“A Estagnação
Secular"
Domingos S. Ferreira
03/06/2016
Eurostat apresentou, no seu relatório trimestral, indicadores económicos
que demonstram, finalmente, um insignificante crescimento económico na União.
Assim, a UE terá crescido 0,6% (equivalente anual de 2,2%) no último trimestre
de 2015. Ligeiramente acima do pico de 2008, antes da crise. Acresce que a zona
euro gerou um PIB de 2,48 triliões de euros nos primeiros quatro meses deste
ano. Desta forma, caso este ritmo de crescimento se mantenha, ultrapassará os
dez triliões de euros gerados em 2008, consolidando a saída da crise após oito
anos de recessão. No entanto, coloca-se a questão: Será que a crise acabou?
Embora em termos
absolutos os indicadores sejam positivos, é, todavia, necessário referir que
aquele crescimento é quase irrelevante numa economia que apresenta um PIB de
15,85 triliões de euros. Por outro lado, não se verificou qualquer redução
assinalável nos 25 milhões de pessoas à procura de emprego. "Foi uma
década perdida e representa um testemunho marcante do falhanço da zona
euro", afirma conclusivamente Joseph Stiglitz, laureado Nobel da Economia.
A este propósito,
Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff, professores na Universidade de Harvard, num
brilhante estudo efectuaram um follow-up a cerca de cem países. Neste estudo,
documentaram o comportamento do PIB destes países e a sua intercorrelação com
as cem maiores crises financeiras mundiais desde 1860. Os resultados são
conclusivos, pois demonstram que o quase colapso nos países desenvolvidos não
só demora cerca de sete anos para recuperar os mesmos níveis do PIB de antes da
crise como também a queda do rendimento per capita foi de cerca de 9,6% no
período que medeia entre o pico, antes da crise, e o período subsequente,
durante a crise, altura em que atingiu o nível mais baixo. Para os países subdesenvolvidos,
a recuperação é bastante mais grave e mais morosa. Como não bastasse, o último
World Economic Outlook do FMI aponta para um cenário ainda mais pessimista.
Assim, nos países desenvolvidos, o crescimento do PIB per capita demorará em
média cerca de dez anos a recuperar, o que atirará para cerca de 2030 a
recuperação do emprego para valores próximos dos de antes da crise de 2008,
dado que para haver criação de emprego a economia terá de crescer acima dos 3%
ao ano. Algo absolutamente extraordinário, senão mesmo impossível no actual
panorama económico internacional.
Assim, apesar do
optimismo de Bruxelas, nuvens muito negras no horizonte ameaçam com uma forte
tormenta a muito curto prazo, em específico o "Brexit"; a queda de
0,2% dos preços ao consumidor apenas em Abril, indicando, assim, a estagnação
económica e deflação na UE que têm resistido às políticas agressivas do BCE; o
influxo de mais dois a seis milhões de refugiados, só neste Verão, de acordo
com relatório da Comissão Europeia, o que levará ao agravamento do défice da
zona euro em cerca de cem mil milhões de euros; forte probabilidade de novos
ataques terroristas; a probabilidade do "Grexit", dada a
impossibilidade de a Grécia realizar a cascata de pagamentos devidos a partir de
Junho; a relutância dos maiores bancos europeus em emprestar dinheiro à
economia, esmagando qualquer possibilidade de crescimento e o abrandamento da
China, a qual tem sido o principal destino das exportações europeias e
constitui o principal motor da recuperação da UE.
Tal como num filme,
todavia sem happy end garantido, a possibilidade do "Brexit" e do
"Grexit" são muito reais e manterão a UE e o mundo em suspense. Sendo
certo que o Reino Unido e a Grécia necessitam mais da Europa do que a UE do Reino
Unido ou da Grécia, também é certo que serão muito más notícias para a União no
que se refere quer à sua recuperação económica, quer à coesão política,
quer no que diz respeito à sua afirmação internacional. A saída do Reino Unido
da UE encorajará os movimentos separatistas antieuropeus e revigorará forças
centrípetas que alastrarão aos 27 Estados- membros e conduzirão não só à saída
de outros países da União, designadamente a França ("Frexit"), a
Grécia ("Grexit"), a Hungria e a Holanda, como também à sua
fragmentação com a independência da Escócia e da Catalunha. Porém, quem parece
estar muito satisfeito com tudo isto é Vladimir Putin, que activamente tem
apoiado os partidos de extrema-direita antieuropeus, como se pode observar, de
acordo com o New York Times, pelo financiamento de dez milhões de dólares à
Frente Nacional de Marine Le Pen, entre outros. "Quanto mais dividida está
a UE, mais fácil é para Putin promover e impor a sua visão alternativa para a
Euro-Ásia dominada por Moscovo", conclui Barry Eichengreen, professor de
Economia na Universidade de Berkeley.
Sem soluções à vista,
a Grécia e os seus credores terão de acordar a reestruturação da dívida e
implementar um programa sério e exequível de reformas para revigorar a
economia, em linha com as capacidades gregas, e não arrastar-se em negociações
infrutíferas e crises recorrentes à espera de que algum milagre aconteça. Por
outro lado, os cidadãos britânicos terão de compreender que o verdadeiro
problema no Reino Unido não foi a UE, mas o falhanço colossal das políticas de
David Cameron, dado que este nem sequer providenciou políticas de apoio aos
empobrecidos e revoltados cidadãos britânicos que se sentiram excluídos e
negligenciados. Embora, para os eleitores zangados, um "sim" ao
"Brexit" represente um "não" ao mainstream político
britânico, eles terão, todavia, de compreender que não é disto que se trata.
"A Europa está a
entrar num período de estagnação secular", afirma Larry Summers,
presidente da Universidade de Harvard; por conseguinte, nem nas perspectivas mais
optimistas a evidência empírica demonstra que o emprego aumente nos próximos
dez anos. E, acrescenta, que só o retorno em massa ao investimento público, que
os tratados não permitem e o dogmatismo fossilizado alemão impede, poderá
aliviar o sofrimento de milhões de desempregados. (Voltarei a este tema.)
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