Opinião
Como é que se
faz reset a esta democracia?
27/05/2014 - 00:50
António José Seguro continua a ser o melhor amigo de Pedro Passos Coelho.
1. A nota mais relevante para o nosso presente e para o nosso futuro, de
Portugal e da Europa, para o futuro da democracia. Nas eleições europeias de domingo tivemos em
Portugal a mais elevada abstenção de sempre: mais de 66%. E isto num momento
histórico em que a importância da Europa no quotidiano de todos nós era
evidente e gritante. Não é uma novidade e a maior parte dos países onde o voto
não é obrigatório tem níveis de abstenção semelhantes, mas isso não torna o
problema menos importante. Pelo contrário, torna-o mais importante.
Apesar dos ocasionais lamentos de
circunstância, a maior parte dos políticos olha para este problema com
indiferença: “As pessoas podiam ir votar se quisessem. Não foram porque não quiseram.
Estão no seu direito. Não votar é uma forma tão aceitável de participar como
votar.” É a mesma atitude que tem a direita quando olha para os bairros de
lata: “As pessoas vivem neste bairros porque não se esforçam, porque não se
preocuparam em estudar e em adquirir as competências que lhes garantam um
emprego, porque não se esforçam em encontrar emprego ou em criar o seu próprio
emprego, porque não têm ambição.” Trata-se, nos dois casos, do mesmo discurso de exclusão, de
justificação da
exclusão.
Só que a democracia é o governo do
povo. Do povo todo, não apenas dos que votam. E os abstencionistas não abdicam da
sua soberania. Escolhem não a exercer neste momento, ou não a exercer desta
forma ou são impelidos de alguma forma a não a exercer. E esta soberania por
usar é um golpe no flanco da democracia por onde a sua vida se esvai.
Os abstencionistas ou escolhem ficar de fora da democracia, ou escolhem
ficar de fora desta democracia, ou são empurrados para ficar de fora desta
democracia. Qualquer uma das hipóteses representa uma bomba-relógio no coração
da democracia.
Uma das justificações benignas da abstenção é que ela representa “um voto
de protesto” contra o sistema, contra os partidos, contra a União Europeia. É uma explicação benigna, porque
pressupõe que os abstencionistas se estão a exprimir e que o seu protesto tem consequência. Simula
que também eles participam. Só que um protesto que não tem voz não é um protesto, porque nem
sequer conseguimos saber contra o que se manifesta.
Esta abstenção é apenas distanciamento, alheamento em relação a esta forma
de fazer política e de se fazer ouvir – ainda que não seja indiferença. Este alheamento da democracia
por parte da maioria esmagadora do povo não é um pormenor, porque não há democracia sem o povo.
A democracia não é uma formalidade. A realização de eleições não chega para
definir uma democracia. Uma
democracia em que a maior parte do povo não participa nas escolhas
não é uma democracia e não há peneira que consiga tapar esta evidência.
Muita desta abstenção vem de pessoas que já foram há muito excluídas do
sistema e que não têm razões para confiar na democracia. Pessoas desempregadas,
desmotivadas, desesperadas, pobres, abandonadas, sem voz. Ou de pessoas que,
simplesmente, não acreditam que seja possível escolher outra coisa, que é outra
forma de descrer da democracia.
Não há nenhum projecto mais
urgente para a democracia do que recuperar para o exercício da sua soberania as
pessoas que não fazem ouvir a sua voz.
2. O PSD-CDS perdeu as eleições, mas não perdeu como merecia. Nem como se esperaria de um governo
empenhado no aumento da pobreza, na destruição do Estado social, na pilhagem do
património do Estado, na submissão ao capital financeiro e na traição de todas
as suas promessas e deveres. A sua suave derrota faz pensar. O que seria
preciso para que os portugueses castigassem duramente um governo vende-pátrias?
3. A suave derrota do
PSD-CDS é a grande derrota do PS. Se num contexto como o actual o PS não
consegue melhor, é porque... não consegue melhor. Isto é o máximo que Seguro
consegue, numa descida íngreme, com os apparatchiki a empurrar e com o
prego a fundo. Não chega. Seguro continua a ser o melhor amigo de Passos
Coelho.
4. A CDU teve uma vitória
retumbante que não a levará a lado nenhum. A CDU fez uma boa campanha,
discutiu Portugal e a Europa, conseguiu o máximo a que podia aspirar, ajudou a
esvaziar o Bloco de Esquerda e está
no seu labirinto, sem
ninguém com quem falar. Resta-lhe esperar continuar a crescer até chegar
um dia aos 40%. A história está do seu lado, diz. Nos seus sonhos mais ousados,
onde pensará Jerónimo de Sousa que o PCP poderá estar daqui a dez anos?
4. Marinho e Pinto fez um discurso centrado na ausência de ideologia, no
combate à corrupção e ao compadrio dos partidos e ganhou. Se alguma bandeira
pareceu mobilizar os leitores nestas eleições, foi esta. Note-se.
5. O Bloco de Esquerda terá percebido que regressar à pureza ideológica da
UDP não é a melhor estratégia?
6. O Livre provou que há espaço vazio à esquerda à espera de ser ocupado.
Com meia dúzia de semanas de vida, o seu resultado, mesmo sem ter eleito nenhum
deputado, é notável.
jvmalheiros@gmail.com
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