O texto que se publica, do Rui Tavares, é um toque de alarme. Eles estão de novo aí, nas eleições francesas, na Ucrânia onde vários membros do governo são de um partido fascista. A austeridade imposta aos europeus, "custe o que custar", para salvar bancos falidos por aventuras financeiras das quais os seus responsáveis ficam impunes está a degradar a Democracia, a abrir as portas à demagogia e ao populismo.
Opinião
A
Europa e o refascismo
24/03/2014 - 07:49
Quando se pensa no fascismo, os países que vêm
normalmente à cabeça são a Itália, em certo sentido a Alemanha, também Portugal
e a Espanha. A certa altura dos anos 30 e 40, regimes aparentados ao fascismo
dominavam no continente europeu, em particular no Leste, onde estavam na
Polónia e na Eslováquia, na Hungria e na Roménia. Em 1936, apenas, a Frente
Popular deteve a chegada do fascismo à França e é talvez por isso que não
pensamos muito na França quando pensamos no fascismo.
E, no entanto, foi na França que durante o meio século anterior foram
germinando as sementes de ideias que depois ganhariam esse nome. O
anti-semitismo moderno, com a eclosão do caso Dreyfus no fim do século XIX e a
imprensa mais raivosamente anti-judaica da Europa no início do século XX; o
anti-parlamentarismo de Sorel, que depois de passar da esquerda para a direita
se tornou num precursor do nacional-socialismo; o revanchismo dos monárquicos e
defensores do “organicismo” da nação; o pétainismo e o culto do salvador da
pátria; e, muito, em particular, o integralismo de Charles Maurass, tido por
ser uma das principais influências de Salazar. Tudo isso nasceu em França,
muito disso ficou em estado larvar.
Saltemos de século. Desde 2001 que temos tido a infelicidade de ver todos
os partidos estabelecidos da Vª República Francesa, da esquerda à direita,
estenderem a passadeira à Frente Nacional. Desde logo quando toda a esquerda se
dividiu para deixar passar Jean-Marie Le Pen à segunda volta das presidenciais.
Depois, quando a direita de Sarkozy adotou todos os grandes temas da
extrema-direita. E agora, com esse completo vazio de ideias — sobre a França,
sobre a Europa ou sobre a democracia — que se chama François Hollande.
O resultado viu-se ontem, nas eleições municipais francesas. A Frente
Nacional voltou a ganhar uma cidade, no Norte que já foi bastião comunista e
socialista. Em Avignon e Fréjus vai para a segunda volta à frente. E em
Marselha, o segundo município mais populoso do país, está à frente da esquerda
e disputando a cidade com a direita.
Isto é uma primeira volta; quando os franceses voltarem às urnas a história
será um tanto diferente. Mas isso importa pouco, porque a tendência é clara.
Hoje, a filha do pai, Marine Le Pen, é presença permanente em todos os media
franceses. As suas ideias tornaram-se plausíveis e pseudorrespeitáveis;
concordam com ela entre um quarto e um terço dos franceses. O voto popular
passou da esquerda para a Frente Nacional. Para todos os efeitos, há hoje em
dia três pólos: a esquerda, a direita, e a Frente Nacional. Começa-se a
desconfiar que esta caminhada só vai parar no Palácio do Eliseu. Com ela
acabará a Vª República Francesa, e não só: acabará definitivamente uma certa
ideia da Europa do pós-guerra.
Isto não se passa só em França. Gente defendendo as mesmas ideias estão no
governo da Áustria ou da Letónia e apoiam os governos da Holanda ou da Suécia.
Na Itália, a anti-política de Grillo sobe nas sondagens.
Chamem-se fascistas ou não, o que esta gente tem de comum é uma
insinceridade e deslealdade de base em relação à democracia. A democracia só
lhes interessa para manipular até chegar ao poder. E uma democracia sem ideias
abre-lhes o caminho. Uma democracia que não acredite no futuro pode bem acabar
por não o ter.
Historiador e eurodeputado
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