DIA DA TERRA
Planeta azul ou prateado?
É essencial que os riscos decorrentes da perda de
biodiversidade e da crise climática sejam abordadas em conjunto.
Maria Amélia Martins-Loução
22 de Abril
de 2021
A quinta Assembleia
Geral do Ambiente (UNEA), realizada a 23 de Fevereiro último, chamou a atenção
para novos riscos pandémicos, se nada se fizer em prol da salvaguarda da biodiversidade.
Mas a volatilidade da informação e a situação que ainda se vive a tentar sair
desta pandemia leva ao esquecimento e a seguir em frente, sem preocupações.
Hoje, dia internacional do Planeta Terra, é oportuno reflectir sobre estes
contínuos avisos.
O planeta vive uma crise global e
2020 evidenciou esta realidade: a saúde, a pobreza e o subdesenvolvimento estão
intimamente ligados aos problemas ambientais. A covid-19 obrigou a sociedade a
parar e este confinamento compulsivo levou à redução das emissões de gases com
efeito de estufa e de gases poluentes. Aparentemente, ambas as crises – a
pandémica e a climática – respondem perante a mesma solução: o abrandamento do
ritmo, a contenção. Mas a especulação dos mercados monetários globais continua
a ser argumento usado para justificar políticas em prol de vidas aceitáveis,
emprego e melhoria económica. Esquece-se que o crescimento económico não pode ser alcançado e
sustentado num planeta em degradação e gizam-se estratégias sectoriais sem uma
visão de conjunto e de futuro.
Em Portugal, o Plano de Recuperação e
Resiliência (PRR) foca a competitividade económica, apostando
nas transições climática e digital. Estas prioridades estão alinhadas com o
compromisso assumido de atingir a neutralidade carbónica até
2050, através da redução das emissões de carbono e maior
incorporação de energia de fontes renováveis. O desafio da transição
verde está concretizado no Plano
Nacional de Energia e Clima. Ecologia, biodiversidade, áreas
protegidas ou mesmo ‘activos ambientais’, como intitulam o património natural,
não estão contemplados. É tempo de entender que crise climática e perda de
biodiversidade estão interligadas. O aquecimento global afecta a variabilidade
genética, a riqueza de espécies e os ecossistemas. A perda de biodiversidade
afecta o clima: a desflorestação, a erosão do solo, o declínio dos corais são
promotores de emissão de dióxido de carbono. Limitar o aquecimento global exige
a limitação das emissões de dióxido de carbono, mas o “problema” das
alterações climáticas não assenta apenas na questão energética e de
transportes. É mais complexo do que isto e deve ser abordado de forma holística
e transversal. Infelizmente, verificam-se incongruências nas políticas em
resultado da avaliação sectorial dos assuntos. Ou seja, o processo de decisão,
inerente a todas estas estratégias, está comprometido pela falta de vontade no
conhecimento científico sobre os sistemas naturais, os ecossistemas e suas
interacções.
Uma das incongruências
relaciona-se com a insistência em investir numa estrutura aeroportuária numa
área protegida, o estuário do Tejo,
consagrada na legislação nacional como Área de Reserva Natural e internacional
como sítio da Rede Natura 2000 e sítio Ramsar e uma das maiores zonas húmidas
da Europa Ocidental. Depois da pandemia, toda a estratégia de transportes
aeroportuários europeus tem vindo a ser repensada e apostada na sua diminuição.
Portugal mantém esta incongruência, ao aplicar medidas de redução de emissões
de gases e, simultaneamente, investindo em estruturas mais emissoras. Estranha
forma de seguir as indicações do Pacto Ecológico Europeu ao
desvirtuar, por omissão, a salvaguarda e o aumento de áreas protegidas,
ameaçando uma, de forma irreversível.
A acção climática e a necessidade das
energias renováveis é muito mais fácil de implementar e de justificar que a
acção global para a conservação da biodiversidade. Uma é imediata e directa no
retorno económico, social e mediático. A outra é lenta, complexa, pouco visível
e menos relevante para uma sociedade cada vez mais urbana
A outra incongruência
está no incentivo ao desenvolvimento de fontes renováveis de energia. Com este
incentivo nascem oportunidades de negócio, interesses particulares, até porque
em Portugal grande parte da propriedade é privada. Não é, por isso, de
estranhar a proposta de lançamento de projectos de energia renovável
fotovoltaica em solos de baixo rendimento agrícola ou de abandono. Estão
projectados para zonas semi-áridas, com uma forte exposição solar, sem água
acessível e barata mas associada a ecossistemas mediterrânicos únicos. Noutras
zonas do país, os moinhos de energia eólica têm também diminuído a demografia
de espécies de aves e, apesar da sua ineficiência nunca declarada, continuam a
alterar paisagens. O interesse dos proprietários e das empresas alia-se ao dos
governos pela necessidade de aumentar a independência energética do país e
baixar as emissões de gases com efeito de estufa. Não há controlo ou avaliação estratégica sobre a
fragmentação e degradação de ecossistemas. O importante é avançar na transição
“verde”, em empresas diferentes, com a criação de “empregos verdes”. Em pouco
tempo o sul do país será, maioritariamente, uma paisagem de ferro, silenciosa,
espelhada. É uma verdadeira transição de uma paisagem verde ou amarelada para
uma imagem brilhante e “prateada”.
É essencial que os
riscos decorrentes da perda de biodiversidade e da crise climática sejam
abordadas em conjunto. No entanto, a acção climática e a necessidade das
energias renováveis é muito mais fácil de implementar e de justificar que a acção
global para a conservação da biodiversidade. Uma é imediata e directa no
retorno económico, social e mediático. A outra é lenta, complexa, pouco
visível e menos relevante para uma sociedade cada vez mais urbana. A alteração
da paisagem é a principal causa de perda de biodiversidade. Isto explica porque
é que só 2% a 3% do planeta está ecologicamente intacto. Em pouco tempo o
planeta visto do espaço vira de azul a prateado. A redução das emissões poderá
ser conseguida, mas a estabilidade do Planeta Terra fica ameaçada. É este o
legado que queremos deixar para as gerações vindouras?
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2020
foi o ano mais quente de sempre na Europa
Bióloga, professora catedrática de Ciências Universidade de Lisboa;
presidente da Sociedade Portuguesa de Ecologia