Artigo oportuno que põe a nu os verdadeiros objectivos sociais da coligação PSD/CDS
Opinião
O programa da coligação: um Estado Social que
não combate desigualdades
Ana Rita Ferreira
06/08/2015
A coligação está a
mostrar-nos como o seu discurso é, na verdade, falacioso.
Os discursos de Pedro Passos Coelho e Paulo Portas na apresentação do
programa eleitoral da coligação levar-nos-iam a esperar que PSD e CDS
propusessem, neste documento, uma série de medidas que visassem combater as
desigualdades, de tal modo esta meta foi sublinhada pelos dois líderes nessa
ocasião.
Algumas passagens do
programa apresentado ajudariam a reforçar esta ideia: é-nos dito, logo no
início, que a coligação “Portugal à Frente” (PàF) irá ter “como preocupação
primeira o combate, sem tréguas, às desigualdades sociais” (p. 6). No entanto,
as principais medidas propostas neste mesmo manifesto eleitoral não se coadunam
com a retórica utilizada previamente, pois muitas delas, não só não irão
combater as desigualdades, como irão até contribuir para as acentuar.
A coligação propõe,
por exemplo, o plafonamento das contribuições para a Segurança Social, podendo
os trabalhadores com salários (e contribuições) mais elevados passar a
descontar o montante acima de um determinado tecto
para seguros privados
de protecção social (p. 35). Isto significa passar do actual sistema de
repartição, que assenta numa filosofia solidária e redistributiva – na medida
em que se pretende que as prestações contributivas, nomeadamente as pensões,
embora mais elevadas para quem mais descontou e vice-versa, contribuam para
diminuir o fosso remuneratório entre beneficiários – para um sistema com uma
componente de capitalização, que apenas garante prestações sociais públicas
mínimas e a manutenção, em situação de velhice, desemprego, ou outra, das
desigualdades que marcaram a vida laboral.
O PàF também sugere
que se introduzam mecanismos de “liberdade na escolha do projecto educativo”
(p. 18). Esta ideia degeneraria inevitavelmente num sistema diferenciado, com
escolas para os filhos dos mais pobres e outras para as famílias mais ricas – aquelas
que teriam recursos para garantir que os seus filhos teriam acesso a uma série
de condições que lhes permitiriam lutar pelos lugares nas “melhores escolas”. O
mesmo se verificaria com a ideia de “liberdade de escolha” no sector da saúde
(p. 41), uma vez que esta acabaria por se traduzir numa situação em que o
acesso aos serviços fica dependente dos seguros privados de saúde dos
beneficiários, os quais estão relacionados com as situações económicas
individuais. Aumenta-se a liberdade de escolha para apenas uma pequena parte da
população, mas eternizam-se desigualdades.
Até a proposta
emblemática de “aumentar as pensões mínimas, sociais e rurais” (p. 36) em nada
contribui para reduzir as desigualdades (nem sequer a pobreza). Sobre o CSI ou
o RSI, pelo contrário, nada é dito. No fundo, no programa do PàF, é-nos
apresentado um cardápio de medidas que, em vez de inverter a trajectória de
aumento das desigualdades dos últimos quatro anos, irá aumentar o fosso entre
os mais ricos e os mais pobres.
Aquilo que a coligação
nos propõe é um aprofundamento do modelo de Estado Social liberal que tem vindo
a desenvolver na última legislatura: um modelo de protecção social pública que
visa apenas garantir condições mínimas de subsistência aos indivíduos – cabendo
ao sector privado prestar outros bens e serviços sociais a quem tiver recursos
para os adquirir no mercado. Na verdade, e também em linha com a sua actuação
governativa, PSD e CDS defendem até elementos típicos de um modelo conservador
de Estado Social, uma vez que consideram que muitas destas funções de protecção
social básica devem ser cada vez mais retiradas da esfera de execução do Estado
e delegadas nas “instituições da economia social” (p. 33) – instituições
particulares que actuam com uma lógica assistencialista e caritativa dirigida
apenas aos grupos mais pobres.
O que o PàF nos sugere
é acentuar o corte com o modelo de Estado Social social-democrata que o país
construiu. Este paradigma de Estado Social entende que há bens e serviços que,
por serem essenciais à vida humana, devem ser prestados a todos os cidadãos
igualmente pelo simples facto de serem cidadãos, independentemente da sua
condição social e económica. É um modelo de Estado Social que entende as
funções sociais que presta (escolas, hospitais, prestações sociais, etc.) como
garantes de direitos sociais universais e gratuitos (à educação, à saúde, à
protecção nas várias situações de risco, etc.). É, por isso, o único modelo de
Estado Social que assume ter a redução das desigualdades como seu objectivo. E
é impossível querer afastar-se desta visão de direitos sociais, seguindo um
caminho de assistência social que não encara o prestador público como garante
de igualdade no acesso a bens e serviços sociais, e pretender simultaneamente
reduzir o fosso económico-social.
Com as medidas
concretas que nos apresenta no seu programa, a coligação está a mostrar-nos
como o seu discurso é, na verdade, falacioso. O modelo que o PàF deseja
continuar a expandir não irá procurar reduzir desigualdades, simplesmente porque
não é possível atingir este fim através dos meios que preconiza.
Politóloga, IPP TJ-CS
e UBI
Sem comentários:
Enviar um comentário