O
MEU 5 DE OUTUBRO
Hoje, 5 de Outubro, veio-me à
memória os meus 5 de Outubro do final dos anos 50, e os dos anos 60 e 70. Já
têm mais de meio século os mais antigos que recordo. Íamos para o confronto,
para a estátua do António José de Almeida ou para o cemitério do Alto de Sº
João, não para comemorar o passado mas para regressar ao futuro, interrompido
pelo fascismo. Formalmente continuava-mos em regime republicano, mas não se
podia comemorar a data nem os valores republicanos, e tudo acabava em
correrias, PIDE e polícia de choque, gritos pela liberdade, cacetadas, prisões.
Hoje, dia 5 de Outubro sinto-me
regressado ao passado, sem feriado, com o futuro novamente roubado. Não era
isto com que sonhamos, não era isto que queríamos, aspirava-se a uma sociedade
mais humana, mais justa, mais fraterna e solidária.
Hoje o mercado e a ideologia que
o suporta está em andamento acelerado, tudo quer, de tudo se vai apoderando,
tudo se vai privatizando. Corpos, consciências e almas. A energia, a água, os
transportes, a saúde, a educação, a justiça, a técnica e a ciência, os órgãos
de comunicação, as comunicações, a banca, os seguros, a arte e a cultura, o
desporto. A pesca, a indústria e a agricultura. Os feriados e dias festivos. As
praias, as florestas, os rios, o mar. Tudo na esfera da sociedade e da vida
está em transição do público para o privado. Tudo é ou será mercado. Só
sobrevirá o que der lucro. O único mercado que será suprimido será o mercado do
trabalho.
O olhar distraído ou
propositadamente desfocado da esmagadora maioria dos cidadãos não se dá conta
de que já hoje é assim. Os governos na esmagadora maioria não passam do boneco
do ventríloquo, os gestos e a voz são manipulados pela finança. Depois da
terceira via e do desastre soviético a ideologia, esse empecilho, foi profundamente atingida e posta em causa.
Os partidos do chamado "arco do poder" são cópias uns dos outros em
todo o lado. Ainda são úteis os outros pequenos partidos contestatários,
remetidos para o "arco do protesto" para dar aparência democrática à
ditadura do capital. Sabem que não se unirão, pelo contrário irão dividir-se
perpetuamente até à sua completa inutilidade.
Entretanto renascem as hordas
fascistas pela UE e já penetram no "arco do poder". E em futuro se
calhar não longínquo, os partidos serão considerados desnecessários e serão
formados governos "tecnocratas" de "sábios" para tomarem
conta, como capatazes, de grandes áreas do Mundo. Já tivemos recentemente uma
curta experiência.
As nações já são um obstáculo ao
mercado, que se quer cada vez mais desregulamentado e sem entraves. Repare-se
nas negociações entre a UE e os EUA no momento para um acordo transatlântico,
do qual pouco ou nada se sabe, mas transpirou que um dos pontos propostos seria
a criação de tribunais internacionais privados para julgarem conflitos de
interesses entre os estados e as multinacionais.
A ONU acabará dado que se as
nações já não existem ou não têm poder não se justificando gastar dinheiro com coisas decorativas sem sentido.
Cada vez mais as polícias e as
forças militares estão a ser privatizadas. Alguns exércitos não passam hoje de
forças pagas pelos dinheiros públicos para servirem interesses privados e
indústrias de armamento.
As religiões privadas crescem em
número e fiéis e competem com as tradicionais. Um dia poderá instalar-se em
Roma um papa ou um "ái-a-tola" de uma qualquer seita nomeado por um
conselho de multinacionais. Isto da religião é uma coisa muito séria para deixar
andar os deuses à solta.
Dentro do privado irão
agudizar-se conflitos entre os pequenos proprietários e os grandes grupos
económicos. Até há quem diga que é um absurdo as pessoas serem proprietárias
das casas onde vivem. Deveriam serem todas entregues a grupos económicos, e
pagarem uma renda pela casa de que hoje são proprietários. Mais, nas futuras
construções deveria ser proibido construírem cozinhas, e todos deveriam tomar
as refeições em grandes restaurantes e cantinas privadas construídas para o
efeito.
Alto!, o melhor será ficar por
aqui. Uns rirão do que foi escrito, outros acharão que estou a exagerar e sou
ultra pessimista. Oxalá me engane. Na televisão neste momento está a tocar a
Nona Sinfonia do Beethoven para fazer publicidade a uma marca de bolachas. A
cultura ao serviço do mercado.
Agora vou a uma sessão evocativa
do 5 de Outubro, por curiosidade. Por amizade a quem lá vai, para ajudar a
fazer número. Seguramente seremos os do costume, quem mais iria? A anestesia é
forte. Não uma sessão oficial, mas iniciativa de uma associação. Oficial começa
a ser perigoso, não vá alguém perguntar se isto ainda é uma República.
MC
Sem comentários:
Enviar um comentário