Tenho andado afastado do blogue há semanas, fiz umas pequenas férias. Hoje li um artigo com o qual concordo em muito do que diz. Aqui fica à vossa apreciação.
JAPinto O
radicalismo de esquerda e a questão social
O que é perigoso é existirem 116 mil vínculos precários no Estado.
18 de Março
de 2017
Começo a ficar preocupado. Não consigo decifrar o conceito político de
esquerda radical. Os ideólogos que defendem todos os dias a vinda rápida do
diabo para o palco da política nacional consideram a esquerda radical
populista e perigosa. Estes construtores de opinião utilizam todas as suas
ferramentas intelectuais para incutirem nos cidadãos a ideia de que a esquerda
radical tem propostas e soluções políticas que são poesia, irrealistas,
utópicas, completamente desligadas do contexto europeu e do resto do mundo.
A esquerda radical é populista e perigosa porque não aceita contaminar o
discurso político com questões técnicas. Um bom exemplo disso é o da
renegociação da dívida. É muito técnico e complexo e, por isso, é aconselhável
não mexer. O PS ainda não venceu este constrangimento. Mesmo assim,
este tema tem mais de político do que de técnico. Sem renegociação da
dívida não vamos poder continuar a respirar. Sem os recursos da dívida e dos
seus juros não há possibilidade de dignificar os serviços públicos, não há
dinheiro para reforçar o Estado Social, aumentar salários, pensões e prestações
sociais, apoiar as pequenas e médias empresas, melhorar os serviços
públicos de saúde e educação, construir equipamentos sociais ou outras
infra-estruturas necessárias ao desenvolvimento do país.
A esquerda radical é populista e perigosa porque não aceita casar-se com o
social liberalismo. Com esta coabitação seria mais difícil aumentar o salário
mínimo. Os que consideram a esquerda radical populista e perigosa ainda acreditam
que a competitividade das empresas depende dos baixos salários e da miséria das
remunerações que não retiram da pobreza sequer os que estão empregados.
A esquerda radical é populista e perigosa porque não aceita a doutrina da
submissão ao directório económico de Bruxelas que nos impõe o encerramento de
serviços, despedimentos, privatizações, desregulamentação das leis do trabalho,
cortes nas pensões e salários, aumento de impostos, destruição do Estado
Social. Tudo isto para pagar a falência dos bancos privados.
A esquerda radical é populista e perigosa porque só serve para protestar. O
caminho de abertura para iniciar reformas estruturantes para o país está
condicionado. Mas de que reformas falamos? Privatizar a segurança social? Mexer
na Constituição para dar mais benefícios, privilégios e regalias ao grande
capital? Privatizar a Caixa Geral de Depósitos?
A esquerda radical é populista e perigosa porque amedronta o investimento
estrangeiro. Sem investimento não há criação de riqueza e emprego. Muito bem,
concordo. Mas o que dizem as estatísticas é que, em 2016, o crescimento da
economia foi de 1,4%, tendo ultrapassado as previsões do governo e de Bruxelas.
O que é perigoso é existirem 116 mil vínculos precários no Estado. O que é
perigoso é existirem mais de quatro mil famílias à espera de uma habitação
social, o que é perigoso é ainda existirem cantinas sociais para matar a fome
diária a mais de 38 mil pessoas, o que é perigoso é a chuva que cai nas salas
de aula de muitas escolas. O que é perigoso é existir mais de um milhão de
idosos com pensão inferior a 230 euros mensais, mais de 600 pessoas a viver nas
ruas de Lisboa sem qualquer tipo de apoio institucional, rendas agiotas que o
Estado tem de pagar pelas parcerias público-privadas nos contratos das rodovias
e da gestão hospitalar. O que é perigoso é defender a caducidade da contratação
colectiva.
A esquerda radical é populista e perigosa porque acredita na acção
colectiva organizada dos cidadãos para conquistar direitos e bem-estar social.
A esquerda radical é populista e perigosa porque não desiste da luta de
classes, não aceita que a vida das pessoas seja menos importante do que a dos
mercados. A esquerda radical é populista e perigosa porque não aceita hipotecar
a felicidade das pessoas numa taxa de juro ou numa anotação de uma agência
de rating. A esquerda radical é populista e perigosa porque
não aceita, não se conforma nem acha normal os vampiros comerem tudo e não
deixarem nada.
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