Texto para ler e reflectir, mais a mais numa cidade e concelho em degradação acelerada fruto de políticas oportunistas, de penacho e indiferentes aos problemas da população.
MC
Cidades
saudáveis
Mais do que cidades saudáveis, reclama-se o direito a uma vida urbana
saudável.
28 de
Dezembro de 2018 Gonçalo Canto Moniz
Mais do que inteligentes ou sustentáveis, hoje
queremos cidades saudáveis.
O saudável esteve sempre mais associado ao campo do
que à cidade e é no campo, na serra, no mar, que os urbanitas se refugiam para
encontrar um ambiente que tenha um impacto positivo no seu bem-estar com
benefícios para a sua saúde. O conceito de férias, criado no final do século
XIX, tinha também esse pressuposto de reencontro com a natureza e estava muitas
vezes associado à necessidade física e mental de recuperar dos malefícios da
vida urbana, poluída e stressante. É neste sentido que se criam as estâncias
termais, as estâncias de veraneio, as pousadas de montanha ou, mais
recentemente, o turismo rural.
A cidade nunca se preocupou em ser saudável porque não
era esse o seu desígnio nem fazia parte das preocupações dos políticos. A
cidade começou por ser um refúgio militar para depois se afirmar como o lugar
do trabalho e do habitar. Desde as ruas dos artesãos até à “baixa” comercial,
aos centros comerciais ou às zonas industriais, a cidade valorizou sempre mais
a construção do que o espaço público de lazer.
Só no século XX, principalmente na segunda metade,
emerge um discurso moderno que procura trazer para dentro da cidade os espaços
verdes, principalmente nas zonas residenciais, ou em parques urbanos.
Infelizmente nem sempre este verde é usado porque não se integra na dinâmica
urbana e social, funcionando a maioria das vezes como um elemento mais
decorativo do que funcional.
De facto, toda a proposta ambientalista pró-verde não
é suficiente para transformar as cidades, se não for pensada com e pelas
pessoas. Ou seja, torna-se urgente colocar os cidadãos no centro do processo de
transformação das cidades, porque são eles que as vão criar, usar e manter.
Assim, o próprio processo de co-criação de espaços urbanos é já por si um
promotor de bem-estar no sentido em que fortalece as pessoas que contribuem com
as suas ideias, o seu conhecimento e as suas experiências para a construção de
um futuro melhor. Garante-se também que a construção de novas áreas urbanas ou
a regeneração urbana não vai apenas servir os interesses do Estado, dos
municípios ou das grandes empresas, mas vai também estar ao serviço das
pessoas, das suas necessidades e dos seus desejos.
Não se trata aqui de excluir do planeamento urbano e
do desenho das cidades os habituais decisores políticos e técnicos, mas sim de
incluir outros atores que podem trazer para esses processos contributos
objetivos que garantam o sucesso efetivo do processo de transformação. Esse
sucesso já não se mede hoje apenas em termos económicos ou ambientais, mas
também em termos da saúde física e mental de quem vai habitar a cidade. Ou
seja, temos de medir o sucesso através das pessoas, da melhoria da sua
qualidade de vida, do seu nível de atividade física, do seu nível de integração
na comunidade, da melhoria da sua acessibilidade, da melhoria do sentimento de
segurança, do acesso a recursos económicos, assim como da redução das suas
doenças ou da descriminação social. Ou seja, uma cidade saudável é também uma
cidade mais inclusiva.
Este é um dos grandes desafios societais que a
Comunidade Europeia lançou em 2014 no programa H2020 e que Portugal acompanhou
com o P2020 através do financiamento à investigação e à ação, o que tem
possibilitado a construção de ideias e negócios inovadores, principalmente
quando cruzam a regeneração urbana com a cultura, a economia social e o
ambiente. O projeto europeu URBiNAT (www.urbinat.eu),
coordenado pelo Centro de Estudos Sociais, enquadra-se exatamente neste
contexto de atuação que emerge da identificação de um problema urbano e que
possibilita o desenho de um outro modelo de atuação, integrando, de um
modo inovador e inclusivo, as questões urbanas com soluções baseadas na
natureza. Os 28 parceiros europeus, iranianos e chineses identificaram as áreas
de habitação social das periferias das cidades como um dos problemas urbanos
mais exigentes e permanentemente abandonados pelo planeamento, pela falta de
qualidade das habitações, pela falta de espaço público e pela falta de
integração na estrutura urbana e social.
Este é um problema não só europeu, mas também mundial,
que decorre de um processo de crescimento urbano em extensão, onde as pessoas
mais carenciadas foram alojadas nas novas periferias, sem direito à cidade.
Ainda que o problema esteja identificado desde as reivindicações de 1968, as
soluções não foram encontradas ou devidamente implementadas. De facto, já não
se acredita no poder redentor dos grandes planos de urbanização e, pelo
contrário, aposta-se hoje em estratégias mais pontuais, de escala intermédia,
que tenham a capacidade de envolver efetivamente as pessoas no processo de
planeamento.
O projeto propõe-se investigar e implementar com as
pessoas o conceito de Corredor Saudável. Corredor porque liga áreas urbanas
através de um percurso pedonal e ciclável; saudável porque esta infraestrutura
deverá contribuir para o bem-estar e a saúde dos cidadãos que o percorrem e que
o habitam, como prolongamento dos seus espaços de habitação e de trabalho.
Assim, o corredor criado por cada comunidade poderá ser mais do que um
percurso, integrando espaços que qualifiquem o ambiente natural, urbano e
humano para que o cidadão desenvolva atividades lúdicas, culturais, sociais ou
económicas, partilhando a vida em comunidade, de forma inclusiva e saudável.
Deste modo, mais do que cidades saudáveis, reclama-se
o direito a uma vida urbana saudável.
O autor escreve
segundo o novo Acordo Ortográfico
Investigador do Centro de Estudos Sociais e professor do Departamento de
Arquitectura da Universidade de Coimbra
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