A lengalenga do “populismo”
29/10/2016
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Já está! Depois de duas eleições consecutivas que o deixaram em
irremediável minoria, Mariano Rajoy será confirmado hoje à tarde
como primeiro-ministro de Espanha pela mão dos novos dirigentes do PSOE. Uma
das elites políticas mais corruptas que se conhece no Ocidente continuará aos
comandos do Estado, pode obstaculizar a justiça, controlar o Tribunal
Constitucional, gerir os orçamentos por mais que a oposição lhos queira
alterar. No Parlamento, os socialistas estarão sempre a meio da ponte, entre o
medo de abandonar mais vítimas do sofrimento social às mãos da esquerda que não
se rende e o medo de que Rajoy amue e, achando que se o não deixa governar,
force novas eleições que agravem a pasokização do PSOE.
Dividido como em
poucas ocasiões, o PSOE tem justificado com o perigo do “populismo de esquerda”
a sua recusa em convergir com a frente Unidos Podemos, descrevendo-a como
versão ibérica do chavismo, verdadeiro “inimigo da democracia”. Este recurso
facilóide ao populismo como ideologia daqueles que, basicamente, se
opõem a Bruxelas, ao consenso neoliberal de uma certa interpretação da
globalização e à hegemonia norte-americana no mundo, reedita, afinal, a velha
lengalenga de que “os extremos se tocam”, como se as extremas-direitas e as
esquerdas que se não rendem defendessem as mesmas coisas.
Sempre que as crises
económicas - as inesperadas ou as deliberadas - propiciam esta economia de
tubarões em que vivemos, e em que a exploração e o abuso atinge no mundo do
trabalho proporções insuportáveis, o stress social
produz stress político e força à polarização. No campo
eleitoral, são os partidos do poder (as direitas liberal-conservadoras e/ou
democratas-cristãs, e a social-democracia) que pagam o preço de terem produzido
(ou deixado que se instalassem) as lógicas económicas que propiciaram a crise,
e que, pior ainda, a gerem dentro dos governos, em Bruxelas e nos megabancos
internacionais, de forma tão injusta que lhe chamam “reformas estruturais” e
outros eufemismos do estilo. Em perda rápida de representatividade, as forças
políticas deste centrão queixam-se daqueles a que, para sua
conveniência, chamam os “populistas”, com a mesma deliberada ligeireza com que
habitualmente falam do “terrorismo” dos outros. Como se, cavaleiros impolutos
da democracia, não se tivessem comprometido já com um dos lados da contestação,
justamente o lado (extremo-)direito. Se hoje muita direita se diz chocada com
Trump, quanto tempo demorou a chocar-se com Berlusconi, o seu alter-ego
italiano? De que partido é candidato Trump? O dos dois Georges Bush. De que
partido europeu faz parte Berlusconi? O de Merkel, Passos Coelho ou Rajoy.
Repassemos o mapa
europeu. A extrema-direita é hoje a força política mais votada em três países
da UE (Hungria, Polónia e Bélgica) e na Suíça, onde, escusado será dizer, está
no governo com partidos da direita clássica. É o segundo partido mais votado na
Dinamarca e na Croácia. Com mais de 10% dos votos, governa com outros
partidos civilizados de direita na Finlândia, Letónia, na Bulgária e,
fora da UE, na Noruega. Na Eslováquia, melhor ainda, está dentro de uma
coligação dirigida por um social-democrata! Hoje com cerca de 1/6 dos votos, a
extrema-direita já esteve no governo com democratas-cristãos e/ou liberais na
Áustria (onde pode vir a obter a Presidência da República) e na Holanda. Fora
do governo, ela é hoje a força mais votada em França, a terceira na
Grã-Bretanha, na Suécia e, segundo as sondagens, na Alemanha. E vamos em 15 dos
28 países da UE! Por todo o lado, partidos da chamada direita clássica
incorporaram um discurso nacionalista, xenófobo/anti-imigrantes, racista. A sua
escolha está feita. Com a extrema-direita pode-se sempre falar de austeridade
desde que ela afete apenas as minorias e se se negue a Bruxelas o acolhimento
de um só refugiado que seja.
Só na Europa do Sul
(e, talvez, na Bélgica, França, Alemanha, República Checa) a resposta social à
crise reforçou alternativas políticas à esquerda, produzindo, ainda assim,
todas as contradições do caso Syriza, forçando o PS português a uma solução
que, apesar das suas evidentes limitações práticas, em 40 anos ele sempre
recusara. A mesma que o PSOE continua a recusar. Como aconteceu nos anos 30 e,
depois, na II Guerra Mundial, é deste lado que se tem repetido que a democracia
se defende promovendo a igualdade, e não propriamente esperando que quem vota
Trump “volte à razão”. Mas qual razão?
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