimos 13 meses, desde outubro de 2016 a outubro de 2017, não houve um único mês em que uma parte de Portugal Continental não estivesse na situação de seca. O melhor mês foi março de 2017, em que apenas algumas regiões tinham seca fraca. Em Portugal, a seca é já gravíssima e não sabemos quando irá terminar. Pode chover abundantemente este inverno ou haver apenas chuva fraca. As consequências desta última hipótese são preocupantes e urge estar preparados para as enfrentar. Aquilo que sabemos com bastante segurança é que se o Acordo de Paris não for cumprido, o centro e sul da Península Ibérica irão tornar-se perigosamente áridos. É necessário adaptar-nos às alterações climáticas e termos planos de contingência de médio e longo prazo adequados para diversos cenários futuros.





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Professor da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa


terça-feira, 25 de julho de 2017

OS GOVERNOS MUNICIPAIS TÊM DE TER QUALIDADE

PERTO DE ELEIÇÕES AUTÁRQUICAS É ÚTIL IR CONVERSANDO SOBRE ISTO. JÁ CONHECEMOS MUITOS CANDIDATOS, NÃO SABEMOS É O QUE PROPÕEM.


OS CAMPOS DE TÉNIS FACE AO FAROL ESTÃO AMEAÇADOS. MAIS UMA RAZÃO PARA NO DIA 1 DE OUTUBRO VOTAR BEM.



Susana Peralta A qualidade dos governos municipais

A democracia local, tal como a democracia ao nível do governo central, é um processo em contínua melhoria.

24 de Julho de 2017

As eleições — para qualquer nível de governo — têm dois objectivos principais. O primeiro é escolher a alternativa que a maioria prefere, entre as diferentes visões do mundo das cidadãs e cidadãos. Ou seja, as eleições estão ao serviço do saudável confronto entre diferentes ideologias do eleitorado. O segundo objectivo é promover na gestão pública características que todos os eleitores concordam que são desejáveis: evitar a corrupção e o desperdício, ou gerir atempadamente as catástrofes, por exemplo. Existe uma palavra em inglês que define esta ideia — “accountability”.



A dois meses das eleições autárquicas, antes de entrarmos na espuma dos dias de campanha, vale a pena refletir sobre estes dois aspectos e perceber que factores são críticos para a realização dos mesmos.



O fenómeno que pode comprometer o primeiro objectivo é a abstenção, que aumentou de 26,2% nas eleições autárquicas de 1979 para 47,4% nas últimas, em 2013. Este aumento da abstenção limita a capacidade das eleições para refletir a preferência da maioria da população. Isto acontece porque as pessoas que se abstêm são diferentes daquelas que votam: menos educadas, com menor rendimento, mais jovens, menos informadas sobre a atualidade. Existe, portanto, uma parte da população que não tem as suas escolhas refletidas nos resultados eleitorais. O politólogo holandês Arendt Lipjhart diz que esta situação tem semelhanças preocupantes com o voto censitário que regulava o acesso ao sufrágio pelo património das pessoas. Por essa razão, Lipjhart defende a introdução do voto obrigatório — à semelhança da Bélgica e Austrália, por exemplo — como forma de as democracias modernas garantirem que as eleições refletem as posições de todo o eleitorado.

No que respeita ao segundo objectivo, existem vários trabalhos de investigação atuais que apontam para a importância da transparência e da participação dos eleitores na promoção da accountability dos eleitos. Uma análise de municípios alemães dos economistas Benny Geys, Friedrich Heinemann e Alexander Kalb mostra que os municípios onde existem movimentos de cidadãos independentes conseguem fornecer serviços públicos semelhantes a um custo inferior.

A existência de movimentos de cidadãos tem maior impacto nos municípios que conseguem gerar mais receita com impostos locais. Ou seja, esta investigação mostra que a autonomia local, em conjunto com a participação das cidadãs e dos cidadãos, melhora a eficiência da gestão pública.

Um outro exemplo é o Brasil, país em que o Orçamento Participativo foi criado na cidade de Porto Alegre no final dos anos 80, sendo hoje utilizado em mais de uma centena de cidades. Segundo o Banco Mundial, a introdução do Orçamento Participativo em Porto Alegre coincidiu com um crescimento substancial na oferta de alojamentos sociais, na rede de saneamento básico, no número de escolas. Um estudo recente mostra que as cidades com orçamentos participativos investem mais em saneamento básico e cuidados de saúde. Este investimento teve como consequência uma redução da mortalidade infantil.

Portugal tem dado alguns passos no sentido de aumentar a participação dos eleitores na política local. Houve nos anos recentes um aumento do número de orçamentos participativos. Estes são utilizados em 118 cidades, incluindo Lisboa, que foi a primeira capital europeia a adoptar o orçamento participativo, em 2008. As listas de cidadãos têm ganho importância nas eleições autárquicas. São neste momento o quarto movimento autárquico, atrás do PS, PSD e PCP — embora devamos ter em conta que uma parte destes independentes são, na verdade, dissidentes de partidos com fortes ligações aos aparelhos partidários.

Tem também havido uma melhoria da transparência, com iniciativas governamentais como o Portal Autárquico (www.portalautarquico.pt) e não-governamentais como o Índice de Transparência Municipal (https://transparencia.pt). A imprensa local em Portugal varia bastante entre regiões, tanto em qualidade como em tiragem. Seria interessante estudar os efeitos desta diversidade — sabemos que, no Brasil, a existência de imprensa local diminui a corrupção nos municípios.

A democracia local, tal como a democracia ao nível do governo central, é um processo em contínua melhoria. Sem dúvida que o mecanismo principal é o voto — de resto, o Prémio Nobel da Economia Amartya Sen mostra-o claramente quando aponta a inexistência de episódios de fome generalizada na Índia, uma democracia, contrariamente à China, um estado autocrático. Quarenta anos depois desta conquista fundamental, não devemos coibir-nos de continuar a refletir em maneiras de melhorar a nossa forma de governo colectivo. A mais simples, e que tem a vantagem de depender apenas de cada eleitora e eleitor individual, é ir votar no dia 1 de Outubro.

A autora escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico

CIDADANIA SOCIAL - Associação para a Intervenção e Reflexão de Políticas Sociais 





Professora na Nova School of Business and Economics