"Brexit" e egoísmo nacional
"Brexit" e egoísmo nacional
Por Paulo Pisco
21/06/2016 -
A União Europeia é
demasiado importante para o mundo para estar nas mãos de apenas um
Estado-membro.
Quando David Cameron anunciou em 23 de janeiro de 2013 um referendo à
permanência do seu país na União Europeia, numa cedência ao populismo e ao
egoísmo, certamente que nessa altura não tinha a noção de estar a soltar um
monstro que agora ameaça causar elevados danos tanto ao Reino Unido como à
União Europeia. E, como é óbvio, esta situação está a causar uma imensa
inquietação na Europa e fora dela.
É verdade que os
britânicos sempre olharam para a União Europeia com frieza e desconfiança. Mas
o recurso ao referendo que se realizará no próximo dia 23 de junho foi
essencialmente uma tentativa de sobrevivência política para responder ao enorme
euroceticismo britânico nos partidos e na sociedade, acentuado pela aplicação
das mais duras medidas de austeridade desde a II Guerra Mundial.
Como não podia deixar
de ser, o populismo patente no discurso de janeiro gerou múltiplas reações de
irritação. Houve quem dissesse que Cameron estava a brincar com o fogo e até
quem afirmasse sem rodeios que o melhor era mesmo os britânicos deixarem a
União Europeia, como fez o antigo primeiro-ministro francês Michel Rocard, num
artigo contundente com o título “Amis anglais, sortez de l’union européenne,
mais ne la faites pas mourir!”. Com a tensão e o dramatismo que tem existido na
campanha e também com o assassinato insano da deputada trabalhista Jo Cox,
comprova-se que, de facto, Cameron tomou uma decisão de alto risco.
A verdade é que,
perante a chantagem de David Cameron, a União Europeia cedeu nas negociações,
consentindo ficar mais frágil nos valores e princípios que fazem parte da sua
identidade, particularmente aceitando a desvinculação do compromisso coletivo
de trabalhar para “uma União mais estreita entre os Estados-membros” e ao
aumentar para os cidadãos comunitários as dificuldades de acesso aos direitos
sociais e às autorizações de residência. Questões que têm gerado inquietação
entre a vasta comunidade portuguesa a residir no Reino Unido, que está preocupada
com os eventuais resultados negativos do referendo.
Aquilo que Cameron fez
foi sugar mais um bocadinho da alma ao projeto europeu, acentuando a sua
dimensão de espaço liberal em que as empresas e os capitais têm sempre mais
liberdade e as pessoas veem diminuídas a sua mobilidade e direitos sociais. O
Reino Unido poderá ter ficado melhor, mas a União Europeia ficou mais frágil e
vulnerável e soma mais uma angústia às muitas que já tem.
A verdade é que o
Reino Unido, sem deixar de aproveitar sempre o melhor que a União tem para dar,
tem sido um travão ao aprofundamento do projeto europeu, como é evidente pela
sua opção de ficar fora de todas as políticas que moldam a identidade
comunitária, da moeda única a Schengen, das políticas sociais à Carta dos Direitos
Fundamentais.
Por outras palavras, o
Reino Unido, o criador dos “opting outs”, está fora de todas as políticas
comunitárias, mas condiciona permanentemente o processo de construção europeia,
como infelizmente mais uma vez voltou a acontecer, com as infelizes concessões
feitas pela União Europeia para consumo interno britânico.
Cameron pode agora
defender desesperadamente a permanência na UE, até porque o pior que lhe poderá
acontecer é ficar na História como o Primeiro-Ministro que tirou o seu país da
União Europeia, acelerando assim também o processo de desintegração do Reino
Unido. E também, seja qual for o resultado, não se livrará de ser visto como o
que mais contribuiu para enfraquecer o projeto comunitário e alimentar o
antieuropeísmo em muitos países, entre os quais em alguns membros fundadores,
como é o caso da França e da Holanda, seguramente as situações mais
preocupantes.
O Reino Unido precisa
da Europa e a Europa precisa do Reino Unido. O mundo ficará mais equilibrado
sem este bónus aos populismos e aos nacionalismos, que a médio prazo podem
trazer consequências desastrosas e até mesmo dramáticas para todos.
Mas a Europa também
não pode ficar refém do antieuropeísmo dos britânicos. É seu dever defender a
identidade do projeto europeu, baseado nos valores humanistas, numa Europa sem
fronteiras e na cidadania, nos direitos sociais e em mais igualdade, em mais
democracia, transparência e solidariedade. A União Europeia é uma espécie de
utopia tornada realidade, é um projeto demasiado importante para o mundo para
estar nas mãos de apenas um Estado-membro…
Deputado do PS
A União Europeia transformou a Europa num
bordel
21/06/2016
A saída do Reino Unido
pode ser o toque a rebate democrático de que a UE precisa.
Era um dia de Primavera de 1995.
Atravessei de carro a ponte sobre o rio Minho, ao pé de Valença, em direcção à
cidade galega de Tuy, e não aconteceu absolutamente nada. Foi um dos momentos
mais emocionantes da minha vida.
Eu estava habituado a
entrar em Espanha depois de parar na fronteira, esperar numa bicha interminável
de carros e camiões, mostrar o passaporte, responder a perguntas dos guardas e
deixar o carro ser revistado antes de poder seguir caminho. E a travessia desta
fronteira despertava sempre recordações de antes do 25 de Abril, onde a espera
era ainda mais demorada, as perguntas mais agressivas, os polícias mais
desagradáveis e as revistas mais rigorosas, principalmente para os jovens que tinham
de apresentar os seus documentos militares em ordem e podiam estar a
preparar-se para fugir à guerra colonial.
Foi por isso que
atravessar a ponte e entrar em Espanha sem ver um único polícia, sem ver um
posto de fronteira, sem mostrar um documento, foi uma experiência inesquecível.
Na altura eu era ainda
um ingénuo adepto da União Europeia e aquilo era para mim a Europa. Não só a
liberdade de circulação, mas a corporização da própria liberdade dos cidadãos,
da confiança na sociedade, da cooperação e da solidariedade entre os estados.
Eu era então, como me
considero ainda hoje, um europeu e um europeísta. Nascido entre dois países e
duas línguas, educado entre quatro línguas, habituado a desconfiar de todos os
nacionalismos, a ideia de uma Europa que transcende os seus países sempre me foi
cara.
É por isso que, na
próxima quinta-feira, quando conhecermos os resultados do referendo no Reino
Unido, eu espero ardentemente que o resultado seja a vitória do “Brexit”.
Não porque penso que o
Reino Unido vá ficar melhor fora da UE. Não porque pense que a UE vai ficar
melhor sem o Reino Unido. Mas apenas porque espero que a saída do Reino Unido
seja o choque que irá provocar o abalo político, o exame de consciência e o
toque a rebate democrático de que a União Europeia precisa para se reformar de forma
radical e para se reconstruir, num formato e com regras diferentes, sob o signo
da decência. E não penso que isso seja possível sem uma vitória do “Brexit”.
O presidente do
Parlamento Europeu, o socialista Martin Schulz, já disse: “Seja qual for o resultado
[do referendo], teremos necessidade de uma reforma integral da União Europeia
com regras claras.” Mas o problema é que já ouvimos dizer a mesma coisa noutras
circunstâncias para tudo ficar na mesma. Ouvimo-lo dizer depois da guerra do
Iraque, da crise financeira de 2008, da crise das dívidas soberanas, das
políticas de austeridade, da crise dos refugiados. Mas sabemos que não podemos
acreditar em nada do que sai da boca dos dirigentes da UE.
A questão é que a UE
não é aquela associação entre iguais que nos venderam, empenhada no progresso
de todos os países e no bem-estar de todos os cidadãos, no pleno emprego e na
segurança dos trabalhadores, na paz mundial e na promoção da democracia.
A questão é que a UE é
apenas uma máscara que disfarça o domínio de um grande grupo de países por um
pequeno grupo de países, numa nova forma de ocupação que usa a finança como
instrumento de submissão, como antes se usavam tanques.
A questão é que a UE é
uma organização antidemocrática, que não só é governada por dirigentes não
eleitos e não removíveis, da Comissão Europeia ao Banco Central Europeu, como
construiu ardilosamente uma camisa de forças jurídica, sob a forma de tratados
irreformáveis de facto, através da qual manieta e subjuga os Estados-membros e
lhes impõe políticas que estes não escolheram, mas não podem recusar.
A questão é que a UE e
as suas instituições se transformaram na tropa de choque do poder financeiro
mundial e da ideologia neoliberal e, apesar das suas juras democráticas, impõem
a agenda asfixiante da austeridade e proíbem de facto os países de prosseguir
políticas nacionais progressistas mesmo quando elas são a escolha democrática
dos seus povos.
A questão é que a UE,
autoproclamado clube das democracias e dos direitos humanos, acolhe no seu seio
sem um piscar de olhos países que desrespeitam os direitos mais básicos e
adopta no plano internacional a Realpolitik de se submeter aos mais
fortes, obedecer aos mais ricos e fechar os olhos aos desmandos dos mais
agressivos.
A questão é que a UE
perdeu o direito de reivindicar qualquer superioridade moral quando continuou a
atirar refugiados para a morte mesmo depois de ter chorado lágrimas de
crocodilo sobre a fotografia de uma criança afogada no Mediterrâneo. Hoje,
tenho vergonha de pertencer a este clube e não gosto desse sentimento. Será
isto isolacionismo? Pelo contrário. O que eu e muitos cidadãos europeus
exigimos é a solidariedade entre países que a União se recusa a praticar.
Há pessoas pouco
recomendáveis do lado do “Brexit”? Há. Mas do outro lado também. E na UE não
faltam pessoas pouco recomendáveis, a começar pelo senhor Jean-Claude Juncker,
símbolo da evasão fiscal e da imoralidade política.
A questão é que a
União Europeia não é a Europa dos valores que sonhámos. A UE capturou essa
Europa e transformou-a num bordel. O sonho transformou-se num pesadelo.
A questão é que a
União Europeia se tornou o ninho da serpente e deve ser desmontada peça por
peça. Espero que o referendo britânico possa ser o primeiro passo.
Este é um debate sobre a globalização. Os que
ganharam com ela querem ficar"
21/06/2016
Damian Chalmers diz
que a campanha para o referendo expôs fracturas criadas pela globalização. O
professor de direito europeu avisa que se o "Brexit" vencer o país
“fica numa posição negocial muito fraca”.
Professor da London School of Economics e investigador do think-tank The
UK in a Changing Europe, Damian Chalmers explica que, contra todas as
previsões, a imigração se sobrepôs à economia como o tema que vai decidir o
resultado do referendo. Caso os eleitores votem pela saída, prevê que as
negociações se arrastem durante anos, mas diz que Londres não pode esperar
tanto tempo por um entendimento que lhe permita restringir a liberdade de
circulação.
A União Europeia é uma instituição complexa. A campanha voltou a mostrar
que é difícil explicá-la aos eleitores e que o debate emocional relegou para
segundo plano os argumentos racionais…
Sim, mas esse é um argumento que pode ser usado contra todas as eleições. A UE
produz entre um quarto a um terço de tudo o que nos rege e a cada quatro ou
cinco anos decidimos sobre quem gere os restantes três quartos. O nível do
debate político nesta campanha é o pior a que já assisti, por vezes chega a ser
escandaloso, tanto de uma parte como da outra. Mas em termos mais gerais, gerou
um debate muito mais enérgico sobre a UE – temos pessoas a discutir a UE em
todos os locais e, nos quatro a cinco meses que este debate já leva, as pessoas
ficaram muito mais informadas. Mas não creio que as pessoas estejam a debater
esta ou aquela lei.
O que fica claro, à
medida que nos aproximamos do referendo, é que este é um debate sobre a
globalização. Tão simples quanto isso. Os que ganharam com ela querem ficar, os
que estão a perder querem sair. Basta olhar para as sondagens: se você tiver
mais de 55 anos quer claramente sair; se tiver menos de 40 quer ficar. Se tem
um diploma universitário quer ficar, se só tem o ensino básico defende a saída.
Para os mais velhos, que perderam o trabalho aos 50 anos e ainda não chegaram à
idade da reforma, não é fácil sair e procurar emprego noutro país. Eles vêem as
comunidades onde vivem a mudar e não só por causa da imigração. Os jovens que
estão mais vulneráveis à globalização, os trabalhadores que não têm aumento de
salário há dez ou 15 anos, são essas as pessoas que vão votar a favor da saída.
Já em Londres, uma cidade cheia de gente nova, com estudos universitários, é
claramente a região mais pró-europeia do país, com 80% das pessoas favoráveis à
permanência. É uma clivagem que divide o país ao meio e esse debate vai
continuar, quer fiquemos quer saiamos.
Uma questão que era inicialmente muito importante para os partidários da
saída prendia-se com a necessidade de restaurar a soberania do Parlamento. Qual
é a origem deste debate e por que é que é tão importante?
A questão arrasta-se praticamente desde a adesão à CEE. No Reino Unido não
temos uma Constituição escrita como em Portugal e para os britânicos o
Parlamento ocupa esse lugar. Para muitas pessoas sempre foi questionável
estarmos numa instituição na qual o peso do Reino Unido é de apenas 9%, muito
dominada pelos burocratas, cujas leis têm precedência sobre as leis do
Parlamento. Mas este era um debate ao nível académico. O que a campanha a favor
da saída fez, e foi bastante inteligente, foi escolher como slogan a
frase: Take back control [Recupera o controlo]. A mensagem que querem
passar é não só a de que é preciso reconquistar a supremacia do Parlamento, mas
também reassumir o controlo das fronteiras para poder restringir a imigração.
Juntaram-nas em torno desta ideia forte que é a palavra “Controlo”. Veremos se
estão certos, se a saída permitirá controlar a imigração.
O debate sobre a imigração sobrepôs-se a todos os outros…
Sim, para quem quer sair, a imigração é claramente o tema mais importante. Para
quem defende a permanência a economia é a principal preocupação. Os dois temas
dominaram completamente o debate. Até há duas ou três semanas, o consenso era o
de que as pessoas iriam votar [a pensar] com a carteira, de que seria a
economia a moldar o debate. O que surpreendeu muita gente é que isso acabou por
não acontecer. O debate sobre a imigração tem vindo a ganhar força nas
sondagens. Em meu entender, isso não tem a ver com o facto de o argumento ter
sido bem ou mal apresentado. Tem a ver com a globalização. A maioria dos
britânicos não acredita nas previsões económicas que lhes foram apresentadas. É
impressionante que apenas um quarto dos eleitores achem que a saída terá um
efeito negativo na economia. Quando olhamos para o leque de previsões – nove em
cada dez economistas acha que o efeito da saída será mau ou muito mau – isto é
muito impressionante. O Governo não conseguiu apresentar de forma eficaz o seu
argumento económico.
Outra coisa
interessante é que o acordo que Cameron conseguiu [com os parceiros europeus],
que se esperava ter um efeito positivo nas sondagens, acabou por ter o efeito
contrário. Houve um aumento de 4% nas intenções de voto a favor da saída após o
acordo. A razão para isso foi que ele nos prometeu “algo impressionante”, que
nem ele próprio sabia exactamente o quê. Quem acompanha a política europeia
sabe que há outros 27 Estados-membros e que era claro que ele não iria
conseguir mais do que conseguiu. A imagem que passou foi que ele não conseguiu
nada e isso foi um falhanço político.
O travão de emergência [que permite a Londres suspender a atribuição de
prestações sociais aos imigrantes europeus] é difícil de explicar aos
eleitores…
Não, creio que a ideia ficou clara para os eleitores – os cidadãos da EU não
vão receber apoios nos quatro primeiros anos…
Mas a aplicação será faseada…
Sim, faseada e quando começar a ser aplicada haverá isenções. Mas em termos
gerais creio que esta é uma iniciativa política popular, os eleitores percebem
que vai poupar dinheiro ao Estado. Mas a maioria dos estudos mostra que não
terá efeitos na imigração e os factos indicam que para a população, e não
apenas a do Reino Unido, aquilo que pesa são as mudanças a que estão a assistir
nas suas comunidades – o acesso à habitação piorou, as crianças não conseguem
lugar nas escolas, este tipo de percepções.
O que muita gente diz
é que estamos perante uma tempestade perfeita. Muitas destas coisas [a
dificuldade em arrendar casa, a sobrelotação das escolas] já aconteciam e a
imigração teve pouco impacto. É uma situação que resulta da crise das dívidas
soberanas e dos cortes na despesa pública. Mas o sentimento no terreno é que há
uma escassez de oferta e que os britânicos estão a ser prejudicados [pelos
imigrantes]. E este sentimento é uma das coisas que está a fazer aumentar as
intenções de voto na saída.
Muitas vezes também se
diz que o Reino Unido atravessou a crise mais depressa do que outros países e
em termos de emprego e isso é verdade – nunca tivemos uma taxa de desemprego
muito alta – mas o emprego ganho é de baixos salários. Os salários não têm
subido desde 2009 e muita gente empregada não tem dinheiro para viver e tem de
recorrer à solidariedade. E esse sentimento de quem trabalha no duro e não tem
perspectivas de melhoria tem sido central na política britânica dos últimos
anos.
No caso de vitória do “Brexit” prevê-se que o país demore vários anos até
conseguir sair da UE. Quais serão os maiores desafios do Governo?
Sim, o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, falou num prazo de sete
anos. Em termos legais será muito difícil que as negociações possam durar todo
esse tempo, porque o artigo 50 [do Tratado de Lisboa] estipula um prazo de dois
anos e, se isso não acontecer, vai haver problemas. Cameron prometeu que na
segunda-feira a seguir à saída vai accionar o processo. A campanha pela saída
diz que nem pensar, mas quer que o Reino Unido saia antes [das legislativas] de
Maio de 2020.
O que irá acontecer?
Posso dizer-lhe o que acho que deveria acontecer, mas também o que acho que é
provável que venha a acontecer. O Reino Unido está numa posição negocial muito
fraca em relação aos outros Estados, vai ser muito difícil concluir as
negociações antes de 2020, muito por causa das eleições em França e Alemanha e
a situação em França é particularmente desafiante por causa da popularidade de
Marine Le Pen. E não é provável que os outros Estados aceitem a estratégia
negocial britânica e digam que não apresentam propostas a Londres até que
Londres inicie as negociações. Isto para dizer que será muito difícil adiar o
início do processo. Mas também vai haver muita turbulência política – é
previsível que tenhamos um novo primeiro-ministro se o “Brexit” vencer – e não
acredito que alguma coisa aconteça antes de Setembro.
Só em Setembro é que Londres vai formalizar a decisão de sair?
Sim, creio que só em Setembro. É claro que tudo depende do que acontecer com
David Cameron. Se ele se mantiver no cargo, é provável que aconteça mais cedo.
Se sair, acho que acontecerá em Setembro, embora a campanha pela saída tenha
dito que a sua intenção era avançar apenas no início do próximo ano.
Depois temos dois anos
para negociar. O problema é que se a saída acontecer sem um acordo [com os
outros 27] toda a gente vai perder, mas o Reino Unido perde mais do que os
outros. E por isso, o seu poder negocial diminui a cada dia que passa. Se eu
estivesse na posição dos outros países, como Portugal, não faria qualquer
negociação nos primeiros 18 meses. Para o Reino Unido, será também muito
difícil conseguir acordos comerciais com países terceiros.
Será um período muito
difícil e é preciso não esquecer que a imigração foi o principal tema da
campanha pela saída. Até agora tem dito que os europeus que residem no país
podem ficar, mas vai levantar-se a questão dos benefícios a que têm agora
acesso, a situação dos familiares. E os outros Estados podem adoptar uma
posição muito dura quando confrontados com as restrições que foram adoptadas
por Londres. As negociações não serão fáceis. Isto é o que eu acredito que pode
acontecer. Será muito mau para o Reino Unido, mas também será mau para o resto
da UE.
Qual é a alternativa?
A minha preferência, e quase podemos adivinhar que é isso que Tusk está a
pensar, seria a negociação de um acordo transitório, que vigorasse por cinco
anos, em que nas áreas que são mais sensíveis para os britânicos – a imigração
ou as pescas, por exemplo – chegaríamos a um special arrangment. Tudo o
resto manter-se-ia em vigor, com excepção daquelas áreas. Poderia ser uma forma
de manter todos os países contentes durante pelo menos cinco anos. Algumas
pessoas, como [o líder do UKIP] Nigel Farage dirão que isso não é suficiente,
mas temos de lhe lembrar que, até agora, a campanha pelo “Brexit” diz que a
saída não acontecerá antes de 2020 e de uma forma que não é a melhor. Se a
opção for ter cinco anos em que vigora um acordo transitório, negociado ao
abrigo do Artigo 50 e tendo em vista um acordo final em 2020 ou 2021, isso pode
ser a melhor opção para toda a gente. Os outros Estados, mesmo os que têm uma
visão muito crítica do Reino Unido, percebem que haverá forte turbulência se a
saída acontecer sem um acordo.
As pescas e a imigração deveriam ser a prioridade?
Acho que, no caso de saída, o Reino Unido ficará numa situação em que lhe será
impossível continuar a aceitar a livre circulação de pessoas. Esse é a
principal razão que leva os eleitores a optar pela saída. Nenhum político
conseguiria dizer que ele deveria continuar a vigorar.
E acha que dois anos bastam para se chegar a esse entendimento?
Nessa matéria terá de haver um acordo político, mas não é uma questão que
necessite de grande negociação. O que é preciso é chegar a um entendimento que
seja politicamente aceitável. A posição de todos os partidos é que os europeus
que já estão no Reino Unido podem ficar. É óbvio que querem o mesmo para os
britânicos que vivem nos outros Estados. Depois é preciso discutir que acesso
vão ter aos direitos que gozam actualmente e também sobre o direito dos outros
cidadãos europeus a viajar para o Reino Unido. Não digo que não seja uma
discussão politicamente sensível, mas acredito que não sejam precisos dois anos
para chegar a um acordo. Novos acordos para cada um dos sectores da economia
vão demorar mais do que dois anos ou mesmo mais do que sete.
A questão, para os
outros Estados-membros, é que não podem aceitar nenhum acordo que partidos como
a Frente Nacional, em França, possam usar para dizer: “votem em nós para
sairmos da UE e conseguirmos um acordo como este”. Será muito difícil, mas tem
de haver um acordo nessas áreas, se não é pouco provável que haja qualquer
acordo.
O Reino Unido terá também de substituir toda a legislação europeia. Como se
separam duas legislações que coexistem há mais de 40 anos?
Os serviços do Governo admitem que vai demorar dez anos a fazê-lo e não há uma
solução fácil. Sem grande surpresa, os empresários dizem que aprovam a grande
maioria das leis europeias e, de repente, até a campanha pela saída vem dizer
que gosta das leis europeias do trabalho, que até há pouco tempo queria mudar.
Tendo em conta que estão em causa 11 mil leis e o Parlamento britânico aprova
em média 25 leis por ano, isso quer dizer que se este trabalho passar apenas
pelos deputados vai demorar 50 anos [a concluí-lo] e por essa altura já a UE
terá mudado as suas leis. Terão de ser criados mecanismos especiais que serão
parte de um processo complicado.
A campanha pela saída
diz que o processo vai ser difícil, mas a vantagem é que há a possibilidade de
escolha. A minha opinião é que se o “Brexit” vencer, vamos continuar a aplicar
a maior parte da lei europeia num futuro próximo.
Nevoeiro no canal
Por João Caraça
20/06/2016
A função histórica do
Reino Unido acabou e os britânicos podem abandonar a Europa sem pesos na
consciência, quando lhes aprouver.
“Nevoeiro no Canal. O Continente está
isolado.” foi um pretenso título de um jornal britânico nos anos 1930, mas que
retratava com perfeição o estado de espírito dos súbditos de Sua Majestade no
que tocava às relações com as nações continentais da Europa. A frase acima
referida tem sido periodicamente retomada pois esse estado de espírito,
aparentemente, não se alterou.
Talvez porque desde
Henrique VIII e da época da Reforma a Inglaterra tenha entendido que devia
prescindir definitivamente de qualquer dependência do velho continente que
pudesse beliscar a sua autonomia e identidade. O reverso da medalha foi o de
ter de desenvolver um olhar muito atento e observador sobre o que se passava na
Europa continental de modo a poder intervir, diplomatica ou militarmente, para
impedir uma eventual união política e territorial da Europa.
Esta possível união
foi sempre encarada como a ameaça maior ao modo inglês de estar no mundo.
Estavam certos de que, no confronto directo, a Inglaterra perderia a face e,
quiçá, o corpo todo.
Não nos podemos
esquecer de que o Reino Unido aderiu à CEE em 1973, nos alvores da grande crise
“do petróleo” dos anos 1970, embora nunca tenha feito parte do espaço de livre
circulação (Schengen) nem da zona euro. A razão histórica para a entrada do
Reino Unido para a “Europa” foi a de impedir a sua união política, anátema que
desagradava sobremaneira à própria Inglaterra, mas principalmente aos Estados
Unidos, que se encontravam no início do seu declínio como nação hegemónica. Era
o desastre anunciado do Vietnam, a flutuação do dólar, a entrada da China na
cena internacional.
Interessava pois aos
Estados Unidos, ainda em guerra fria com os soviéticos, que emergisse apenas um
grande mercado europeu para poder ser explorado pelas suas multinacionais, isto
é, uma espécie de união económica sem união política.
Evidentemente, o
projecto de federação das nações europeias (ou de confederação) sonhado pelos
pais fundadores da CEE foi preterido, tendo as energias das instituições
europeias sido centradas na criação de um mercado único (e de uma moeda única).
O pretexto para tal, que os europeus engoliram, foi o de que a união económica
(e monetária) defendia muito melhor os seus membros, em situações de crise.
Viu-se.
Entrou pois o Reino
Unido na Europa, dando a garantia de que jamais haveria união política enquanto
lá se mantivesse. Uma vantagem adicional seria a de servir de poderoso agente
da globalização financeira da Europa com que se ansiava já, acompanhando a
introdução das novas tecnologias da informação (o que também foi conseguido com
sucesso – lembremo-nos do “big-bang” da City no tempo da senhora Thatcher).
Em resultado das
crises em que vivemos desde 2008 tornou-se porém óbvio que não há a mínima
possibilidade de, na actual configuração da União Europeia, se evoluir para uma
qualquer integração política. Tudo se fragmentou. A função histórica do Reino
Unido acabou e, portanto, os britânicos podem abandonar a Europa sem pesos na
consciência, quando lhes aprouver.
Por este motivo,
mentalmente, a velha Albion já está fora do nosso continente. Qualquer que seja
o resultado do referendo no próximo dia 23. A partir de agora, é apenas uma
questão de procedimento.
Professor universitário, Físico