O futuro do
Estado Social e os Pobres
JOSÉ ANTÓNIO PINTO
18/06/2015
Com a anunciada morte do Estado Social
aceitamos sem protesto e indignação um Estado mínimo de caridade e
assistencialismo que humilha e não emancipa os mais desfavorecidos.
Dizem que o Estado está "teso" porque aumentou a esperança de
vida e o desemprego não parou de crescer. Considero que existe uma relação
directa entre uma democracia saudável e a capacidade do Estado em promover
bem-estar social e qualidade de vida, protegendo as pessoas em situação de
vulnerabilidade, nomeadamente na doença, no desemprego e na velhice. A
qualidade da democracia pode ser avaliada pela capacidade do Estado
proporcionar aos cidadãos o acesso a bens, equipamentos e serviços públicos de
qualidade.
Quero dizer com isto que quando um Governo destrói, com medidas políticas,
o Estado Social, está a pôr em causa a democracia e o próprio regime
democrático. Dizem os entendidos e os especialistas ao serviço do regime que
sem criação de riqueza, sem crescimento económico e sem aumento da
produtividade é muito difícil o Estado ter recursos para praticar políticas
sociais generosas. Aparentemente, isto é verdade. Mas todos sabemos que em
Portugal sempre que houve crescimento económico e aumento de produtividade, a
riqueza foi muito mal distribuída. As políticas de protecção foram sempre de
mínimos: salário mínimo, rendimento mínimo, abono de família mínimo, pensões
mínimas, subsídio de desemprego de valor mínimo. Estou de acordo que é
necessário existirem recursos, mas também vontade política para garantir
dignidade à vida das pessoas.
Estas políticas do nosso Estado providência tornaram ao longo dos anos a
pobreza menos severa, mas nunca contribuíram para autonomizar, libertar e
emancipar os pobres da sua condição de exclusão social e dependência.
Também é muito frequente ouvir nos fóruns e debates subordinados a este
assunto, prestigiados estudiosos afirmarem que o défice do Estado, a dívida e
os desequilíbrios das contas públicas resultam do Estado ter gasto muito
dinheiro com a protecção dos mais frágeis e com aqueles que socialmente são
mais desfavorecidos. Sem memória e sem ética, estes académicos esqueceram-se de
referir que a dívida privada dos bancos se tornou dívida pública e que agora
todos estamos a pagar o buraco do BPN e do BES. Todos estamos a pagar a fuga ao
pagamento de impostos de grandes empresas, as rendas das parcerias
público-privadas, os prejuízos dos produtos tóxicos derivados da compra de
Swaps de algumas empresas públicas. Tudo isto — associado à gestão de
desperdício da máquina do Estado, à irresponsabilidade e à ganância financeira
— arrastou Portugal para o monstro da dívida. Não foram os pobres que
hipotecaram o país. Não foram os que sempre receberam salários de miséria em
empregos precários que viveram acima das suas possibilidades.
Quando alguma elite intelectual se pronuncia sobre o futuro do Estado
Social, os argumentos parecem mais consistentes. Dizem que o Estado está
"teso", porque aumentou a esperança de vida e o desemprego não parou
de crescer. Isto é verdade. A despesa com os idosos tornou-se mais elevada, o
Estado paga reformas durante mais tempo, os cuidados de saúde e as
comparticipações para integração em lares. Tudo isto causa desequilíbrio no
orçamento da segurança social. Com o desemprego sempre a subir aumenta a
despesa em subsídio de desemprego e não entram receitas na caixa da segurança
social com os descontos provenientes do trabalho. Aumenta assim a despesa do
Estado em protecção social e diminuem as receitas nos seus cofres. Este
argumento pode criar desequilíbrio, mas não gerar ruptura e falência do
sistema. Os novos processos de recomposição social são notórios e
indisfarçáveis. A necessidade de proteger as pessoas de novos riscos também é
real
Perante este desafio é necessário tomar medidas para salvar o Estado
Social. O discurso da inevitabilidade serve determinados interesses, por isso
não tem existido vontade política para encontrar uma solução. As receitas para
darem músculo ao Estado Social podem aumentar se tivermos coragem e saber
científico para combater as causas estruturantes do problema.
Todos sabemos que o desemprego pode ser combatido se as leis do mercado de
trabalho forem alteradas. O desemprego pode diminuir se as políticas de emprego
forem diferentes e se a estrutura produtiva se modificar. Mesmo sabendo que
esta é a raiz do problema, ninguém quer atacar a origem do mal.
Afirmam os altos quadros técnicos dos grandes grupos económicos que este
combate para ser eficaz teria de ser realizado já num patamar internacional.
Claro que sim: se o capital se globalizou, a luta e as soluções também podem
ser globais. No entanto, Portugal poderia, desde já, começar a fazer o seu
trabalho de casa.
Será que há vontade e determinação política para cobrar às empresas
lucrativas as dívidas que têm à Segurança Social? Que empenho existe para não
deixar prescrever estas dívidas que correspondem a milhões de euros que não
entram nos cofres da Segurança Social? Por que motivo não se altera a forma e o
modelo de contribuição para a Segurança Social? Não pela lógica do número de
trabalhadores, mas sim pelo volume de negócios e pelos lucros comprovados? Por
que motivo não se combate com meios e recursos eficazes a fuga e evasão das
contribuições à Segurança Social? Que medidas políticas estão a ser tomadas
para evitar a descapitalização da Segurança Social?
O exemplo mais chocante consiste no seguinte: o Estado privatiza empresas
públicas lucrativas, o novo proprietário despede centenas de funcionários
dessas empresas públicas e depois tem de ser o mesmo Estado que vendeu o seu
património ao desbarato a proteger no desemprego esses trabalhadores despedidos
com os recursos dos nossos impostos e contribuições. Que belo negócio para o
capital!
A propósito destas jogadas ideológicas, pergunto: por que motivo se vendem
ao desbarato empresas públicas lucrativas, estruturantes para o nosso tecido
empresarial? Com o lucro da EDP, dos Correios, da Galp, da PT, e de outras
empresas que fomos perdendo para a mão privada de estrangeiros, o país tinha
recursos económicos para gerir com generosidade e justiça as prestações do
Estado Social.
Que fiscalização existe por parte do Estado às falsas falências das
empresas que mandam os trabalhadores para o desemprego e os respectivos patrões
compram, em simultâneo, carros de alta cilindrada? Por que motivo não se
diversificam as fontes de financiamento da Segurança Social? Por exemplo, uma
pequena parcela sobre o imposto arrecadado nas vendas de álcool e tabaco podia
ser muito positiva para recapitalizar a Segurança Social.
Nenhumas destas sugestões ou propostas estão a ser consideradas.
Ideologicamente, os partidos da direita, de mãos dadas com o PS, propõem cortar
hoje nas pensões para garantir a sustentabilidade do futuro, estilhaçar o contrato
entre os contribuintes e o Estado que deve utilizar esta reserva de fundos só e
apenas na garantia de tranquilidade e bem-estar na velhice, destruir a
solidariedade entre gerações, poupar as empresas nas contribuições na
ingenuidade de que assim os empresários ao descapitalizar a Segurança Social
criarão mais emprego e as suas empresas com menos despesa se tornarão mais
competitivas. A sugestão dos contribuintes pagarem menos para a segurança
social e assim verem os seus bolsos com mais dinheiro para aumentar o consumo
privado também é anedótica e reveladora da irresponsabilidade que
consiste fazer da reforma da Segurança Social um instrumento de política
económica liberal
Resumindo: o Estado Social está em perigo, está ligado às máquinas, quase a
morrer. Esta morte anunciada não é inevitável. Existem alternativas e outro
caminho para o revitalizar. A intenção de destruir o Estado Social é política e
ideológica pois permite ao actual Governo ter o falso argumento de passar para
a esfera privada funções sociais do Estado lucrativas. Com a falência do Estado
Social é mais fácil florescer o negócio lucrativo na área da educação, da saúde
e da gestão do fundo de pensões. Com a anunciada morte do Estado Social o
dinheiro para proteger as pessoas pode ser descaradamente utilizado para
comprar títulos de dívida pública. Com a anunciada morte do Estado Social os
cofres de Portugal ficam vazios para pagar os juros da dívida à senhora Merkel.
Com a anunciada morte do Estado Social vamos ter mais tolerância para o
empobrecimento, para o aumento das desigualdades sociais, para a perda de
direitos e para o retrocesso civilizacional que nos envergonha a todos. Com a
anunciada morte do Estado Social aceitamos sem protesto e indignação um
Estado mínimo de caridade e assistencialismo que humilha e não emancipa os mais
desfavorecidos.
Assistente Social
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