NOTÍCIAS À ESQUERDA 4
Caminhos das esquerdas
DOMINGOS LOPES
29/07/2014
A dificuldade de se construir uma alternativa de
esquerda não pode ser ultrapassada por uma corrida de personalidades.
Os partidos de esquerda, tal como os partidos de direita, perderam, em
grande medida, a capacidade mobilizadora que tinham. Mobilizam uma pequena
parte (a mais ativa) do seu eleitoral – o aparelho partidário e os mais
ativistas.
A direita, no poder em Portugal e em quase em toda a União Europeia,
afirma-se impondo a austeridade como inevitável, deixando as populações
aturdidas, sem saber como sair do ciclo vicioso.
A direita dos interesses está intimamente vinculada com o poder
económico-financeiro e essa é a arma que utiliza para levar avante a política
neoliberal que desregula as sociedades europeias, cujo consenso assentava no
Estado social.
Num mundo profundamente desequilibrado, sobretudo depois da implosão da
URSS, as diversas esquerdas têm sentido grandes dificuldades para responder aos
desafios.
Os partidos socialistas e social-democratas claudicaram e renegaram a
própria social-democracia.
Muitos partidos comunistas [PC] renegaram o socialismo e quase
desapareceram.
Surgiram, entretanto, outras formações com maior ou menor
representatividade social e eleitoral em vários países.
O desígnio destas novas formações foi ganhar uma vasta faixa de eleitorado
que se situa entre os PC e a social-democracia.
Por um lado, porque os PC não foram capazes de responder às aspirações
dessas camadas e, por outro lado, porque as novas formações apostaram numa
representatividade própria que lhe desse um outro estatuto no xadrez
político-partidário.
O caso português não foi diferente, designadamente com o surgimento do BE.
Porém, o aparecimento e o crescimento do BE não se traduziu numa maior
cooperação entre as esquerdas.
O PS continuou a sua deriva liberal. O PC fechou-se ainda mais, com receio
do concorrente.
Ao mesmo tempo, o movimento social, já de si fragilizado, foi perdendo
força. As manifestações contra este Governo tiveram uma grande amplitude, mas
perderam impacte à medida que se tornava claro que não havia alternativa.
A tentativa de Manifesto 3D falhou exatamente porque, mesmo os que se
diziam abertos, estavam fechados a sete chaves nas suas capelas imaculadas.
A deterioração da situação no BE é consequência da incapacidade de manter
coesos grupos que sentem o esfrangalhamento do partido.
Há, porém, quem, à pressa, anuncie que tal ou tal agrupamento se vai juntar
ao Livre e assegure condições para a governabilidade da esquerda.
É manifesto que a junção de uma das dissidências do BE com algumas
personalidades do Manifesto 3D e outras do Congresso Democrático das
Alternativas para fazer um acordo com o PS não chega para um entendimento mais
fundo à esquerda.
Pode chegar para governar melhor que atual maioria, sem dúvida, mas não
chega para assegurar um consenso mínimo em torno do Estado social e no quadro
da UE, designadamente sobre o compromisso em torno do Pacto de Estabilidade que
impede o país de crescer e se desenvolver e fazer frente ao mortífero
desemprego que varre Portugal.
Naturalmente que não se pode levar pelas orelhas quem não quiser um
entendimento ou convergência à esquerda, mas ainda não se viram grandes
esforços para que, por exemplo, o PCP faça parte desse entendimento ou
convergência.
Certamente que haverá vida para além do PCP, mas não é menos certo que,
devido à influência do PCP em certos meios, essa participação é fundamental,
até para não deixar à esquerda quaisquer dúvidas acerca do que cada um quer.
Ora se não houver simultaneamente uma mobilização popular que apoie este
objetivo, os entendimentos por riba são sempre frágeis e passíveis de serem
postos de lado às primeiras dificuldades, pressões ou ingerências perfeitamente
imagináveis num mundo que vai momentaneamente em sentido contrário a esta
orientação.
A dificuldade de se construir uma alternativa de esquerda não pode ser
ultrapassada por uma corrida de personalidades com um ou outro partido e
proclamar in
hoc signo vinces.
É preciso mais trabalho de fundo, que está sempre (para alguns) em
contradição com o calendário eleitoral.
Trazer o PS, o PCP e o BE para uma negociação deste calibre exige muito
músculo, mas sem ele a alternativa pode ser coxa; sendo também certo que a
História não está dependente de um deles, dos dois ou dos três.
A existência de vários sectarismos que têm caracterizado a vida política à
esquerda não se pode resolver com a declaração “solene” de que é preciso passar
do protesto à governação. Claro que é preciso isso e muito mais: um grande
debate que lime arestas e seja capaz de aglutinar estas forças na defesa do
Serviço Nacional de Saúde, da escola pública, de uma justiça para todos, da
Segurança Social, do crescimento do emprego. Estes são pontos inultrapassáveis.
A governação é torná-los viáveis e não uma caricatura, como faz a atual
maioria.
Para alcançar este objetivo, se for preciso romper condicionantes da UE
devem romper-se. Uma negociação forte, com negociadores de costas erguidas e
alianças com outros países nas mesmas circunstâncias, pode tornar possível
aquilo que os neoliberais querem que seja impossível. As esquerdas têm esse
dever. Resta o caminho a fazer.
Sem comentários:
Enviar um comentário