o voto inútil
06/10/2015
Um em cada quatro portugueses que
votaram PSD ou CDS em 2011 fugiu agora do voto à direita.
A coligação de direita PaF ganhou as
eleições. Contra toda a razoabilidade, mas como as sondagens previam. Ganhou as
eleições, mas perdeu. Perdeu a maioria absoluta. Perdeu cerca de 12% pontos
percentuais. Perdeu mais de 730.000 votos. Perdeu 22 ou 23 deputados.
Se olharmos para estas perdas, a leitura
é evidente, independentemente dos gostos políticos. Há menos pessoas hoje a
querer um governo da direita do que havia em 2011. Um número muito elevado de
portugueses que votaram PSD ou CDS em 2011 (um em cada quatro), fugiu agora do
voto à direita, o que significa uma condenação da governação do PSD-CDS e uma
condenação das políticas de austeridade. A base de apoio da direita encolheu.
O PS perdeu as eleições. Perdeu porque
não ultrapassou o PaF. Perdeu porque fez um programa de direita light, sem
alma, sem convicção, sem visão e sem coragem. Perdeu, mas ganhou. Ganhou mais
de quatro pontos percentuais. Ganhou mais de 180.000 votantes. Ganhou 13 ou 14
deputados. A base de apoio do PS cresceu. Quanto a António Costa, perdeu sem
ganhar nada. Perdeu porque não conseguiu melhor, em termos numéricos, que a
vitória poucochinha de António José Seguro nas europeias - que, foi, apesar de
tudo, uma vitória.
Mas é claro que estes números não dizem
tudo por si só. A coligação PSD-CDS ganhou porque continua a ser a formação
partidária com mais votos. O PS perdeu porque não conseguiu ultrapassar o PaF e
perdeu porque nem sequer captou todos os votantes que abandonaram o PSD-CDS.
Ou, se os captou pela direita, perdeu a maioria deles pela esquerda.
O Bloco de Esquerda ganhou. Foi o único
que ganhou mesmo. Quase duplicou a sua votação em número de votos (288.206 para
549.153) e em percentagem (5,19% para 10,22%) e obteve um recorde em número de
deputados: 19 em vez dos 8 que tinha e mais que os 16 que eram a sua marca
máxima.
A CDU também ganhou. Ganhou porque
aumentou a sua percentagem de votantes (7,94% para 8,27%). Ganhou porque
conquistou 3.400 novos votantes. Ganhou mas perdeu. Perdeu porque foi
ultrapassado pelo BE. Perdeu porque, dos mais de 260.000 votantes que se
deslocaram nesta eleição para a esquerda do espectro parlamentar, apenas captou
aqueles escassos 3.400.
O CDS ganhou. Ganhou porque faz parte do
PaF, que ganhou. Mas como o PaF nem sequer conseguiu o mesmo número de votos
que o PSD sozinho nas últimas eleições (teve menos uns 167.000), fica a
suspeita de que o CDS possa ter perdido. Talvez tenha até desaparecido.
O PAN ganhou porque elegeu um deputado.
O Livre/Tempo de Avançar perdeu porque não elegeu nenhum.
A direita ganhou porque o
partido/coligação mais votado é de direita e porque vai formar governo. Mas
perdeu porque os cidadãos deram à esquerda quase o dobro de votos que deram à
direita e porque o governo de direita viverá numa instabilidade constante
devido à falta de apoio parlamentar.
A esquerda ganhou porque teve quase duas
vezes mais votos que a direita. Mas perdeu porque não se consegue entender para
formar governo, nem sequer para concretizar uma actividade legislativa
consequente.
A direita ganhou porque a esquerda não a
irá derrubar com medo de que o PSD e o CDS se vitimizem e consigam uma maioria
absoluta em eleições antecipadas. A esquerda ganhou porque vai ter o governo a
comer da sua mão no Parlamento.
Quanto aos partidos, é isto.
Quanto aos cidadãos, é diferente. Os
cidadãos votaram maioritariamente contra a política de austeridade mas vão
continuar a ter um governo neoliberal austeritário. Perderam. O seu voto foi
inútil.
Os cidadãos votaram maioritariamente à
esquerda, mas não vão ter um governo de esquerda porque as organizações de
esquerda não conseguem construir uma plataforma comum elementar que reúna o PS
com os partidos à sua esquerda. Perderam. O seu voto foi inútil.
Os cidadãos que votaram no PS, por
convicção ou “voto útil”, todos decididos a impedir a vitória da direita, vão
ver o PS a viabilizar, “violentamente” ou não, o governo PSD-CDS. António Costa
fez, na própria noite das eleições, a lista das suas moderadas exigências para
deixar passar o governo de direita e Fernando Medina repetiu o discurso ontem
nas comemorações do 5 de Outubro. Costa não vai fazer coligações negativas que
tragam instabilidade. Os votantes no PS perderam. O seu voto foi inútil.
Como foi inútil o voto dos 43% que se
abstiveram e a quem se pode aplicar a citação de Einstein sobre os militares:
por que razão têm estas pessoas um cérebro, quando uma simples medula espinal
seria suficiente para as suas necessidades?
A principal conclusão destas eleições é
esta: não há voto mais inútil do que o “voto útil” porque ele irá trair a
vontade dos eleitores na primeira oportunidade.
Os portugueses vão continuar a
empobrecer, com a excepção dos cinco por cento de cima. O nosso património
colectivo vai continuar a ser dilapidado e oferecido a baixo preço aos amigos
dos cinco por cento. Os serviços públicos vão continuar a degradar-se e a ser
privatizados. Passos e Portas vão continuar a dobrar a espinha perante os
diktats estrangeiros.
jvmalheiros@gmail.com
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