A guerra da
direita contra os pobres e o dever de memória
14/06/2016
A direita tenta
reescrever a história do seu governo, seleccionando as estatísticas e os
indicadores-
Um dos exemplos da novílíngua neoliberal que incautamente todos temos vindo
a usar nas últimas décadas e que mais me arrepia é a expressão, adoptada
oficialmente pela União Europeia e pela OCDE, de “risco de pobreza”. A
expressão é lamentável porque é uma expressão tecnocrática, que retira a carga
dramática a uma situação de enorme sofrimento físico e moral, que constitui com
frequência uma condenação de famílias inteiras a uma pena por várias gerações -
porque a pobreza gera ignorância e doença que geram pobreza. Mas, para além
disso, é lamentável principalmente porque constitui um manto que cobre e
esconde a própria coisa que deveria nomear.
“Risco de pobreza” não
só não é pobreza como parece ser o contrário da pobreza. Quem é pobre está
dentro da “pobreza”, mas quem está em “risco de pobreza” parece estar ainda
fora, talvez à porta da pobreza mas ainda do lado de fora.
Durante os últimos
anos ouvi várias vezes lídimos representantes da direita corrigir
interlocutores que falavam da “pobreza” em Portugal para recordar que apenas se
podia falar de “risco de pobreza”, como se não houvesse pobres. A diferença é
tão abissal como sabermos que corremos um risco de ter cancro ou ouvir o médico
dizer-nos que temos um cancro. O que acontece na realidade é que as pessoas que
consideramos estar em risco de pobreza são de facto pobres, sem eufemismos,
verdadeiramente pobres. Todas estas pessoas oficialmente em “risco de pobreza”,
vivem de facto na pobreza 24 horas por dia, sete dias por semana,
frequentemente com os seus filhos, para quem não vislumbram outra vida que não
a mesma pobreza. Todas elas? Sem excepção? Claro que não. A estatística inclui
provavelmente dois ou três dirigentes de clubes de futebol que declaram
património zero e rendimento zero e que não são realmente pobres. Mas estes
casos individuais e isolados, que existem, não desmentem a verdade da
estatística - apesar de ser devido à sua possibilidade que se fala de “risco de
pobreza” em vez de “pobreza” tout court.
É importante falar de
pobreza e daqueles a quem os mais de quatro anos de governo PSD-CDS condenaram
à pobreza, enquanto o ministro Pedro Mota Soares batia hipocritamente com a mão
no peito, porque a direita continua a não desarmar e a tentar reescrever a
história do seu governo, seleccionando as estatísticas e citando os indicadores
da forma que mais lhe convém. É importante fazer esse exercício agora, quando o
pesadelo PSD-CDS acabou, porque é agora que começamos a ter a leitura completa
desses anos de chumbo. Recentemente, o investigador Carlos Farinha Rodrigues,
professor do Instituto Superior de Economia e Gestão e investigador no domínio
da pobreza e exclusão, publicou uma análise relativa aos anos de austeridade
onde mostrava que enquanto o rendimento dos 10% mais ricos tinha descido 13%, o
rendimento dos 10% mais pobres tinha descido 25%. Esse verdadeiro ataque aos
mais pobres deveu-se não apenas ao desemprego mas, principalmente, à redução
das prestações sociais. Lembram-se de ouvir Mota Soares, Paulo Portas e Passos
Coelho garantir e jurar que as suas políticas podiam estar a ser penalizadoras
para a classe média mas protegiam os mais pobres? Era mentira. Sabemo-lo agora
sem a mínima margem para dúvidas. Uma mentira à conta da qual os banqueiros
continuaram a ser protegidos à custa do envio para a pobreza (e não para o
“risco de pobreza”) de milhares de famílias portuguesas. É interessante ver o
gráfico das perdas dos vários grupos sociais: quando mais pobres, mais perdem.
A classe média perdeu? Sim, mas os pobres perdem muito mais. A luta de classes
em todo o seu esplendor. Nada que possa fazer Mota Soares perder o sono, antes
ou agora.
É igualmente
interessante ver as estatísticas de emprego relativas aos anos de austeridade e
ver, segundo explica o economista José Reis, da Faculdade de Economia da
Universidade de Coimbra, como o governo da direita destruiu 200.000 postos de
trabalho e empurrou 400.000 portugueses para a emigração e como os “programas
ocupacionais” do IEFP disfarçaram 170.000 desempregados, colocando-os em
trabalhos precários no Estado pagos pela Segurança Social, de forma a matar
vários coelhos de uma só cajadada: dar a impressão de que foi reduzido o número
de funcionários públicos quando não foi (porque os “ocupados” não contam como
funcionários), dar a impressão de que foi reduzido o desemprego quando não foi
(porque os “ocupados” não contam como desempregados), dar a impressão de que a
Segurança Social tem mais problemas financeiros do que tem (porque os
“ocupados” que trabalham para departamentos do estado são ilegitimamente pagos
pela Segurança Social) e fazer crer que o desemprego está a aumentar com o
actual governo (porque os falsos empregados chamados “ocupados” terminam os
seus trabalhos precários e muitos continuam desempregados).
A direita PSD-CDS
continua empenhada em reescrever a história do seu governo, para fazer o seu
branqueamento e para tentar o actual governo fazer má figura. É importante
fazer a história destes anos negros para não repetirmos a experiência.
Desigualdades em
saúde pioraram em dez anos. Pobres são mais doentes
14/06/2016
Observatório de Saúde
diz que desigualdades aumentaram entre 2005 e 2014. Risco de adoecer cresce
devido aos baixos rendimentos e pouca escolaridade. “Continuam a ser os mais
pobres os mais doentes”.
Risco de diabetes é mais de quatro vezes superior nas pessoas sem formação
secundária e superior MANUEL ROBERTO
As desigualdades
sociais em saúde agravaram-se nos últimos anos em Portugal. “Seja qual for a
doença, a desigualdade aumentou claramente entre 2005 e 2014, independentemente
do sexo e da idade”, concluem os investigadores do Observatório Português dos
Sistemas de Saúde (OPSS) no relatório de Primavera que esta terça-feira é
apresentado em Lisboa. Os riscos de adoecer aumentam exponencialmente com a
ausência de escolaridade, com os baixos rendimentos ou nos idosos, sublinham.
“Continuam a ser os mais pobres os mais doentes e os mais doentes os mais
pobres”, sintetiza José Aranda da Silva, um dos coordenadores do observatório.
A problemática das
desigualdades em saúde é um principais temas em foco no relatório de Primavera
deste ano do OPSS - que não se pronuncia sobre as políticas deste Governo por
terem passado “apenas sete meses entre a posse” do executivo e a conclusão do
documento. O fenómeno das desigualdades é determinante, até porque tem um
impacto significativo na esperança de vida, como provou um recente estudo publicado
no Journal of American Medical Association - que demonstrou que, entre
2001 e 2014, “os homens mais ricos dos Estados Unidos da América viveram em
média mais 14,6 anos do que os homens mais pobres”.
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