terça-feira, 10 de dezembro de 2019

De cimeira em cimeira, de acordo em acordo, passam os anos e a degradação climática não só aumenta como se agrava. Madrid vai ser mais um fracasso, pode o Guterres e a ONU bradarem aos céus que os deuses há muito não nos ouvem, muito menos os governos pois quem manda é a economia, e esta não vai deixar de produzir carros, aviões, armas etc. à base de energias fósseis.
O artigo que se junta é elucidativo e informativo, são dados objectivos.
MC



Clima e transição energética

O futuro não será a repetição do passado mas nesse futuro o papel da geologia pode, como sempre, surpreender.

9 de Dezembro de 2019 António Costa Silva

A ameaça climática é um dos desafios do nosso tempo. Os resultados de estudos como o dirigido por Richard Muller, da Universidade de Berkeley, um dos mais exaustivos já levado a cabo, são inequívocos. A temperatura da Terra está a aumentar em todos os continentes e o Pólo Norte é o local do planeta que aquece mais. Nos últimos 30 anos perdeu 2 milhões de Km2 de gelo, que é um estabilizador do clima da Terra porque reflecte parte da radiação solar. O seu desaparecimento acelera o aquecimento dos oceanos e global. Como não podemos negociar com a Natureza, é preciso agir. E aí começam os equívocos.



Há uma dissonância entre a retórica política e os factos. As cimeiras sucedem-se, os gritos são muitos, mas na prática faz-se pouco. E quando se faz algo que pode ser decisivo ninguém liga porque toda a gente está mais preocupada em gritar. Os factos são incontornáveis: no ano 2000, já depois das primeiras cimeiras como a do Rio, as emissões de CO2 eram de 25.000 milhões de toneladas (mt) por ano. O planeta aguenta o máximo 18.000 mt. Em 2018, as emissões de CO2 chegaram a 34.000 mt, cresceram 36% só neste século. Mas em 2015 e 2016, depois de 30 anos consecutivos em que as emissões cresceram à média de 1,7% ao ano, elas estagnaram. Era um ponto de viragem se tivéssemos prestado atenção.

Estagnaram porque os EUA começaram a substituir as suas centrais a carvão por centrais a gás e as emissões são 60% inferiores. E a China decidiu congelar o seu programa de aposta no carvão e seguiu o caminho dos EUA. Com os dois maiores poluidores mundiais a reduzirem o uso de carvão, tivemos dois anos que podiam ser de viragem. Mas ninguém teve coragem de sentar o G-4 do carvão à mesa – China, EUA, Rússia e Japão, que consomem 75% do carvão no mundo – e levá-los a um compromisso sólido para diminuírem de forma consistente e prolongada o seu uso. Só a China consome 50% do carvão utilizado no mundo. Mas o carvão não é “sexy” como outras fontes energéticas que são demonizadas e poucos prestam atenção ao elefante na sala. 

Resultado: em 2019, como a China regista o crescimento económico mais lento desde os anos 90, decidiu recorrer de novo ao carvão, a fonte de energia mais barata, para estimular o crescimento económico e gerar emprego. O programa chinês do carvão foi reactivado e a China vai instalar nos próximos anos cerca de 148 GW de capacidade em centrais a carvão, o que equivale a toda a potência instalada na Europa. É uma péssima notícia para a China e para o planeta.

Neste contexto, as cimeiras e declarações políticas mostram hipocrisia. É fácil gritar. Mais difícil é pensar, trabalhar as soluções, sentar os decisores à mesa e urdir compromissos sérios e consistentes. 57% das emissões globais de CO2 são geradas pelo consumo de combustíveis fósseis: 2/3 provêm do sistema de geração eléctrica e térmica e 1/3 do sistema de transportes. É preciso ter a coragem de sentar à mesa o G-5 das emissões – China, EUA, Índia, Japão e Rússia, responsáveis por 65% das emissões de CO2. Para responder aos objectivos do Acordo de Paris de 2015 é preciso reduzir até 2040 40% do consumo de carvão e 15% de petróleo e aumentar 40% o consumo de energias renováveis. Isto é fazível, mas é preciso coragem para agir e políticas públicas bem desenhadas.

O sistema de geração eléctrica e térmica, apesar do aumento das energias renováveis, ainda gera 420 quilos de carbono por cada Mw de energia produzida. O máximo para a sustentabilidade do planeta deve ser 100 quilos de carbono por cada Mw gerado. Há um longo caminho a percorrer. O drama é que o consumo de energia primária continua a aumentar (+1,9% em 2018) para responder ao crescimento da população e da economia. É preciso mudar o paradigma e comportamentos e produzir energia mais limpa.

As soluções são multidimensionais. Passam pela mudança da matriz energética com mais energias renováveis e menos carvão e menos petróleo. Passam por um compromisso das companhias de petróleo e gás para diversificarem o seu portefólio; investirem mais nos activos de baixa intensidade carbónica; estabelecerem metas verificáveis de queima “zero” do gás e crescimento “net” zero das emissões, num prazo temporal curto; criarem produtos de baixa intensidade em carbono; apostarem nas tecnologias digitais para aumentar a eficiência e baixar as emissões. Passa pelo reforço do “cluster” das energias renováveis, em particular a eólica e solar, que são competitivas e que estão a crescer. Passa por mudanças no sistema de transportes com a electrificação da frota automóvel nas cidades que consomem cerca de 75% da energia do planeta e são responsáveis por 85% das emissões. Passa pela expansão da mobilidade eléctrica e da aposta nos biocombustíveis que não competem com as culturas alimentares. Passa por avanços na armazenagem da electricidade à escala da rede, com a revolução das baterias, que pode levar à electrificação de vastos segmentos da economia mundial. Passa pela digitalização das redes energéticas e a Internet da Energia com o “streamlining” das operações e a redução das emissões e do desperdício. Passa pela revolução do hidrogénio, cujos custos podem ser competitivos (se for gerado a partir do gás natural), e a sua aplicação nas “fuel cells” que podem ser uma alternativa sólida para a mobilidade, além de que podem capturar o CO2. Passa por soluções que apostam nos sumidouros naturais de CO2 como as florestas, os solos agrícolas bem tratados, o fim da desflorestação. O mau uso da terra é responsável por 20% das emissões de CO2. A captura do carbono, incluindo a captura directa a partir do ar, é outra solução que tem ganho tracção.

Finalmente, a geologia pode salvar o planeta. Há dois locais no mundo, os Montes Apalaches nos EUA e Omã, onde as rochas do manto afloram à superfície da terra. O manto está por baixo da litosfera, a camada superficial da Terra. Quando as rochas do manto, como os peridotitos, afloram à superfície, elas mineralizam o carbono a uma escala e ritmo sem paralelo. É o processo mais barato de todos porque utiliza a energia química das rochas. O futuro não será a repetição do passado mas nesse futuro o papel da geologia pode, como sempre, surpreender.

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Professor do Instituto Superior Técnico

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