Novo Banco, Velho Banco: mais
uma viagem, mais uma corrida
05/08/2014
Teríamos gostado de ver o Banco de Portugal garantir
que nunca mais algo semelhante se voltaria a passar nas suas barbas. Mas não
vemos
O governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, lá acabou por admitir que
nos tem andado a enganar. Não o disse por estas palavras nem com esta clareza,
claro, mas lá o disse, no cuidado fraseado que a banca e as "entidades
reguladoras" usam, recheado de jargão técnico e de eufemismos elegantes.
Afinal era
mentira que os problemas do Grupo Espírito Santo fossem totalmente
independentes do BES, era mentira que tudo estivesse bem no BES, era mentira
que o BES tivesse uma almofada financeira suficiente para colmatar os buracos
do crédito malparado e das imparidades, era mentira que houvesse algumas coisas
que andavam mal no GES mas que não punham em causa a credibilidade da banca portuguesa
e do sistema financeiro (videevolução das taxas de juro), era mentira que o Estado não precisaria de
resgatar o BES, era mentira que os testes de stress tivessem provado a solidez
do BES, era mentira que não houvesse razão para afastar rapidamente Ricardo
Salgado da gestão corrente do banco e mesmo do seu conselho estratégico, etc.
Note-se que não
há a mínima razão para pensar que Carlos Costa terá mentido intencionalmente e,
se por acaso o fez com intenção, não há a mínima razão para pensar que a sua
intenção não fosse boa. Mas aconteceu que as suas declarações descreveram ao
longo dos últimos meses (anos?) uma realidade diversa da realidade real, muito
mais optimista do que aquilo que nos parece hoje ajustado e onde não havia
quaisquer razões para suspeitar de actividades ilícitas. Acontece. Mais: se
houve um optimismo exagerado e aqui e ali alguma informação sonegada ao
público, é provável que Carlos Costa tenha considerado que fazia o seu dever,
já que a confiança é o principal capital do sistema financeiro. Pode pensar-se
que Carlos Costa e todos os funcionários do Banco de Portugal que lidaram com a
questão BES foram enganados pelo banco e pelos seus dirigentes (o que não diria
muito bem das suas capacidades de fiscalização e regulação, já para não falar
da sua competência, argúcia ou bom senso) ou que perceberam num ápice o que se
passava mas não quiseram tornar pública a verdadeira dimensão do problema para
não causar maiores estragos. É possível. O que seria bom que o Banco de
Portugal e Carlos Costa percebessem é que esta estratégia possui custos
elevados ao nível da credibilidade da instituição e das pessoas que a integram.
Ou seja: se tudo tivesse acabado em bem, o Banco de Portugal teria podido
manter a sua ficção até ao fim. Mas, como não acabou, a ficção acabou por se
revelar uma fraude. Seja porque o Banco de Portugal não percebeu o que se
passava no BES, seja porque percebeu e não quis agir de forma determinada para
não "alarmar os mercados", esperando que o Espírito Santo (o da
Santíssima Trindade) resolvesse as coisas, a credibilidade da instituição, do
seu governador e dos seus funcionários, justa ou injustamente, saiu ferida de
morte.
O que quer isto
dizer? Que não existe nenhuma razão hoje (se é que existiu alguma vez no
passado) para acreditar no que diz o Banco de Portugal sobre o BES, o GES, o
Novo Banco, o Tóxico Banco, ou Qualquer Outro Banco. A atitude do Banco de
Portugal no passado parece ter sido pautada pela defesa da imagem e do poder de
Ricardo Salgado — até que essa defesa se tornou impossível. É possível que
isso se tenha devido a uma preocupação de defesa do BES, que além de ser o
banco do regime possuía uma dimensão que o tornava, aos olhos do BdP, too big to fail e, por consequência, que tornava
Ricardo Salgado too
big to jail. Mas não há absolutamente nada que nos garanta que o
Banco de Portugal, perante um caso em tudo semelhante (ou pior) que venha a
suceder, não adopte exactamente as mesmas atitudes e não tome as mesmas
medidas, sempre com a preocupação de não alarmar os mercados e de não
desestabilizar o sistema financeiro.
Perante um caso
como o do BES, teríamos gostado de ver o Banco de Portugal, hoje, reconhecer
responsabilidades, fazer uma investigação aprofundada do que correu mal,
admitir culpas, corrigir procedimentos, garantir que nunca mais algo semelhante
se poderia voltar a passar nas suas barbas. Admitir, em suma, que se vai
preocupar mais com a honestidade do que com a amizade dos banqueiros. Mas não
vemos nada disso e esse facto é mais preocupante que o caso BES, porque nos diz
que, depois deste BES, haverá outro, e outro, e outro. Casos em que os clientes
de um banco serão aliciados (ou pressionados) a comprar acções desse banco ou
do banco de um primo para depois verem o seu dinheiro ser engolido por um
buraco que, no fundo, tem um funil que acaba no bolso de uma das famílias donas
de Portugal ou no bolso de um dos caciques do "arco do poder". Casos
em que uma parte considerável do dinheiro movimentado escapará a todo o
controlo legal e a todos os deveres fiscais graças ao uso de offshores e a um carrossel de transferências. Casos em que um contabilista distraído
se vai esquecer de incluir uns milhões de dívidas nas contas e terá como sanção
umas férias no Brasil. Casos em que todos os esquecimentos fiscais dos
poderosos e as gorgetas de milhões não declaradas continuarão a ser perdoados
com bonomia.
Para descansar
os contribuintes, o BdP garante que o Velho Banco não vai receber um tostão e
que deverão ser os seus accionistas a arcar com o prejuízo e que o Novo Banco
não vai recorrer a dinheiro dos contribuintes. Mas o que são os 4400 milhões
"da troika" senão dinheiro dos contribuintes, sobre o qual temos andado a pagar
juros? Será que o Novo Banco nos vai ressarcir de todos os custos que tivemos
com este dinheiro, que pedimos emprestado (especialmente para o BES?),
somando-lhe um belo juro? E o que é o buraco nas empresas do GES e do Velho
Banco senão dinheiro roubado aos portugueses, que desapareceu das poupanças, do
investimento, da economia e da receita fiscal?
Será que o BdP
nos garante que nada de semelhante vai voltar a acontecer, como já nos disse
quando do caso BPN? Talvez garanta. Mas não há razões para acreditar.
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