Estamos na ponta final do período eleitoral mais negro e perigoso da nossa Democracia. Caso ganhe a coligação de direita vai continuar a política de austeridade acompanhada do aumento da pobreza e da diminuição do papel do Estado na saúde, nas reformas e nos apoios sociais.
Desejando ardentemente que perca e bem, não basta derrotar este desgraçado governo, é necessário uma alternativa que só pode ser obtida através de um entendimento das forças democráticas. Este é o problema central, caso não se entendam teremos governos fracos e de curta duração.
Os dois textos que se divulgam ajudam melhor a perceber o que está em jogo, e são mais instrutivos que os debates ideológicos e políticos com linguagem de pau que muitos não percebem.
Pessoalmente vou votar Livre/tempo de Avançar, a única coligação que à partida afirma que quer na AR desbloquear a incompreensível teimosia e falta de diálogo das forças democráticas. Não é com ódios velhos que resolvemos os problemas actuais. Precisamos de nova mentalidade e responsabilidade. Primeiro o país e os portugueses.
Opinião
A pobreza, os pobres, as políticas governamentais e as
promessas eleitorais
Maria José
Casa-Nova
01/10/2015
Vejo pobres diariamente como não via
desde a minha infância.
Por razões
profissionais, desloco-me com alguma regularidade a Lisboa. Numa das últimas
viagens, à chegada a Santa Apolónia, com o tempo à justa para a reunião de
trabalho que me esperava, almocei num pequeno restaurante existente na estação.
No final da refeição engolida
rapidamente e sem tempo para a terminar, levantei-me para pousar o tabuleiro.
Nesse momento, um senhor aproximou-se e, de forma muito delicada, perguntou:
“Desculpe, não vai comer mais? Posso ficar com o tabuleiro?” Não interessa como
reagi, mas a indignação que senti. Vejo pobres diariamente como não via desde a
minha infância. Uma pobreza mais ou menos camuflada, mais ou menos
envergonhada, mais ou menos flagrante, mas ver procurar alimento nos caixotes
do lixo ou ver pedir os restos dos alimentos de outros, gela-me o corpo e a
alma, embarga-me a garganta, rasa-me os olhos, faz doer todas as terminações
nervosas do corpo.
Nos últimos anos vimos crescer o número
de pobres e a pobreza (ver artigo meu e de outros colegas no Público de
09/06/2015, “Infâncias pobres e pobreza em Portugal como escolha política”); vimos
crescer assustadoramente as lojas sociais e as cantinas sociais. Olho-as com o
olhar de socióloga socialmente comprometida. O seu significado faz-me pensar no
país em que nos tornamos: crescimento exponencial do desemprego e consequente
crescimento exponencial da emigração (dos menos e dos mais qualificados).
Ouvimos governantes referir que é preciso “sair da zona de conforto” e emigrar
como se algum conforto houvesse nas situações em que a diferença entre emigrar
ou permanecer é do tamanho da incomensurabilidade entre morrer devagar ou
(sobre)viver no sofrimento do abandono familiar, da solidão, da dor de ver o
seu país retroceder na humanização da sua sociedade. Vimos o fecho de
hospitais, o despedimento de profissionais de saúde, o despedimento de professores,
o despedimento de trabalhadores no sector privado; vimos a descapitalização da
segurança social; vimos a privatização de sectores-chave da nossa economia,
cujo montante arrecadado foi sorvido pelos custos dos escândalos financeiros do
BPN e do BES e não na melhoria das condições de vida das portuguesas e dos
portugueses. Vimos o nosso (ainda não sustentado) Estado Social transformar-se
num Estado assistencialista; os Direitos Sociais transformados em caridade, em
benevolência estatal, as reformas cortadas, o Rendimento Social de Inserção um
luxo e não uma segurança de limiar mínimo de sobrevivência física. E hoje,
atónita, vejo o ainda governo referir que “a próxima legislatura será
obviamente social” (Paulo Portas, Jornal I, 29/07/2015) e o Primeiro Ministro,
Passos Coelho referir, na apresentação do programa da coligação PSD/CDS-PP, que
“Poderemos nos próximos quatro anos levar mais longe a aposta na Educação, a
aposta na Saúde, a aposta no social. Nos próximos quatro anos poderemos
devolver mais Estado Social, mais liberdade de escolha, afirmando uma política
segura” (Jornal I, 29/07/2015). Estaremos a falar das mesmas pessoas que
destruíram o excelente Serviço Nacional de Saúde que Portugal tinha, que
transformaram o Estado Social em Estado Assistencialista, que destruíram o
Estado Social? A resposta é SIM; estamos a falar das mesmas pessoas, que hoje
agem querendo branquear as suas políticas; que hoje agem como se tivessem sido
outros a empobrecer Portugal e os portugueses, a fazer definhar a sua economia;
a fazer com que haja portugueses que aceitam trabalhar por 300 euros mensais. A
fazer com que jovens de classes de menor estatuto social que, possuindo uma
licenciatura e um mestrado tirados na expectativa de um futuro melhor do que o
dos seus pais, não conseguem trabalho não qualificado por excesso de
habilitações académicas ou têm de mentir para conseguir emprego nas caixas dos
hipermercados, permanecendo assim na sua condição social de origem, sem
qualquer possibilidade de mobilidade social ascendente.
Mentem. Mentem como sempre mentiram,
desde o tempo em que eram oposição e depois se tornaram governo (ver artigo
meu, no PÚBLICO de 08/09/2013, “Pilares da democracia e prática política
actual em Portugal”). ENGANAM os portugueses, tratando-os, não como cidadãos,
mas como súbditos (de sub-dito), menores (de inferiores) sem capacidades ou
competências para saber distinguir a verdade da mentira.
Estes senhores deviam ser
responsabilizados e penalizados por enganar os portugueses e empobrecer intencionalmente
o país, indo pra além da Troika, como tantas vezes referiram. Esperemos
que os portugueses e as portuguesas o façam, votando no próximo Domingo, por um
Portugal com futuro, por um povo com dignidade.
Professora universitária, coordenadora
do Núcleo de Educação para os Direitos Humanos, Universidade do Minho, membro
do núcleo fundador do Manifesto para um Mundo Melhor (manifesto internacional
de cientistas sociais). mjcasanova@ie.uminho.pt
Opinião
Portugal é um país mais à esquerda ou mais à direita?
Boaventura
Sousa Santos
01/10/2015
"Não conheço outro país na Europa
onde os jornais de referência dêem tanto espaços a comentadores de
direita".
Convém começar por
definir o que é ser esquerda. Numa concepção minimalista, esquerda é toda a
posição política que promove todos (ou a grande maioria dos) seguintes
objectivos: luta contra a desigualdade e a discriminação sociais, por via de
uma articulação virtuosa entre o valor da liberdade e o valor da igualdade
plasmada no equilíbrio entre os direitos civis e políticos e os direitos
sociais, económicos e culturais; defesa forte do pluralismo, tanto nos media
como na economia, na educação e na cultura; democratização do Estado por
via de valores republicanos, participação cidadã e independência das
instituições, em especial, do sistema judicial; luta pela memória e pela
reparação dos que sofreram (e sofrem) formas violentas de opressão; defesa de
uma concepção forte de opinião pública, que expresse de modo equilibrado a
diversidade de opiniões; defesa da soberania nacional e da soberania nacional
de outros países; resolução pacífica dos conflitos internos e internacionais.
Ser de direita é ser contra todos ou a grande maioria destes objectivos.
A expressão o “país” usada na pergunta é
ambígua neste contexto. Se o país for o conjunto dos portugueses é difícil
responder, pois os inquéritos à opinião nunca incidiram sobre todos os
objectivos. Se o “país” for a opinião publicada nos meios de comunicação
principais, Portugal é de direita. Excluindo os países que foram parte do bloco
soviético, não conheço outro país na Europa onde os jornais de referência dêem
tanto espaço (comentários regulares, últimas páginas) a comentadores de
direita. Chega ser escandaloso pelo estilo trauliteiro da direita que tem voz
privilegiada. Se o “país” forem os portugueses que votam nas eleições, então o
pais é inequivoca e consistentemente de esquerda, se considerarmos que os partidos
de esquerda são o PS, PCP, BE e agora o Livre e outros pequenos partidos que se
consideram de esquerda radical. Ao longo dos anos, este conjunto tem sido quase
sempre o preferido dos portugueses.
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