Vivemos de
novo tempos preocupantes. Nasci entre o final da Guerra Civil Espanhola e a II
Guerra Mundial num país de regime fascista. Tenho memória e não esqueci esses
tempos. Sei por experiência própria o que foi a ditadura portuguesa, vi as
consequências trágicas que atingiram a Europa nos anos 40 e 50 do século
passado e que em Portugal se prolongaram até ao 25 de Abril de 1974.
Assusta
constatar que de novo temos fascistas no poder em vários países europeus e nos
USA, e chegaram lá através do voto. Se não houver um sobressalto político,
cívico e cultural contra este facto pagaremos todos mais tarde e duramente por
termos facilitado pela silêncio ou indiferença o caminho. Os fascistas no poder
não estão lá para fortalecer a Democracia mas para a assassinar.
Junto dois
textos que tocam a sineta do alarme.
MC
Tarefas urgentes
para antifascistas
Quando ainda era o tempo das crónicas a alertar para o regresso do fascismo
nunca pensei que a versão atualizada do século XXI viesse a ser tão
caricaturalmente parecida com o original.
20 de Junho
de 2018 Rui Tavares
Acabaram-se as crónicas a alertar para a possibilidade
de um regresso do fascismo: ele aí está, inconfundível e indesmentível. Quando
o governo dos EUA separa crianças dos pais para as encerrar em campos de
detenção. Quando o ministro do interior da Itália diz que vai fazer um censo
para expulsar todos os ciganos estrangeiros e acrescenta que “infelizmente
teremos de ficar com os ciganos italianos porque não os podemos expulsar”.
Quando o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, faz um discurso dizendo que
“nenhum compromisso europeu será possível em matéria de imigração e asilo”
porque “a Hungria é contra a mistura” com povos estrangeiros. Quando tudo isto
acontece, o regresso do fascismo já se deu. Sem eufemismos e sem pleonasmos.
Sim, é verdade que ainda não ocorreram as piores
calamidades — mas alguém quer ficar sentado de braços cruzados a ver se é
possível lá chegar? O facto é que a infra-estrutura legal, política,
institucional e cultural que possibilita as piores tragédias já está montada.
Este não é o momento de esperar para ver. Este é o
momento da solidariedade e da resistência. Este é o momento de os antifascistas
procurarem entender quais são as suas tarefas prioritárias. Adiante estão
aquelas que considero serem as minhas.
Em primeiro lugar: contra o fascismo eu tenho aliados
na esquerda, no centro e na direita democráticas. Todos aqueles que forem a
favor do Estado de direito e dos direitos fundamentais são meus amigos no
contexto atual. Discordarei com eles sobre a austeridade, o politicamente
correto, o progressismo e o conservadorismo e todas as coisas sobre as quais já
discordávamos antes. Mas se eles e elas sentirem a mesma urgência em fazer, em
primeiro lugar, barragem contra a barbárie, estamos juntos.
Em segundo lugar: é inadmissível justificar moralmente
as atitudes que os fascistas do século XXI estão a tomar nos EUA e na Europa,
nem branquear a responsabilidade moral que têm aqueles que os apoiam. Isto não
impede que continuemos a discutir se as causas deste febrão estão na economia ou
na cultura, na austeridade de que foram vítimas os pobres e a classe média ou
no egoísmo desenfreado de muitos ricos. Estas discussões são interessantes, são
até importantes, e continuaremos a tê-las. Mas é preciso traçar uma linha muito
clara entre a compreensão do fenómeno e a sua justificação. Não me venham dizer
para assumir como natural que uma vítima da austeridade ou um perdedor da
globalização passe a ser racista e adepta de tiranetes — primeiro porque isso
não é verdade, e em segundo lugar porque as tendências xenófobas e autoritárias
se combatem com nada menos do que intransigência, venham de onde vierem.
Em terceiro lugar, esta é uma luta global a precisar
de solidariedade global. Não me façam discursos sobre o respeito que os
nacionais-populistas dizem ter pela soberania e pelo princípio da
não-ingerência. Está na cara que eles estão organizados numa “Internacional
Nacionalista”. Está na cara que Putin adora intrometer-se nas eleições dos
outros. Esteve à vista de todos que Trump anteontem interferiu na política
interna alemã para tentar ajudar à queda do governo e à ascensão dos
nacionais-populistas germânicos. A resposta deve ser igualmente clara: onde
houver um opositor democrático a Trump, Putin, Orbán e Salvini, eu estou com
ele ou ela de todas as maneiras que encontrar.
Em quarto lugar, é preciso salvar a UE e a ONU. Alguns
não concordarão comigo. Tanto pior — como eu disse, estas são as minhas
prioridades e não serão as de todos. Pois para mim a ideia de que há algo de
bom a ganhar com o colapso da UE ou da ONU — de que sair da UE pode servir para
“fazer o socialismo” ou algo do género — é a mais perigosa das fantasias. Do
colapso da UE ou da ONU só resultaria o mesmo vale de lágrimas que se seguiu ao
colapso da Sociedade das Nações.
Em quinto lugar, é preciso cuidar do nosso jardim. No
século XX, Portugal foi dos primeiros países a entrar na noite escura e dos
últimos a sair. Se o pior vier a acontecer, há que lutar para garantir que
desta vez Portugal seja, se tiver de o ser, uma ilha de democracia e
progressismo. As condições que temos não são das piores. Tratemos de manter o
consenso pelo estado de direito entre e a democracia pluralista que temos entre
nós.
Quando ainda era o tempo das crónicas a alertar para o
regresso do fascismo — escrevo sobre o que se está a passar na Hungria, por
exemplo, desde o Verão de 2010 — nunca pensei que a versão atualizada do século
XXI viesse a ser tão caricaturalmente parecida com o original. Se alguém então
me revelasse que em 2018 estaríamos a assistir a qualquer dos eventos
mencionados no primeiro parágrafo eu provavelmente responderia: calma, é
possível que o fascismo volte, mas não com tanta desfaçatez e arrogância.
Talvez não exatamente com campos de concentração, censos anti-ciganos e apelos
à limpeza étnica. Pois bem, eis-me lamentavelmente a reconhecer: se errei, foi
por defeito e não por excesso.
Historiador; fundador do Livre
José Pacheco Pereira
José Pacheco Pereira
Do mesmo modo, o que se está a passar na Europa, em particular na Hungria, Itália e Áustria, e nalguns dos seus aliados menores, não pode ser aceitável pelo resto da Europa que ainda mantém pelo menos o lip service aos direitos humanos. A recente legislação da Hungria deveria implicar a expulsão da União e um movimento, em primeiro lugar, húngaro e, depois, europeu de desobediência cívica, indo lá ajudar os imigrantes.
Não tomem a sério o que se está a passar e, a prazo, a serpente sairá do ovo. Uma serpente moderna, que se sabe manobrar nas redes sociais, e mover-se na televisão, que encontrará primeiro numa franja de imbecis, e depois em gente que adora o poder e que será cada vez mais sofisticada no mal, uma corte de defensores, como já se percebe nos EUA Por cá ainda estamos na fase dos imbecis, mas há uma corte invisível que namora as mesmas ideias de poder e de exclusão, de frieza e de autoridade, em nome do que for preciso. Não, não há progresso na história. Ou a gente defende a fina película da civilização ou os brutos que adoram a força a partem por todo o lado.
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