O combate político é um combate
01/09/2015
A lata do homem que mais portugueses
atirou para a pobreza não tem limites, a sua falta de vergonha é abissal, o seu
decoro inexistente.
É possível amalgamar quase tudo, apresentar propostas que são mantas de
retalhos de ideias contraditórias, apresentar propostas que nem são propostas
mas apenas postas, fazer discursos que são sopas de pedra onde se juntam
ingredientes à medida das assistências, atirar ao ar frases soltas de efeito
fácil para repetição nos jornais e passagem nas televisões, prometer mundos e
fundos, manipular as estatísticas, mentir descaradamente e jurar pela virgem
Maria que nunca se disse outra coisa, dizer que agora é que é, que os outros
são piores, que os outros são o demo, sorrir para parecer simpático, fazer ar
sério para parecer honesto, acenar para parecer popular, tirar a gravata para
parecer modesto, pôr a gravata para parecer ponderado. As campanhas e
pré-campanhas eleitorais são férteis nisto. São quase só isto. Quem ouça e veja
com atenção o que dizem e fazem os políticos do costume em campanha e se atenha
a algo mais que os gritos e as bandeiras e os sorrisos e os beijos aos bebés e
os olhares às mamãs corre o sério risco de uma indigestão, de uma congestão, de
uma apoplexia.
Os
partidos são todos assim? Não. Os políticos são todos assim? Não. As campanhas
são todas assim? Não. Mas a campanha eleitoral que vemos na televisão é (com as
intervenções dos membros do Governo à cabeça) e, para a esmagadora maioria dos
portugueses, essa é a campanha eleitoral. A campanha eleitoral do “arco da
governação”, seguindo a lógica da Quadratura do Círculo, onde o círculo nem
sequer é quadrado mas apenas um triângulo com o PSD, o CDS e o PS como lados.
Não houvesse Pacheco Pereira na Quadratura do Círculo e o programa seria o
melhor exemplo de manipulação da opinião pública desde que a Fox News começou
as emissões. E, nas campanhas eleitorais, não está o Pacheco Pereira.
A
campanha das televisões — mesmo com os debates anunciados — será a
gigantesca lavagem ao cérebro do Portugal à Frente e o número de equilibrismo
da obsessão centrista de António Costa.
As
campanhas eleitorais têm uma perversidade intrínseca. Tem vantagem quem mais
mente e quem tem maior descaramento. Tudo seria diferente se osmedia fizessem
um papel de verdadeira fiscalização dos poderes, mas osmedia consideram
que publicar um texto ou fazer um programa de fact-checking das
aldrabices do PSD e do CDS é uma “reportagem especial” e não a sua razão de
ser. É como se o Nicola decidisse que servir café é algo para fazer apenas nos
dias feriados.
Um dos
problemas da falta de escrúpulo da campanha do PAF e da navegação prudentíssima
da campanha do PS é que se tornam indistinguíveis. Passos Coelho chegou agora
ao cúmulo de erigir o combate às desigualdades como um dos objectivos de um
futuro governo PAF e de garantir que esse sempre foi uma das preocupações do
actual Governo. A lata do homem que mais portugueses atirou para a pobreza não
tem limites, a sua falta de vergonha é abissal, o seu decoro inexistente. Mas
quem o dirá com a veemência que o facto exige?
A
campanha eleitoral — cirurgicamente podada pelas televisões das
intervenções à esquerda do PS —, que devia ser o local do choque
ideológico e do debate de políticas, torna-se o lugar da amálgama morna, sem
confronto de políticas alternativas, um choque de imagens onde apenas se pode
comentar o sorriso dos oradores, onde cada vez mais se repete que a diferença
entre esquerda e direita é uma coisa antiquada que “deixou de fazer sentido”.
A
declaração é um dos bons exemplos da manipulação ideológica actual. Uma
declaração pretensamente “equidistante dos extremos” que é de facto um grito de
batalha, que visa convencer os eleitores de que a “boa governação” não tem cor
política e convencer as massas a abdicar da luta de classes e de lutar pelos
seus direitos.
Um dos
sinais dos tempos no actual combate político, nesta campanha onde Passos Coelho
se recém-arvorou em campeão da igualdade, é a ausência dos pobres. Os pobres
sempre foram invisíveis mas nunca foram tão invisíveis. Os desempregados
conhecem todos os dias novas indignidades nas bichas dos centros de emprego,
nas lojas onde não podem comprar nada. Os velhos e doentes nem sequer podem
ocupar a rua, o último lugar do poder. Os remediados degradados para novos
pobres aguentam a respiração e tentam adaptar-se à humilhação, tentando passar
despercebidos. A responsabilidade da política deveria ser destruir este
silêncio, que rouba aos que nada têm a soberania que é sua, devolver a voz aos
que não falam, combater a iniquidade, mas a campanha eleitoral, desideologizada,
higienizada, soundbitizada, receia fazer aparecer a luta de classes — e
isso acontece mesmo à esquerda. Receia parecer radical, mesmo quando a direita
lança uma guerra sem quartel aos velhos, aos pobres e aos doentes através dos
cortes na saúde e na segurança social. Mas o combate político não é uma valsa.
O combate político é um combate, para o qual só poderemos mobilizar vontades
com clareza nos objectivos e audácia nas propostas.
Candidato independente às eleições legislativas pela coligação
cidadã Livre/Tempo de Avançar (jvmalheiros@gmail.com)
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