UM GOVERNO SEM TEMPO PARA ERRAR
01/12/2015
Os últimos dias deram muitas razões de alegria aos democratas. Não, não
digo às pessoas de esquerda. Digo aos democratas. Àquelas pessoas que acreditam
que a soberania reside no povo e que todos os cidadãos, todos sem excepção, são
iguais em direitos e devem ser livres para exercer esses direitos e para
beneficiar dos seus frutos. Àquelas pessoas que acreditam que a liberdade é um
valor universal e que pertence a todos por igual e não apenas aos que têm mais
rendimentos, um nome de família mais ilustre, mais instrução ou mais qualquer
outra coisa.
Depois de um Governo
onde a desigualdade foi transformada em valor supremo, onde nos tentaram
convencer de que a educação devia ser distribuída conforme a origem de classe
dos estudantes, que a cultura apenas devia servir para benefício dos ricos, que
o desenvolvimento do país exigia que se aumentassem as desigualdades salariais
porque aí estava o segredo da competitividade, que a posição de Portugal na
União Europeia devia ser a de um subalterno dos países mais poderosos, que a
segurança no desemprego, na doença e na velhice dos cidadãos apenas podia ser
garantida a quem tivesse um pé-de-meia considerável no banco, pôr um ponto
final nessa iniquidade não pode ser visto senão como um sinal de esperança
pelos democratas.
O grande motivo de
alegria é pois o fim de um Governo de patriotas de lapela e colaboracionistas
no coração que se dispunha a destruir alegremente o país, pilhando o património
que pudessem, destruindo o Estado e humilhando os trabalhadores, aumentando a
dívida pública e recusando-se a defender o país nos organismos internacionais
para não indispor os poderes.
Outro motivo de
alegria é o programa do Governo do Partido Socialista, onde o combate ao
empobrecimento, ao desemprego, a defesa dos serviços públicos e a aposta na
educação, na investigação e na inovação ocupam um papel central. É curioso que
os senhores antiliberais que se chamam a si mesmo “liberais” para fingir que
prezam a liberdade, mas que apenas defendem a liberdade dos poderosos
explorarem os mais frágeis, nunca vieram a terreiro dizer que a pobreza e o
desemprego eram intoleráveis porque reduziam a nada a liberdade de escolha dos
cidadãos.
Outro motivo de
alegria - aqui, principalmente para os cidadãos de esquerda - são os acordos de
incidência parlamentar celebrados entre os PS e os partidos à sua esquerda para
viabilizar o Governo, o programa e a governação socialista.
Estes acordos não
deveriam ser apenas motivo de satisfação para as pessoas de esquerda porque
eles significam algo que todos os democratas deveriam prezar: o fim do
famigerado conceito antidemocrático de “arco da governação”, que defendia e
pretendia incutir no espírito dos cidadãos a ideia segundo a qual alguns
partidos possuíam um direito divino a exercer a governação e que outros
deveriam para sempre ficar relegados à oposição, numa espécie de coro sem
poder; e o fim de uma tradição de acção política por parte dos partidos à
esquerda do PS baseada na crítica e no protesto mas que só raramente era
submetida à prova da realidade. A entrada do BE, do PCP e do PEV para o clube
dos partidos que podem participar na governação - como manda o direito, a
democracia e a decência em relação a todos os partidos com assento parlamentar
- significa que, pela primeira vez na história da democracia, a reserva de
ideias onde mergulham as raízes da governação é mais rica do que antes e
permite, por isso, encontrar melhores soluções.
Agora que o Governo
está em funções e que tivemos uns dias para celebrar, entramos na fase mais
séria da acção política. Sabemos todos que os riscos são imensos: a nossa
economia está tão frágil como antes do XIX Governo de Passos Coelho; as nossas
finanças estão ainda mais frágeis (apesar da propaganda); as reformas
estruturais necessárias (justiça, administração pública, energia, inovação,
formação profissional, etc.) não foram feitas e apenas se procedeu, com esse
nome, à redução dos salários e à precarização do trabalho; a fragilidade dos
bancos é maior; a situação económica e financeira da Europa está mais frágil; o
ambiente internacional mais agitado. O que nos espera é difícil e será
provavelmente duro. Como cidadãos, o que nos cabe é exercer o dever da maior
exigência cívica que este país já viu em relação ao Governo de António Costa. A
nossa responsabilidade é - ao contrário da deselegante descarga de fel de
Cavaco Silva e da irresponsável oposição sistemática prometida pelo PSD e pelo
CDS - garantir ao novo Governo toda a lealdade e toda a cooperação mas nenhuma
condescendência, nenhuma complacência. Não temos tempo. Este Governo vai ter de
governar bem em tempos difíceis e isso também depende de nós, da exigência que
demonstrarmos, da vigilância que exercermos, das críticas que fizermos, dos
debates que promovermos.
Uma das circunstâncias
que me dão maior confiança neste Governo é, curiosamente, uma que preocupa
alguns comentadores: a sua dependência parlamentar do BE e do PCP. A mim, essa
vigilância dá-me confiança e espero que, com ela, o PS possa mostrar o melhor
de si.
jvmalheiros@gmail.com
Também desejo que quer o PS, quer os BE, PCP e PEV posam todos dar o melhor de si - a responsabilidade tem que ser igual para os quatro
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