Revoltosos no 5 de Outubro de 1910 com a Bandeira da Carbonária.
Divulgamos pelo seu interesse esta palestra de Carlos Brito.
Os 104 anos do 5 de Outubro
no 40ª aniversário do 25 de Abril *
Senhoras, Senhores
Caros amigos
Sou de um tempo em que o 5 de
Outubro era uma jornada de luta. Era o tempo da ditadura fascista., das
liberdades sufocadas, especialmente, os direitos de reunião e de manifestação.
O aniversário da Revolução
que derrubou a monarquia, em 1910, era pretexto para a resistência democrática tentar
impor esses direitos a coberto de «inofensivas» romagens de saudades aos
túmulos e às estátuas dos grandes vultos do regime republicano.
No entanto, a PIDE e as
outras forças repressivas, estavam alerta como sempre, reforçavam o
policiamento e à menor tentativa de manifestação carregavam com toda a
violência sobre os manifestantes, que respondiam com gritos de «Viva a
República!», «Abaixo o fascismo!» «Queremos liberdade!».
O dia ficava marcado por cargas
de bastonada, perseguições, outras brutalidades policiais, correrias e, às
vezes, muitas prisões.
No dia seguinte, entrava
censura, os jornais nada diziam: o fascismo reprimia ferozmente e ao mesmo
tempo silenciava a repressão.
Mas esta implacável repressão
nunca conseguiu acabar com a corrente combativa representada pela comemoração
do 5 de Outubro que se aguentou, ano após ano, ao longo dos 48 da ditadura, até
entroncar no 25 de Abril.
Achei por isso muito feliz a
iniciativa da Liga dos Amigos do Mestre Manuel Cabanas, bem à altura do
republicanismo do seu patrono, esta de promover uma comemoração dos 104 anos do
5 de Outubro no 40º aniversário do 25 de Abril. E assim, aceitei com todo o
gosto o convite que foi me feito pelo Dr. Caldeira Romão para me associar a
esta comemoração, que vivamente saúdo.
A ditadura odiava,
naturalmente, o 5 de Outubro, mas o seu simbolismo patriótico é tão forte que
nunca se atreveu a acabar com o feriado na data histórica da implantação da
República em Portugal.
Foi preciso chegarmos a 2012 para
que actual Governo, desprovido de sentido republicano, sob a pressão dos
credores estrangeiros, através da «troica», invocando pueris argumentos
economicista e o alegado excesso de feriados, ousasse decretar a suspensão do feriado
que assinalava esta data histórica.
Sou dos que não me conformo! As
palavras que se seguem representam, a este propósito, indignação, protesto e
reclamação.
O 5 de Outubro pelo longo
período de propaganda patriótica e republicana que o precedeu, pelo regime
democrático que instaurou –a 1ª República – pelo papel de resistência à
ditadura que constituiu, tem um
simbolismo muito especial na nossa história: representa o entranhamento do apego à liberdade na consciência
nacional.
O
acto revolucionário que ocorreu nos dias 4 e 5 de Outubro de 1910, não teve expressão
comparável com a das tropas sublevadas em movimentação por todo o país, como
aconteceu no 25 de Abril. Foi circunscrito a Lisboa, mais precisamente à Rotunda,
que depois se chamou de Marquês de Pombal, onde se concentraram os revoltosos,
civis e militares, dispostos a tudo para derrubar a monarquia. Tinham o apoio
de algumas unidades do exército, do quartel dos marinheiros e a intervenção
activa de alguns navios da Armada, surtos no Tejo. As poucas forças armadas que
se manifestaram fiéis à monarquia, depois de algumas tentativas inconsistentes
de ataque aos revolucionários da Rotunda, reconheceram que não tinham força
para os enfrentar e renderam-se ao segundo dia. A Revolução triunfou. Foi então
proclamada a implantação da República, pelos líderes republicanos, das janelas da
Câmara Municipal de Lisboa. No resto do país, a República foi implantada por
telégrafo, como se dizia então, sem a menor resistência ou oposição, de tal
maneira a monarquia estava moribunda e o heroísmo dos
republicanos
revoltosos interpretava a vontade nacional.
Duas
décadas antes, o movimento republicano tinha crescido exponencialmente e ganho
raízes no país nas grandes lutas contra a vergonhosa rendição da monarquia ao
Ultimato inglês sobre as colónias. Nasceu então a Portuguesa tornado Hino Nacional depois do 5 de Outubro e até hoje.
Na sua letra original dizia:
Às armas! Ás armas!
Sobre a terra sobre o mar.
Às armas! Ás armas!
Contra os bretões
Marchar, marchar.
Os bretões eram, é claro, os
ingleses, o que foi substituído por canhões ao tornar-se o Hino Nacional.
Com este mesmo espírito, os
propagandistas identificavam a República com a Pátria.
O poeta Guerra Junqueiro
proclamava:
«Republicano e patriota
tornaram-se sinónimos. Hoje quem diz pátria, diz república. Não uma república
doutrinária, estupidamente jacobina, mas uma república larga, franca, nacional,
onde caibam todos.»
O Professor Teófilo Braga, que veio a ser o
chefe do Governo provisório saído do 5 de Outubro, sustentava então que a
República seria o «chamamento geral do povo a uma intervenção imediata, eficaz,
constante, na direcção dos seus destinos»
O filósofo, Sampaio Bruno,
asseverava:
«A República é sobretudo uma
regeneração moral.»
O novo regime procurou
corresponder aos votos dos seus teóricos. Há um consenso entre os historiadores
de que a primeira grande inovação que a República de 1910 trouxe aos
portugueses foi «a restauração da moralidade»
A monarquia tinha-se afundado,
nos últimos anos, em sucessivos escândalos financeiros, a promiscuidade entre a
política e os negócios tinha chegado e envolvido a própria casa real.
A governação republicana foi
generosa para os adversários políticos derrotados, mas foi implacável contra a
corrupção, os negócios sujos apoiados pelo Estado, o favoritismo e o compadrio
em matéria financeira.
A sua orientação e prática
pautaram-se pelo rigor e a transparência na gestão dos dinheiros públicos.
Seria impensável que um ministro da República pudesse dizer «Não me lembro!», tratando-se de contas
que tivessem implicação com Estado.
O activista republicano era
formado na sobriedade de vida, na honradez e no absoluto respeito pela palavra
dada. Ainda conheci um ex-governante da República de quem se dizia: «A sua
palavra vale mais do que um assento no notário.» É, também, sempre recordado o
exemplo do Presidente da República, Bernardino Machado, que se deslocava de transporte
público, de eléctrico, nas idas e vindas ao palácio de Belém.
Acho que estes exemplos
revestem uma grande actualidade.
O legado da República
compreende a realização de grandes reformas democráticas em domínio essenciais,
como: a educação e o ensino - a sua maior prioridade - o municipalismo, a
emancipação da mulher, a democratização e secularização da vida pública, o exército
de milicianos - e. a par delas, a exaltação do patriotismo.
Este último funcionava de tal
maneira no plano político e diplomático, que Lenine caracterizou o Portugal,
desse tampo, como «um país economicamente dependente, mas politicamente
independente».
A obra da Republica foi, no
entanto, bastante limitada pela sua curta duração, apenas 16 anos, para mais
entrecortados por duas ditaduras - Pimenta de Castro e Sidónio Pais – e pela
participação do país na Grande Guerra .
A sua base revestia, também,
a fragilidade de nunca ter intentado a transformação das estruturas
socio-económicas em que assentava e continuou a assentar o poder da reacção, ao
contrário do que se fez no seguimento do 25 de Abril de 1974.
Além disso cometeu graves erros
de orientação que a enfraqueceram e apressaram a sua queda.
Refiro dois.
Primeiro, o fanático anticlericalismo
dominante nas hostes republicanas que facilitou que as oposições - monárquica,
nacionalista e reaccionária - se pudessem unir e fizessem da religião o eixo do
ataque à sua base de apoio
e mais tarde um ponte básico
da plataforma para o golpe de Estado do 28 de Maio.
Secundo, mas não menos
importante, as más relações que a República sempre manteve com o movimento
operário, onde o anarco-sindicalismo tinha grande influência. O divórcio começou
com a reacção violenta das organizações sectárias republicanas, como a Carbonária,
às primeiras greves operárias após a implantação da República e se manteve ao
longo de grande parte da vida do regime republicano.
A situação só se veio a
alterar significativamente pelo final da primeira metade dos anos XX, do século
passado, com o governo de José Domingos dos Santos.
Este líder da ala esquerda do
PRP ao ser empossado pelo Presidente da República, o algarvio Manuel Teixeira Gomes, como
Presidente do Ministério (isto é primeiro-ministro) anunciou que o objectivo do
seu governo era «realizar uma política para todos e não apenas para uma
determinada casta». Em conformidade, iniciou uma acção governativa com medidas
favoráveis à pequena burguesia e aos trabalhadores e de firmeza perante o
negocismo, os bancos e as organizações patronais. Rapidamente recebeu aplausos da
imprensa operária, dos sindicatos e das organizações políticas dos trabalhadores,
incluindo do recém formado Partido Comunista Português, que organizaram uma
grande manifestação popular de apoio ao governo,. A GNR, influenciada pelo
patronato, atreveu-se a reprimir violentamente esta manifestação. O Primeiro
Ministro, caso nunca visto na nossa história, tomou o partido dos trabalhadores
contra as forças repressivas. Declarou no Parlamento: «O governo da República
coloca-se abertamente do lado dos explorados, contra os exploradores. Não
consinto que a força pública seja para fuzilar o povo.»
Era um sinal de novos tempos.
Mas o tempo da 1ª República escoava-se rapidamente.
A11 de Dezembro de 1925, Manuel Teixeira Gomes
demitia-se da Presidência da República como protesto contra a divisão, os
conflitos internos e falta de respeito pelos compromissos que reinavam nas
hostes republicanas, enquanto a conspiração reaccionária, civil e militar,
avançava, já sob o comando do grande capital, para a tomada do poder.
A 28 de Maio de 1926 foi o
golpe militar que instaurou a ditadura militar que seguidamente deu lugar à
ditadura fascista.
Depois começou a resistência
antifascista, que teve o primeiro acto significativo no levantamento armado de
8 de Fevereiro de 1927, em que Manuel Cabanas teve participação activa e que
originou tanto a sua primeira prisão, como o início do seu longo combate contra
a ditadura, que a sua intensa vida de artista e homem de cultura, nunca
descurou
Em homenagem à sua memória, termino
esta comunicação lembrando palavras que nos deixou, impregnadas de generosidade
e de espírito republicano.
São as seguintes:
«Desde muito jovem que
entendo que o homem moderno não pertence a si mesmo. Tem de se dar aos outros.
Este dar significa ajudá-los a contribuir para dias melhores, a partilhar um
pouco da sua felicidade.»
Carlos Brito
* Comunicação apresentada na
sessão comemorativa do 5 de Outubro, organizada pela Liga de Amigos do Mestre
Manuel Cabanas, realizada em 5 de Outubro de 2014, em Vila Real de stº
António.