O artigo que se junta é elucidativo e informativo, são dados objectivos.
MC
Clima e
transição energética
O futuro não será a repetição do passado mas nesse futuro o papel da
geologia pode, como sempre, surpreender.
9 de Dezembro de 2019 António Costa Silva
A ameaça climática é um dos
desafios do nosso tempo. Os resultados de estudos como o dirigido
por Richard Muller, da Universidade de Berkeley, um dos mais
exaustivos já levado a cabo, são inequívocos. A temperatura da Terra está a aumentar
em todos os continentes e o Pólo Norte é o local do planeta que aquece mais.
Nos últimos 30 anos perdeu 2 milhões de Km2 de gelo, que é um estabilizador do clima da Terra porque reflecte parte da
radiação solar. O seu desaparecimento acelera o aquecimento dos oceanos e
global. Como não podemos negociar com a Natureza, é preciso agir. E aí começam
os equívocos.
Há uma dissonância entre a retórica
política e os factos. As cimeiras sucedem-se, os gritos são muitos, mas na
prática faz-se pouco. E quando se faz algo que pode ser decisivo ninguém liga
porque toda a gente está mais preocupada em gritar. Os factos são
incontornáveis: no ano 2000, já depois das primeiras cimeiras como a do Rio, as
emissões de CO2 eram de
25.000 milhões de toneladas (mt) por ano. O planeta aguenta o máximo 18.000 mt.
Em 2018, as emissões de CO2 chegaram a 34.000 mt, cresceram 36% só
neste século. Mas em 2015 e 2016, depois de 30 anos consecutivos em
que as emissões cresceram à média de 1,7% ao ano, elas estagnaram. Era um ponto
de viragem se tivéssemos prestado atenção.
Estagnaram porque os EUA começaram a
substituir as suas centrais a carvão por centrais a gás e as emissões são 60%
inferiores. E a China decidiu congelar o seu programa de aposta no carvão e
seguiu o caminho dos EUA. Com os dois maiores poluidores mundiais a reduzirem o
uso de carvão, tivemos dois anos que podiam ser de viragem. Mas
ninguém teve coragem de sentar o G-4 do carvão à mesa – China, EUA, Rússia e
Japão, que consomem 75% do carvão no mundo – e levá-los a um compromisso
sólido para diminuírem de forma consistente e prolongada o seu uso. Só a
China consome 50% do carvão utilizado no mundo. Mas o carvão não é “sexy” como
outras fontes energéticas que são demonizadas e poucos prestam atenção ao
elefante na sala.
Resultado: em 2019, como a China regista
o crescimento económico mais lento desde os anos 90, decidiu recorrer de novo
ao carvão, a fonte de energia mais barata, para estimular o crescimento
económico e gerar emprego. O programa chinês do carvão foi reactivado e a China
vai instalar nos próximos anos cerca de 148 GW de capacidade em centrais a
carvão, o que equivale a toda a potência instalada na Europa. É uma péssima
notícia para a China e para o planeta.
Neste contexto, as cimeiras e
declarações políticas mostram hipocrisia. É fácil gritar. Mais
difícil é pensar, trabalhar as soluções, sentar os decisores à mesa e urdir
compromissos sérios e consistentes. 57% das emissões globais de CO2 são geradas pelo consumo de
combustíveis fósseis: 2/3 provêm do sistema de geração eléctrica e térmica e
1/3 do sistema de transportes. É preciso ter a coragem de sentar à mesa o G-5
das emissões – China, EUA, Índia, Japão e Rússia, responsáveis por 65% das
emissões de CO2. Para
responder aos objectivos do Acordo de Paris de 2015 é preciso reduzir até 2040
40% do consumo de carvão e 15% de petróleo e aumentar 40% o consumo de energias
renováveis. Isto é fazível, mas é preciso coragem para agir e políticas
públicas bem desenhadas.
O sistema de geração eléctrica e
térmica, apesar do aumento das energias renováveis, ainda gera 420 quilos de
carbono por cada Mw de energia produzida. O máximo para a sustentabilidade do
planeta deve ser 100 quilos de carbono por cada Mw gerado. Há um longo caminho
a percorrer. O drama é que o consumo de energia primária continua a aumentar
(+1,9% em 2018) para responder ao crescimento da população e da economia. É
preciso mudar o paradigma e comportamentos e produzir energia mais limpa.
As soluções são multidimensionais.
Passam pela mudança da matriz energética com mais energias renováveis e menos
carvão e menos petróleo. Passam por um compromisso das companhias de petróleo e
gás para diversificarem o seu portefólio; investirem mais nos activos de baixa
intensidade carbónica; estabelecerem metas verificáveis de queima “zero” do gás
e crescimento “net” zero das emissões, num prazo temporal curto; criarem produtos de baixa
intensidade em carbono; apostarem nas tecnologias digitais para aumentar a
eficiência e baixar as emissões. Passa pelo reforço do “cluster” das energias renováveis, em particular a eólica e solar, que são
competitivas e que estão a crescer. Passa por mudanças no sistema de
transportes com a electrificação da frota automóvel nas cidades que consomem
cerca de 75% da energia do planeta e são responsáveis por 85% das emissões.
Passa pela expansão da mobilidade eléctrica e da aposta nos biocombustíveis que
não competem com as culturas alimentares. Passa por avanços na armazenagem da
electricidade à escala da rede, com a revolução das baterias, que pode levar à
electrificação de vastos segmentos da economia mundial. Passa pela
digitalização das redes energéticas e a Internet da Energia com o “streamlining” das operações e a redução das emissões e do desperdício. Passa pela
revolução do hidrogénio, cujos custos podem ser competitivos (se for gerado a
partir do gás natural), e a sua aplicação nas “fuel cells” que podem ser uma alternativa sólida para a mobilidade, além de que podem
capturar o CO2. Passa
por soluções que apostam nos sumidouros naturais de CO2 como as florestas, os solos agrícolas
bem tratados, o fim da desflorestação. O mau uso da terra é responsável por 20%
das emissões de CO2. A
captura do carbono, incluindo a captura directa a partir do ar, é outra solução
que tem ganho tracção.
Finalmente, a geologia pode salvar o
planeta. Há dois locais no mundo, os Montes Apalaches nos EUA e Omã, onde as
rochas do manto afloram à superfície da terra. O manto está por baixo da
litosfera, a camada superficial da Terra. Quando as rochas do manto, como os
peridotitos, afloram à superfície, elas mineralizam o carbono a uma escala e
ritmo sem paralelo. É o processo mais barato de todos porque utiliza a energia
química das rochas. O futuro não será a repetição do passado mas nesse futuro o
papel da geologia pode, como sempre, surpreender.
Professor do Instituto Superior Técnico
Sem comentários:
Enviar um comentário