ORA DIGAM LÁ SE NÃO SE APLICA A VRSA A MAIOR PARTE DESTE TEXTO?
A entrada
dos drones na vida política nacional
A excepção é
as coisas funcionarem bem – ou seja, dito à bruta e sem rodriguinhos, Portugal
é um dos países mais atrasados da Europa.
JPPereira
24 de
Novembro de 2018
Está toda a gente indignada com o “falhanço do Estado” no caso da estrada
que ruiu matando pelo menos cinco pessoas. E devem estar não tanto pelo
“falhanço do Estado”, porque, para além de ser um falhanço, o falhanço é a
regra. A excepção é as coisas funcionarem bem — ou seja, dito à bruta e sem
rodriguinhos, Portugal é um dos países mais atrasados da Europa.
Repito: Portugal é um dos países mais atrasados da Europa, em que as
infra-estruturas estão envelhecidas ou nunca foram modernizadas, não existem
onde deviam existir, em que faltam serviços essenciais por todo o país, com
mão-de-obra muito pouco qualificada, com patrões muito mal preparados, com
baixa produtividade, com uma administração burocrática que não promove o
mérito, e é corrupta e clientelar, com instituições de regulação que não
regulam nada, com inspectores que não inspeccionam nada, com um território que
não tem qualquer policiamento fora das cidades, com escassez de meios para tudo
e abundância de desperdício por todo o lado. Podia encher o jornal todo e ainda
dava para muita edição.
Comparem estatística a estatística e, de novo, salvo raras excepções,
Portugal fica num mau lugar. Um país com tanto atraso estrutural gera
inevitavelmente má governação a nível local e nacional, porque falta massa
crítica para fazer melhor. E falta pressão para que tal aconteça. Por isso
temos o Estado que temos e somos, por regra, tão mal governados. As
desigualdades são talvez a melhor marca desse atraso.
Mudou muita coisa nos últimos 40 anos? Mudou, claro, e muita para melhor,
mas o atraso era enorme e hoje continua grande. Como dizem os saudosistas do
salazarismo, havia muito ouro no Banco de Portugal, mas o preço desse ouro
entesourado era uma elevada mortalidade infantil e analfabetismo, a exploração
dos mais pobres, uma guerra e uma ditadura. O 25 de Abril fez muito para
retirar o país do seu atraso, através desse valor intangível da democracia, mas
está longe de ter conseguido dar a volta a muito do atraso atávico do país. É
como com as chuvas de 1967, que mataram em Loures, mas apenas molharam em
Cascais.
Mas não se iludam: a maioria dos portugueses pode protestar muito, nos
cafés antigos, e nos cafés modernos que são as redes sociais, mas, com excepção
dos seus imediatos interesses, não quer saber muito disto é até colabora
participando na pequena corrupção, na fuga aos impostos, nos pequenos truques
quotidianos com o ambiente, a qualidade dos alimentos, as obras na casa, etc.,
etc. Só se preocupa com a pátria pelo futebol e de resto manifesta uma
indiferença cívica total.
Porque os portugueses são maus ou um caso perdido? Não, nada disso, são
como todos os povos, só que pagam o preço do atraso do seu país, tornando-se,
pelas suas atitudes, parte desse atraso. O que é que se espera de pessoas
pobres, sem grande educação formal, vivendo uma vida dura, acantonadas num
diálogo cívico miserável, que é o que se passa nas redes sociais, sem poder e
com muitas dependências para exercer o pouco poder que tem, sem conhecer os
seus direitos, numa sociedade e com uma política que faz tudo para os
embrutecer?
Mas foram eles que permitiram a negligência criminosa daquela estrada? Não,
não foram. É sempre em primeiro lugar o governo. Mas, a sua quota-parte de
responsabilidades está na sistemática falta de protesto cívico, de punição pelo
voto de autarcas e governantes que tão mal gerem os dinheiros públicos, e por
muitas vezes fecharem os olhos ao facto de a gestão ser tão má que deixa cair
pontes e estradas, como é má gestão fazer um pavilhão gimnodesportivo que
custou milhões e depois deixam estar fechado a degradar-se, mas que queriam
muito para a sua terra. Ou quando nem querem ouvir falar do encerramento de
pedreiras ilegais ou fábricas pirotécnicas, porque dão emprego onde não existem
alternativas. Por todo o país fora, até um dia em que as coisas correm mal.
E também não tenham ilusões: este caso só teve a cobertura mediática que
teve porque os cenários eram espectaculares para a televisão, e os drones tornaram
muito barata a filmagem aérea. Se as mesmas cinco pessoas morressem numa curva
de uma estrada contra uma árvore, mesmo que a curva devesse estar há muito
sinalizada e houvesse quem tivesse chamado a atenção para a incúria face ao
perigo, as notícias não duravam um dia, nem havia debates, nem ia lá o
Presidente, nada. Era um não-caso. Só que, aqui, aqueles gigantescos buracos
eram magnífica e dramática televisão, e é por isso que temos um “caso”.
Os drones entraram definitivamente na vida política
portuguesa.
Colunista
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