As tendências
corruptoras do exercício do poder
Narciso Machado
Juiz Jubilado
A actividade política não tem apenas
como limite a lei, porquanto a sua acção é também limitada pela ética, que deve
funcionar como regra subsidiária da lei.
29 de agosto de 2017
A natural malícia dos homens conduz a
uma inevitável tendência para a corrupção. Mas, o exercício do poder torna
essas tentações ainda mais fortes, de tal modo que costuma dizer-se que “todo o
poder corrompe”. A fiscalização dos actos dos governantes são, por vezes,
ineficazes. Perante tal condicionalismo, não deve qualquer sociedade
conformar-se com os efeitos corruptores do poder.
Há que limitar essas tendência
corruptoras através de fiscalizações internas que, no caso português, se têm
mostrado débeis, quando não completamente desajustadas e ineficazes, sobretudo
no que respeita aos escalões cimeiros do poder. As dificuldades em tal matéria
reflecte-se no conhecido aforismo latino: “quis custodiet custodes?”, ou
seja, os guardas são sempre difíceis de guardar, sobretudo aqueles que ocupam o
vértice do poder. A maior
parte dos casos, senão sempre, as investigações só se mostram conclusivas
quando tais governantes já deixaram de ser detentores do poder.
É
da sabedoria milenária dos povos que o exercício do poder reclama uma larga e
cuidada preparação relativamente aos governantes. Essa sabedoria reflecte-se no
rifão popular segundo o qual “se queres conhecer o vilão põe-lhe a vara na
mão”. E realmente tem sido frequentes os casos em que os países pagaram preços
muito elevados, em vidas, em desperdícios financeiros e injustiças, como
conseqência da ascensão política de gente destituida de adequada formação ética
e moral. Para contrariar a referida tendência corruptora, importa evitar uma
longa permanência no exercício do poder através da limitação temporal dos
mandatos políticos.
Acontece que, minados os alicerces
morais e éticos, a previsão da impunidade das infrações e dos crimes ajuda a
alargar a esfera da marginalidade dentro de qualquer Estado.
Compete
ao Parlamento e aos partidos da oposição, em primeira linha, exercer as suas
funções democráticas, procedendo a uma fiscalização pública permanente e
administrativa, de modo que a opacidade dê lugar a uma transparência da vida
pública. Mas, para que o combate a este tipo de crimes seja verdadeiramente
eficaz deve partir também dos próprios cidadãos, desde logo, ao não pactuar com
situações menos transparentes.
A
actividade política não tem apenas como limite a lei, porquanto a sua acção é
também limitada pela ética, que deve funcionar como regra subsidiária da lei.
Ao longo dos anos tem havido uma
politização e amiguismos crescentes dos lugares públicos em detrimento de
critérios de experiência, mérito e idoneidade. O combate à corrupção deve
passar por medidas políticas e pela transparência de quem exerce funções
públicas. O Dr. Marinho e Pinto, passou todo o seu mandato, enquanto Bastonário
da Ordem dos Avogados, a denunciar, publicamente, que “havia pessoas nos
elevados cargos públicos a acumular fortunas de forma escandalosa, acumulando
grandes patrimónios”. Muitos duvidaram das suas denúncias. No entanto,
actualmente, perante os casos que correm nos tribunais, creio que ninguém terá
dúvidas acerca da justeza das denúncias do Dr. Marinho e Pinto.
Os
dados fornecidos pelos organismos da União Europeia (UE), que tratam do fenómeno
da corrupção, não têm a sido nada favoráveis a Portugal: 93% dos portugueses
consideram que a corrupção é um “grande problema” do país.
Relativamente aos sectores onde existe mais situações de subornos e abuso do
poder, os portuguesses têm apontado em primeiro lugar os políticos a nível
nacional (64 %), seguindo-se os políticos a nivel local (58%) e depois a nível
regional (57%). Infelizmente, esta percepção dos portugueses tem-se revelado
verdadeira, face aos demasiados casos relatados pela comunicação social e
pendentes nos tribunais, alguns deles envolvendo, alegadamente, grandes redes
dedicadas a negócios fraudulentos. Esses casos, além de revelarem uma preocupante extensão da corrupção a
nível de altos cargos da administração pública e do poder central do Estado,
reclama uma espécie de limpeza da vida política, de modo que o poder
democrático seja exercido como um verdadeiro exemplo de transparência e de
lealdade dos eleitos perante o povo.
Apesar de tudo isto, ainda há fortes
razões para que os cidadãos, legitimamente, solicitem da justiça aquilo que
incumbe á justiça, pois, não sendo embora os magistrados os autores das leis,
são eles que as aplicam, demonstrando ao povo que ainda vale a pena acolher-se
à protecção da justiça.
Juiz desembargador jubilado