Faz hoje uma semana que se realizaram as
eleições para a Presidência da República. O resultado foi o mais ou menos
esperado, ganhava o Marcelo, a dúvida era se haveria ou não segunda volta.
O resultado do monárquico Marcelo
ex-presidente da Fundação da Casa de Bragança, 52%, não esmagou, foi quase à tangente e
provou que a segunda volta era possível, não uma miragem, era realizável.
O vencedor beneficiou da popularidade de
mais de uma década de presença constante na televisão. Fingiu que nada tinha a
ver com o PSD e o CDS, meteu os ditos em casa , fechou-lhes a porta e nem
sequer os quis à janela.
A causa principal da derrota dos outros
foi a queda a pique do candidato do PCP e a divisão do PS que ficou paralisado
e paralítico. Os anos passam e não aprendem, os erros repetem-se. Já os romanos
diziam "um por todos e todos por um" ou, mais popularmente : a união
faz a força!
A concorrência entre si desanima, a
abstenção aumenta, a direita agradece.
As lutas partidárias à esquerda numa eleição
presidencial são absurdas, usadas para "segurar?" eleitorado, ou para
ver quem é o mais forte, tem como resultado o efeito contrário, enfraquece a
esquerda no seu conjunto e lixam os eleitores a quem parece quererem ajudar.
O Bloco subiu, o PCP desceu, e depois?,
- ganhou o Marcelo.
As eleições puseram a nu uma sociedade
civil fraca, não participante, descrente, que mesmo nos assuntos mais
importantes para a sua vida olha sentada e não se mexe.
A propósito junto um artigo que, de
outro ponto de vista, e visto de fora, ajuda a que nos olhemos no espelho e a não gostarmos do que vemos.
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O que queremos ser?
Paulo J.
Ferreira
28/01/2016
Portugal tem coragem, força de espírito, tolerância e capacidade para
inovar. Então, porque não fomentar a mudança de forma a que os portugueses
sintam as suas aspirações realizadas?
Em Portugal, a importância dos padrões
culturais no desenvolvimento económico é quase sempre ignorada. A ideia mais
corrente é que desde que existam recursos naturais, pessoal qualificado e
capacidade técnica, as organizações brotam, o capital floresce, a economia acelera.
Contudo, nas democracias modernas, o desenvolvimento da economia depende da
capacidade de organização das instituições, a qual depende da forma como os
cidadãos se associam em comunidade. Quando a noção de comunidade é frágil, o
grau de organização das instituições é precário, a economia vacila, o progresso
é contido.
Neste contexto, o acanhado desempenho
económico de Portugal pode ser explicado em grande parte pela incapacidade de
nós portugueses agirmos para o bem comum ou para qualquer fim que transcenda o
imediato interesse individual ou da família.
Neste contexto, o acanhado desempenho económico de Portugal pode ser
explicado em grande parte pela incapacidade de nós portugueses agirmos para o
bem comum ou para qualquer fim que transcenda o imediato interesse individual
ou da família.
É comum argumentar que as causas da posição económica de Portugal no mundo
(em 2013 ocupava o lugar n.° 42 no ranking mundial e o último lugar entre os
países da Europa Ocidental, relativamente ao PIB/per capita) tem
origens na ditadura de 48 anos. Em geral, esta teoria tem o seu elemento de
verdade, mas não é suficiente para explicar as razões do contido
desenvolvimento de Portugal. Senão vejamos!
Salazar promoveu o analfabetismo e a ignorância, para além de ter deixado na
população um sentimento de desconfiança relativo à autoridade. No entanto, o
analfabetismo não consegue explicar porque o aumento significativo do nível de
instrução dos portugueses nas últimas décadas não trouxe um desenvolvimento
económico correspondente. Note-se que em 1960 o índice de analfabetismo em
Portugal situava-se na casa dos 40%, ao passo que em 2000 o valor era apenas de
7,6%. Paralelamente, o crescimento anual do PIB em Portugal cifrava-se em cerca
de 6,4% na década de 60, em contraste com os 2-3% na década de 90 e cerca de
0,7% na década de 2000. Por outro lado, o fenómeno da desconfiança na
autoridade provocado pela ditadura não consegue igualmente explicar a resposta
a um recente inquérito realizado pela UE, no qual 70% dos portugueses declaram
que esperam que o Governo resolva os seus problemas (por sinal a percentagem
mais elevada dos países da comunidade).
Voltemos portanto a uma das razões primárias que explicam o modesto
desenvolvimento económico de Portugal. Muito simplesmente, traduz-se no
seguinte conceito, que se verifica em muitos meios: “A não ser que se retire, a
curto prazo, proveito individual ou para a família, não faz sentido contribuir
para o bem da comunidade. Assuma-se que todos fazem o mesmo.” Este
comportamento “clã” rege o quotidiano de muitos cidadãos. Convém então
perguntar: onde se reflectem na vida portuguesa as consequências desta postura?
Em primeiro lugar, muitos dos cidadãos não querem assumir responsabilidade
pelas matérias de ordem pública. Fazem-se diagnósticos atrás de diagnósticos.
Discute-se muito mas ninguém actua. Os problemas são passados de mão em mão.
Por isso vemos as fachadas de prédios degradarem-se. Por isso se estaciona onde
é proibido.
Verificamos também que a população civil não avalia nem quer avaliar os
detentores de cargos públicos. De facto, considera que é um trabalho para quem
está na administração pública. Situações como o mau desempenho das funções ou
conhecidas irregularidades por parte de um membro da administração pública são
consideradas pela população civil fora do domínio da sua intervenção.
Em terceiro lugar, a capacidade de organização das instituições é difícil
de atingir e manter. Não se identificando com os objectivos das instituições,
os seus colaboradores não se esforçam mais do que o necessário para manterem os
seus lugares ou para serem promovidos. Estabelece-se um sentimento de “falta de
missão”. É o caso das instituições públicas portuguesas onde a progressão na
carreira é condicionada pela abertura de vagas e onde o sistema de salários
está tabelado.
Adicionalmente, é comum constatar a indiferença dos cidadãos perante as
leis existentes se não existir um sistema eficaz de penalização. É a
valorização da lei falada relativamente à lei escrita. A evasão fiscal, a
condução perigosa, são assim assumidos como procedimentos normais. A ideia de
“se não for um cidadão a aproveitar-se do sistema, outro o fará” é
predominante.
Finalmente, os cidadãos valorizam os ganhos acumulados pela comunidade,
apenas quando participam desse ganho. De facto, estas mesmas pessoas assumirão
uma posição antagónica desde que não partilhem o proveito. Por isso é difícil
convencer os inquilinos do rés-do-chão a contribuir para os custos de
manutenção do elevador que não utilizam. Por isso os partidos da oposição
raramente reconhecem o partido do governo pela implementação de políticas
bem-sucedidas.
Esta série de comportamentos tem, portanto, um profundo impacto no
desenvolvimento económico de Portugal e não vai ser alterado apenas pelo
crescimento dos índices de instrução. Porque não? Vejamos!
A um primeiro nível, a atitude “clã” tem a ver com o medo subconsciente do
futuro e com a preocupação das possíveis calamidades da vida. Isto porque a
população portuguesa não acredita, pois conhece poucos exemplos, que o trabalho
ou o esforço originam sucesso. Está sedimentada a ideia de que as condições
importantes para atingir o sucesso estão fora de controlo. Neste contexto, o
sucesso passa a ser fruto de contactos pessoais, do acaso, do divino. Como
consequência, para viver com regalias, a postura “clã” faz tudo que pode para
se proteger e proteger a família. Considera qualquer pessoa fora do seu círculo
como um competidor.
A um nível mais profundo, a atitude “clã” está relacionada com a forma como
nós portugueses somos educados. Na generalidade, a educação das crianças
apoia-se num regime de castigos que penalizam os comportamentos negativos, e
não premiando e fomentando os comportamentos positivos. Isto significa que em
Portugal se sobrevalorizam os erros aos sucessos. Por isso, as críticas, mesmo
construtivas, não são bem aceites pela população. Esta forma de educar retira
confiança pessoal. Por isso há uma aversão ao risco na sociedade portuguesa.
Por isso o risco é penalizado severamente (veja-se o caso das situações de
bancarrota).
Indubitavelmente, a alteração da postura “clã” não vai ser iniciada
deliberadamente pela população portuguesa. É precisamente a dificuldade em
actuar concertadamente em prol do bem comum que é o problema. Então como
fomentar a mudança?
Em primeiro lugar, é importante desenvolver programas educacionais de forma
a incutir na população portuguesa, em especial nas camadas jovens, confiança
pessoal. Premeie-se o sucesso em detrimento do castigo. Adicionalmente, é
essencial a introdução de disciplinas de civismo e ética a todos os níveis de
ensino para que ajudem a promover o sentido de comunidade. Como escreveu Alex
de Tocqueville: “É necessário saber quando sacrificar alguns interesses
pessoais em favor do bem geral, para elevar toda a nação para novos níveis de
prosperidade e contentamento.”
Em segundo lugar, é necessário aumentar a responsabilização dos cidadãos,
levando-os a participar na vida nacional e não remetendo para o Governo toda a
responsabilidade. Desta forma, o cidadão, ao sentir-se autor do progresso
produzido no país, sente-se criticado se o país é criticado. O cidadão passa a
olhar a lei como obra sua e não como obra do Governo.
Que Portugal e os portugueses têm inegável potencial e valor, não restam
dúvidas. Portugal é um país independente há mais de 800 anos, enquanto países
como a Finlândia, a Itália, a Noruega, só o são há muito pouco tempo. A língua
portuguesa é a sétima língua mais falada no mundo (230 milhões de pessoas falam
o português), à frente do francês, do italiano e do alemão. Portugal
desenvolveu instrumentos sofisticados de navegação, conquistou os mares,
descobriu novas civilizações. A passagem da ditadura à democracia ocorreu sem
violência, um caso raro na história das ditaduras. Portugal possui indústrias
de calçado, têxteis, cortiça, vinho e moldes, assim como startups
criativas capazes de produzir artigos de excelente qualidade. Estes atributos
demonstram que Portugal tem coragem, força de espírito, tolerância e capacidade
para inovar. Então, porque não fomentar a mudança em Portugal de forma a que os
portugueses sintam as suas aspirações realizadas? Queremos de facto continuar a
sustentar esta postura “clã” ou queremos seguir em frente e ser o que
potencialmente podemos ser? O futuro o dirá. Mas uma coisa é certa: se não
formos nós portugueses a fazê-lo, ninguém o fará.
Professor catedrático, Universidade do Texas em Austin (EUA)