22 DE ABRIL DIA DA TERRA
(MALTRATADA DIRIA EU)
UM ARTIGO OPORTUNO
Um novo olhar sobre o planeta
MARIA AMÉLIA MARTINS-LOUÇÃO
O
consumo ávido e egoísta origina problemas ambientais e desequilíbrios sociais,
como aqui se exemplifica.
22 de Abril
de 2018
O dia da Terra, 22 de Abril, foi
introduzido para nos levar a reflectir sobre o planeta onde habitamos.
Actualmente, a humanidade vive à custa do consumo dos recursos renováveis da
Terra como se houvesse mais dois planetas. Apesar destes excessos, as
desigualdades sociais, a pobreza, o excesso de consumo são uma constante, e
políticas, que integrem as necessidades sociais e a salvaguarda do património
natural, são pouco eficientes. Em 2012, Kate Raworth, economista inglesa, usou a ideia
das barreiras planetárias lançada em 2009 por Johan Rockström, para
lançar a Economia Donut. A proposta é repensar o conceito de
desenvolvimento económico associando a justiça social com a sustentabilidade
ambiental. O novo olhar convida à junção das barreiras planetárias com as
sociais, como ponto de partida para o desenvolvimento de estratégias
sustentáveis.
No actual modelo de gestão económica, as
sociedades funcionam quase como um piloto a navegar sem bússola. As políticas
públicas oferecem poucos incentivos em direcção a um caminho sustentável e as
pessoas vivem em função do curto prazo e do seu círculo restrito familiar.
Vive-se com a certeza de haver solução para tudo: a inovação científica e
tecnológica avança a velocidade cruzeiro apontando respostas satisfatórias.
É fundamental saber usar os recursos
globais, sem criar desigualdades sociais. No entanto, desde a década de 60 do
século XX que Portugal consome mais do que produz, tendo aumentado 68% a sua
pegada ecológica, actualmente de 3,6 hectares globais. De acordo com a “Global
Footprint Network”, o desenvolvimento sustentável do planeta ocorre se, a nível
global, forem atingidos 1,7 hectares globais. Não se pode continuar a ignorar
este problema. O consumo ávido e egoísta origina problemas ambientais e
desequilíbrios sociais, como aqui se exemplifica.
1. Recursos hídricos. As
descargas de poluentes nos rios são uma constante e a capacidade de diluir as
cargas poluentes, qualquer que seja a sua origem (doméstica, industrial ou
agrícola), tem vindo a diminuir. A fiscalização é pouco eficaz e, quando há
identificação das infracções, os culpados pagam coimas insignificantes que não
impedem a repetição de crimes semelhantes. Acesso a água potável é um dos
objectivos do desenvolvimento sustentável 2030, mas não basta assegurar água na
torneira nas zonas urbanas. Há que assegurar qualidade de água nas zonas
rurais, nos ecossistemas ribeirinhos, para sustentabilidade das populações.
Também a alteração do regime de chuvas que ameaça a disponibilidade hídrica em
Portugal não é compatível com a política de subsídios à agricultura de rega, à
ausência de auditorias à eficiência do uso da água e ao pouco investimento em
águas residuais.
2. Qualidade do ar. São
conhecidos os efeitos que as partículas atmosféricas têm para a saúde pública.
Mais pequenas do que 2,5 microns (PM2,5), alojam-se nos pulmões e estão
associadas a ataques cardíacos, doenças coronárias e aumento da pressão
arterial. Actualmente são responsáveis por três milhões de mortes por ano a
nível global e pela diminuição do tempo médio de vida. A monitorização contínua
é feita nos grandes centros urbanos, culpabilizando-se os veículos automóveis
pelas emissões poluentes. No entanto, sabe-se hoje que a grande fonte de
emissão destas partículas provem das actividades agrícolas, especialmente da
volatilização de amónia dos fertilizantes e excrementos animais. Na atmosfera,
a amónia reage com outros compostos dando origem a partículas secundárias de
aerossóis, arrastadas pelos ventos para grandes distâncias. Esta é uma poluição
silenciosa que pode corresponder a 65% das partículas atmosféricas, sem
monitorização eficaz em Portugal. A grande preocupação é a redução das
partículas emitidas pelos transportes nos centros urbanos. Com a presente
alteração do regime de chuvas, a quantidade de partículas atmosféricas é um
verdadeiro problema pouco dimensionado ou equacionado. Urge o estabelecimento
de um sistema de monitorização e fiscalização em todo o território, para
assegurar a saúde de todos os portugueses.
3. Emissões de CO2. Após
a devastação do património florestal dos últimos dez anos, o investimento do
Estado na reflorestação com espécies autóctones é ainda tímido. As áreas
florestais e arbustivas aumentam o sequestro de carbono, e por isso o
investimento na floresta devia ser prioritário para cumprir o Protocolo de
Quioto. Infelizmente, continuam a faltar incentivos aos privados para a
diversificação da exploração da floresta, para além da madeira, e para o
estabelecimento de viveiros com plantas certificadas e geneticamente
resilientes a diferentes condições ambientais. Entre outras, são políticas
públicas que podiam trazer co-benefícios para o desenvolvimento económico das
comunidades rurais e servir como medidas de compensação para o mercado de
carbono. A exploração de petróleo no Algarve, ao arrepio da vontade dos
cidadãos, é também incompatível com a política de redução das emissões.
Estes são apenas três problemas
ambientais com carente sustentabilidade social. Em regra, a sociedade, cada vez
mais urbana, sente-se impotente e não luta por um problema que não a afecta
directamente. Cabe ao Estado assegurar estratégias de protecção de longo prazo
dos recursos naturais finitos e aos mediadenunciar e questionar
crimes e atropelos sócio-ambientais, alertando e convidando a população a ter
um novo olhar sobre o planeta.
Bióloga, professora catedrática da Universidade de Lisboa; presidente da
Sociedade Portuguesa de Ecologia
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