terça-feira, 28 de junho de 2011

1948

Decorria o ano de 1948 quando esta fotografia foi tirada. Era a turma da Dª Maria dos Anjos, a professora, e estávamos na 2ª classe. O autor deste blogue é o primeiro à direita da professora na última fila (para quem está a olhar a foto).
No passado dia 25 de Junho reunimos, mais uma vez, num almoço de confraternização alguns dos resistentes dessa época.
Infelizmente já é significativo o número dos que nos deixaram, outros abalaram de VRSA e nunca mais regressaram, outros emigraram e acabaram por regressar após a reforma.
VRSA era bem diferente em 1948, a nossa escola tinha a única zona ajardinada da então vila, com tanque de peixes coloridos, um pátio aberto com baixo relevo onde no verão davam espectáculos. Restam algumas amoreiras. A escola das meninas estava em construção e tinha, para ser feita, destruído o jardim onde hoje é a Escola de Hotelaria, que tinha um coreto ao centro. Os crimes ambientais e patrimoniais não começaram agora, é pecha velha, é uma questão cultural e civilizacional que vai levar tempo a evoluir para melhor.
VRSA era uma terra viva, com inúmeras fábricas de conserva e estivas, frota pesqueira com dezenas de traineiras, enviadas e galeões ( em 1948 ainda havia alguns), estaleiros navais, fábricas de latas de conserva e das chaves para as abrir, da folha para as fabricar, a fábrica do gelo, a serração de madeiras e carros puxado a cavalos para transportar os atuns para as fábricas, um porto com guindastes, estivadores e barcos estrangeiros atracados para levar minério, conservas, sal, cortiça etc.
O Lusitano jogava contra os grandes na Primeira Divisão, tínhamos o Cine Parque e as hortas forneciam com o indispensável o mercado onde hoje é o Centro Cultural António Aleixo.
O turismo era coisa desconhecida, e a marginal de Monte Gordo tinha muitas vivendas, sacrificadas mais tarde à especulação imobiliária que tornaram Monte Gordo num caos.
O Jornal do Srº Armando Rocha noticiava casamentos e funerais e os efeitos da guerra civil espanhola e da II Guerra Mundial ainda se faziam sentir, com vários produtos racionados.
Saudades!?, sim da mocidade, não dos tempos em si, de muita pobreza, fome e também miséria, de exploração  dura dos trabalhadores, de repressão, de medo e de horizontes culturais fechados. A PIDE vigiava desde as instalações na Alfândega. Presos políticos foram muitos, levados de madrugada para Lisboa após os primeiros interrogatórios em VRSA.
Não havia era um hospital digno desse nome, nem escolas até ao 12ºano, nem segurança social, nem salário mínimo, subsídio de desemprego ou de reinserção social, não havia eleições, nem partidos políticos (o único era o Partido Comunista mas clandestino), nem sindicatos livres e tantas outras coisas do nosso dia-a-dia que em 1948 era um sonho.
Acabada a 4ª classe, quando acabavam, a maioria ingressava no mundo do trabalho mal pago para ajudar a família. Os mais desafogados economicamente frequentavam o Colégio ou a Dª Maria Cide, dado que Liceu só havia em Faro.
Os da foto podem dizer que viveram em dois séculos, assistiram às grandes transformações sociais e políticas do nosso país, participaram nas guerras coloniais, conheceram mundo, mas temos algum amargo de boca por sabermos que o Portugal de hoje poderia ser muito melhor.

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