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Incêndios
rurais, secas e inundações
É necessário dar lugar à transição, do
estado actual, para outro mais sustentável.
7 de
Fevereiro de 2018
Desde os grandes incêndios do ano passado, muito se
tem dito a propósito de florestas. No entanto, há temas que não têm sido
abordados e que vale a pena referir: a relação entre floresta, secas e
inundações — nada na comunicação social ou no discurso político parece mostrar
que há a noção de que são as árvores (umas mais do que outras) que permitem
reter e infiltrar água no solo, de modo a permitir a sua utilização futura e
evitar a seca e, por outro lado, a diminuir o risco de inundações. Como em
Portugal estes fenómenos podem ocorrer num curto período de tempo devido à
variabilidade do clima mediterrânico que nos caracteriza, é bom que as pessoas
percebam que tudo está ligado. Sem um ordenamento global da paisagem, não há
equilíbrio possível e estes fenómenos agravam-se, não devido a imponderáveis
climáticos, sempre desresponsabilizadores, mas sobretudo por inépcia dos
agentes que actuam sobre o território, incluindo políticas públicas. E se,
particularmente algumas árvores, nos podem salvaguardar de secas extremas e
inundações (Molkanov [1] recomenda como valor mínimo da florestação de uma
bacia hidrográfica 40% da sua área), é fácil perceber que os incêndios rurais
têm consequências catastróficas a nível da água disponível, para já não falar
do solo que nos sustenta, do ar que respiramos, etc.
Sobre os incêndios rurais tem-se falado, e bem, a
propósito de várias vertentes: aldeias seguras, organização do combate, etc.
Daquilo que não se tem falado é da futura organização do espaço rural e muito
particularmente do espaço florestal. Que pinheiro e eucalipto são as espécies
mais combustíveis entre as que ocupam o país, parece já haver uma noção
generalizada, embora alguns insistam na máxima de que não é a espécie que
interessa (em matéria de incêndios), mas sim a gestão. Se, no total do espaço
florestal, 56% é constituído por pinheiro bravo e eucalipto e se, da área que
ardeu, 53% era pinheiro bravo e eucalipto (Carta de Ocupação do Solo 2010), é
evidente que a composição da ocupação desse espaço tem que ser alterada. Ora,
quando o Governo diz que só vai permitir eucalipto nas áreas anteriormente
ocupadas por essa espécie, é o mesmo que dizer que tudo vai ficar na mesma.
Muito particularmente a área do Pinhal Interior que ardeu praticamente toda, na
sua maior parte era ocupada por eucalipto, que aliás já está a regenerar.
Também o pinheiro bravo regenera naturalmente com toda a facilidade.
Conclusão: se nada se fizer, o que vamos ter no futuro
é mais uma vez eucalipto e pinheiro para alimentar o ciclo infernal dos
incêndios. O outro pressuposto que há a considerar é que as folhosas autóctones
ou tradicionais, além de serem menos combustíveis, produzem uma folhada capaz
de melhor regenerar o fundo de fertilidade do solo do que o pinheiro e o
eucalipto e, sem solo vivo, a paisagem e, portanto, o país caminham para o
deserto e o despovoamento. Isto obriga-nos à proposta de um modelo de
ordenamento do território mais resiliente.
Em síntese, há que criar alternância na
combustibilidade da ocupação do território. Esta alternância tem que estar
relacionada com a forma do terreno porque esta determina o comportamento do
fogo, tanto mais, quanto maior for o declive. Há duas estruturas fundamentais,
nas quais se deve garantir a natureza do revestimento: uma constituída pelas linhas
de água e os fundos de vale que devem ser revestidos por folhosas da galeria
ripícola ou, se houver agricultores, agricultura; outra, constituída pelas
cabeceiras das linhas de água que devem ser revestidas por folhosas (que não o
eucalipto), ou seja carvalhos, entre os quais o sobreiro que é retardador de
fogo (desde que tenha cortiça), mas também o castanheiro. O olival, a vinha e a
pastagem são outros modos de ocupação muito úteis para a criação de espaços
abertos onde o fogo tem mais dificuldade em progredir. Nas vertentes, as linhas
de água secundárias com galerias ripícolas, ou freixo nas situações mais secas,
ou ainda agricultura, podem formar linhas, no sentido do maior declive, que
interrompem ou retardam a progressão do fogo quando lavra longitudinalmente à
encosta. Estas estruturas da paisagem são complementadas por vazios
constituídos por vias e caminhos.
A implementação deste novo modelo espacial não nega a
existência de eucalipto e de pinheiro bravo, mas implica a redução da área
actual e localiza estas duas espécies em situações contidas dentro do “miolo”
da nova estrutura criada, embora com exigências específicas de gestão,
incluindo a exclusão das zonas mais declivosas. Está-se a falar duma mudança de
paradigma que, para acontecer, tem que ser financiada: a agricultura tem um
papel importantíssimo na criação de um tampão ao fogo à volta das aldeias e
cidades e ao longo dos vales, tal como acontecia antigamente e continua a
acontecer em muitos casos. Não se trata da grande agricultura industrial, mas
da pequena agricultura familiar que permitirá manter pessoas a viver nas zonas
mais desfavorecidas — esta agricultura, que tem um papel muito para além da
subsistência dos seus promotores, tem que ser financiada por fundos públicos.
A introdução de folhosas, por plantação ou regeneração
natural, também tem que ser financiada. Trata-se de financiar a transição entre
um modelo em que o eucalipto e o pinheiro bravo são dominantes, para outro em
que as folhosas autóctones materializam uma estrutura de protecção contra os
incêndios e de conservação da água, do solo e da biodiversidade. Um dos modos
de promover este financiamento é através da instituição de uma tabela de
serviços de ecossistemas que contabilize os benefícios que o novo modelo trará
para a sociedade. É também preciso mostrar que a nova paisagem criada é
economicamente viável, introduz diversidade na produção e pode fixar pessoas no
terreno, mas é necessário dar lugar à transição, do estado actual, para outro
mais sustentável.
[1] Molchanov, A. A., Hidrologia Florestal,
1963, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1971
Manuela Raposo Magalhães
Arquitecta Paisagista;
investigadora do LEAF/ISA/ULisboa
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