VARIANTES DE UM VÍRUS
As variações de um vírus
Conseguirão as novas variantes escapar ao nosso
sistema imunitário? A evidência científica parece indicar-nos que não. Os
coronavírus não se podem “esconder” do sistema imunitário, não se podem
camuflar e também não atacam o sistema imunitário.
Marc Veldhoen
10 de Março
de 2021
Os vírus não
têm cérebro e não têm uma “estratégia” planeada. Nem vivos estão! Os vírus são
pequenos pacotes de material genético com instruções para invadir o seu
hospedeiro e aí se multiplicarem. Um vírus não é um convidado agradável, não se
preocupa com a célula hospedeira, e muitas vezes destrói-a.
Os vírus
mudam, mas o sistema que os combates, o sistema imunitário, acompanha estas
mudanças.
O sistema
imunitário é poderoso, de longo alcance e tem a capacidade de lutar contra
todos os invasores. Tem uma missão simples: lançar um ataque contra qualquer
coisa que não seja nossa. É importante que ele guarde e memorize os detalhes
das suas vitórias. A imunidade pode ser complicada em todas as suas facetas,
mas também é cool!
Serão as variantes capazes de escapar à nossa resposta
imunitária? Isso é muito improvável.
Não
conhecíamos o SARS-CoV-2 antes de 2019, e ele não nos conhecia. Isso teve duas
implicações importantes.
Primeira: o
vírus não estava familiarizado com as nossas células.
O SARS-CoV-2
passou de um hospedeiro desconhecido para os humanos. Muitas vezes isto não
funciona. No entanto, os vírus mudam: sofrem mutações. As mutações são
aleatórias e devem-se a erros ocasionais no processamento do material genético.
Estes erros costumam ser prejudiciais ou de pouca consequência. No entanto,
ocasionalmente, uma nova variante será mais competitiva do que a original e ganhará
vantagem. Foi o que aconteceu durante este último ano. Os humanos não eram o
seu hospedeiro original e o SARS-CoV-2 adaptou-se a nós.
Segunda: o
nosso sistema imunitário não possuía uma “ficha técnica” com a descrição deste
vírus.
Apesar
disso, o sistema imunitário detecta o invasor viral e captura-o. No entanto,
sem a tal ficha técnica que permite uma memorização do invasor, este processo
leva algum tempo. O SARS-CoV-2 conseguiu, portanto, espalhar-se rapidamente por
todo o mundo, o que resultou em elevados níveis de infecção, por vezes difíceis
de controlar. Este facto, em combinação com a ausência da ficha técnica do
vírus, provocou doença grave e morte em muitos casos, particularmente naqueles
em que o sistema imunitário não respondeu de forma eficaz. A rápida
disseminação do vírus também contribuiu para uma melhor adaptação aos humanos.
Qual é então
a importância das novas variantes? Apesar de estarmos ainda a
descobrir a biologia deste vírus, o conhecimento de que dispomos mostra-nos
que algumas das variantes se podem multiplicar
mais rapidamente, passando mais facilmente de um ser humano para outro, o que
pode resultar numa carga viral maior, e numa doença mais grave. E isso não é
bom.
Mas
conseguirão estas variantes escapar ao nosso sistema
imunitário? Mais uma vez, a evidência científica parece indicar-nos que não. Os
coronavírus não se podem “esconder” do sistema imunitário, não se podem
camuflar e também não atacam o sistema imunitário (como é o caso do HIV). A
melhor “estratégia” de sobrevivência do vírus é ser o mais rápido possível,
criando o máximo de partículas virais que conseguir. As vacínas até agora aprovadas (e que nos
permitem obter o ambicionado cartão de identificação deste vírus, sem o termos
encontrado) usam uma molécula do exterior do SARS-CoV-2, a proteína spike ou
S. Esta molécula sem a qual o vírus é inofensivo é fundamental para reconhecer
as nossas células. Os anticorpos neutralizantes podem ligar-se
à região da S que, por sua vez, se liga às células, impedindo assim a entrada
do vírus e com isso a sua multiplicação.
Mas esta
proteína S não é linear – três moléculas da S são enroladas uma em torno da
outra, formando uma estrutura em 3D. Enquanto certas regiões específicas da
proteína estão envolvidas na montagem desta estrutura a 3D, outras regiões são
necessárias para a ligação do vírus às células. O que temos observado é que há
mutações específicas na proteína S que resultam numa estrutura tridimensional mais
robusta e com maior capacidade de se ligarem às células
humanas. Infelizmente, algumas destas alterações podem reduzir a ligação
dos anticorpos neutralizantes produzidos durante a vacinação. No entanto, e
mais uma vez com base no conhecimento que já temos acerca de outros
coronavírus, esperamos que após a adaptação do SARS-CoV-2 ao hospedeiro a
capacidade para mudanças rápidas da proteína S seja limitada.
Mas serão as
variantes capazes de escapar à nossa resposta imunitária? Isso é muito
improvável. A ficha técnica do vírus que se constrói depois da vacinação contém
informações detalhadas sobre toda a proteína S. Este cartão é “lido” por
muitas células diferentes, que compõem o sistema imunitário reconhecendo uma
variedade de regiões específicas da S. Se uma destas regiões se altera e deixa
de ser reconhecida, isso corresponde à perda de apenas um elemento da nossa
defesa. A redução da neutralização do vírus pode permitir que ele nos infecte,
mas a existência dos cartões de identificação irá garantir que não ficaremos
doentes. Para além disso, o sistema imunitário será muito mais rápido na sua
resposta, tendo ainda a capacidade de se adaptar e adicionar novas informações
à ficha técnica deste vírus, memorizando a(s) nova(s) variante(s) para a
próxima vez que as encontrar!
Investigador principal e ERA Chair, Instituto de Medicina Molecular
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