OS CAMPOS DE TÉNIS FACE AO FAROL ESTÃO AMEAÇADOS. MAIS UMA RAZÃO PARA NO DIA 1 DE OUTUBRO VOTAR BEM.
Susana Peralta A
qualidade dos governos municipais
A democracia local, tal como a
democracia ao nível do governo central, é um processo em contínua melhoria.
24 de Julho de 2017
As eleições — para qualquer nível de
governo — têm dois objectivos principais. O primeiro é escolher a alternativa
que a maioria prefere, entre as diferentes visões do mundo das cidadãs e
cidadãos. Ou seja, as eleições estão ao serviço do saudável confronto entre
diferentes ideologias do eleitorado. O segundo objectivo é promover na gestão
pública características que todos os eleitores concordam que são desejáveis:
evitar a corrupção e o desperdício, ou gerir atempadamente as catástrofes, por
exemplo. Existe uma palavra em inglês que define esta ideia — “accountability”.
A dois meses das eleições autárquicas,
antes de entrarmos na espuma dos dias de campanha, vale a pena refletir sobre
estes dois aspectos e perceber que factores são críticos para a realização dos
mesmos.
O fenómeno que pode comprometer o
primeiro objectivo é a abstenção, que aumentou de 26,2% nas eleições
autárquicas de 1979 para 47,4% nas últimas, em 2013. Este aumento da abstenção
limita a capacidade das eleições para refletir a preferência da maioria da
população. Isto acontece porque as pessoas que se abstêm são diferentes
daquelas que votam: menos educadas, com menor rendimento, mais jovens, menos
informadas sobre a atualidade. Existe, portanto, uma parte da população que não
tem as suas escolhas refletidas nos resultados eleitorais. O politólogo holandês
Arendt Lipjhart diz que esta situação tem semelhanças preocupantes com o voto
censitário que regulava o acesso ao sufrágio pelo património das pessoas. Por
essa razão, Lipjhart defende a introdução do voto obrigatório — à semelhança da
Bélgica e Austrália, por exemplo — como forma de as democracias modernas
garantirem que as eleições refletem as posições de todo o eleitorado.
No que respeita ao segundo objectivo,
existem vários trabalhos de investigação atuais que apontam para a importância
da transparência e da participação dos eleitores na promoção da accountability dos eleitos. Uma análise de municípios alemães dos economistas Benny Geys,
Friedrich Heinemann e Alexander Kalb mostra que os municípios onde existem
movimentos de cidadãos independentes conseguem fornecer serviços públicos
semelhantes a um custo inferior.
A existência de movimentos de cidadãos
tem maior impacto nos municípios que conseguem gerar mais receita com impostos
locais. Ou seja, esta investigação mostra que a autonomia local, em conjunto
com a participação das cidadãs e dos cidadãos, melhora a eficiência da gestão
pública.
Um outro exemplo é o Brasil, país em que
o Orçamento Participativo foi criado na cidade de Porto Alegre no final dos
anos 80, sendo hoje utilizado em mais de uma centena de cidades. Segundo o
Banco Mundial, a introdução do Orçamento Participativo em Porto Alegre
coincidiu com um crescimento substancial na oferta de alojamentos sociais, na
rede de saneamento básico, no número de escolas. Um estudo recente mostra que
as cidades com orçamentos participativos investem mais em saneamento básico e
cuidados de saúde. Este investimento teve como consequência uma redução da
mortalidade infantil.
Portugal tem dado alguns passos no
sentido de aumentar a participação dos eleitores na política local. Houve nos
anos recentes um aumento do número de orçamentos participativos. Estes são
utilizados em 118 cidades, incluindo Lisboa, que foi a primeira capital
europeia a adoptar o orçamento participativo, em 2008. As listas de cidadãos
têm ganho importância nas eleições autárquicas. São neste momento o quarto
movimento autárquico, atrás do PS, PSD e PCP — embora devamos ter em conta que
uma parte destes independentes são, na verdade, dissidentes de partidos com
fortes ligações aos aparelhos partidários.
Tem também havido uma melhoria da
transparência, com iniciativas governamentais como o Portal Autárquico (www.portalautarquico.pt) e não-governamentais como o Índice de Transparência Municipal (https://transparencia.pt). A imprensa local em Portugal varia bastante entre regiões, tanto em
qualidade como em tiragem. Seria interessante estudar os efeitos desta
diversidade — sabemos que, no Brasil, a existência de imprensa local diminui a
corrupção nos municípios.
A democracia local, tal como a
democracia ao nível do governo central, é um processo em contínua melhoria. Sem
dúvida que o mecanismo principal é o voto — de resto, o Prémio Nobel da
Economia Amartya Sen mostra-o claramente quando aponta a inexistência de episódios
de fome generalizada na Índia, uma democracia, contrariamente à China, um
estado autocrático. Quarenta anos depois desta conquista fundamental, não
devemos coibir-nos de continuar a refletir em maneiras de melhorar a nossa
forma de governo colectivo. A mais simples, e que tem a vantagem de depender
apenas de cada eleitora e eleitor individual, é ir votar no dia 1 de Outubro.
A autora
escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico
CIDADANIA
SOCIAL - Associação para a Intervenção e Reflexão de Políticas Sociais
Professora
na Nova School of Business and Economics