Com o país arder, onde estão os serviços
florestais? Ah, é verdade, foram extintos!
Fernando Santos Pessoa
10/08/2016
As Áreas Protegidas
não servem apenas para proteger o lobo, o lince, etc; elas deviam ser modelos
de economia social e exemplo para o restante território.
Assuntos aparentemente menores, que não ocupam grandes espaços da
comunicação social, seja escrita ou audiovisual, e por isso têm pouco impacte
na opinião pública, podem porém ser matérias da maior importância em termos de
futuro, de longo prazo – aspectos de que as governanças portuguesas são pouco
adeptas. O curto prazo é muitas vezes mais importante que uma decisão sábia de
longo termo. E os fogos são exemplo disso.
A extinção dos
Serviços Florestais levada a cabo pelo Governo PSD/CDS não levantou qualquer
reacção pública; o afastamento entre os cidadãos e a res publica,
desejado e promovido pelas derivas liberais daqueles partidos, conduziu ao
encolher de ombros da maior parte das pessoas.
Os Serviços
Florestais, no entanto, eram um organismo que vinha desde o séc. XIX, e não há
país nenhum no mundo, com uma grande área florestal, que não possua o seu
Serviço Florestal, muitas vezes até transformado em ícone da Administração
Publica.
Já antes, num governo
socialista, tinha começado o desaire – a extinção do Corpo de Guardas
Florestais, com a passagem do pessoal para a GNR. Foi uma medida gravosa que,
tanto quanto me lembro, passou ao lado da opinião pública e ninguém com
estatuto público relevante debateu o assunto.
Os guardas florestais
e em especial os velhos Mestres Florestais, eram depositários de sabedoria e de
bom senso que hoje em dia seriam tão preciosos; eles não eram meros polícias
para serem pura e simplesmente incorporados na GNR – eram agentes da defesa e
da protecção das matas, vigiavam o estado de limpeza, obrigavam os
proprietários a procederem a limpezas, e por isso não deveriam receber ordens
de qualquer tenente ou sargento da GNR, sem desprimor para estes, é claro, mas
precisavam de ser enquadrados pelos engenheiros florestais que com eles
formavam uma cadeia de conhecimentos e de atitudes de intervenção no
território.
Esta sabedoria dos
velhos Mestres, perdeu-se e mais uma vez devemos ser o único país do mundo com
florestas que não tem um Corpo específico de Guardas Florestais, e essa medida
insere-se no pensamento liberal que desde o “socialismo liberal” até hoje tem
vindo a dominar a vida pública.
Bastava que
surgisse uma pequena coluna de fumo no horizonte e havia quase sempre um posto
de guarda florestal que a avistava, o que permitia atacar os incêndios das
matas e impedir que assumissem grandes dimensões. E hoje? Bem, parece que esta
prevenção dos incêndios causava grande transtorno aos lobbies dos negócios dos meios
aéreos e outros que movem muitos milhões de euros, e envolvem gente graúda. O
Corpo de Guardas Florestais e a rede de postos florestais eram incompatíveis
com a “liberalização” do Estado – menos Estado melhor Estado, como se tem visto
…
Não tenho dúvida que
era a mais eficaz e mais barata forma de prevenção dos fogos florestais, e só a
falta de peso “lobista” dos florestais possibilitou o seu fim.
E então houve um génio
da política, que já ficara conhecido por causa do queijo limiano, que chegou a
Secretário de Estado daquilo que, presume-se, ele devia saber mais – florestas,
natureza, etc…- e resolve retirar os Serviços Florestais do Ministério da
Agricultura onde sempre esteve e com o beneplácito dos outros governantes,
todos eles interessadíssimos nestas coisas, enfiou-os no ICN, o organismo que
sucedeu ao Serviço Nacional de Parques, Reservas e Património Paisagístico que,
desde a Revolução de Abril de 74, incarnava a mudança de conceitos nas
políticas portuguesas, fazendo da Conservação da Natureza não um simples
ornamento de qualquer Ministério, mas antes um dos pilares fundamentais das
políticas de Ambiente e de Ordenamento do Território…
Com estas jogadas,
passou-se o encargo dos ordenados dos guardas florestais para o orçamento da
GNR e mataram-se dois coelhos com a mesma bengalada : por um lado facilitou-se
o negócio do combate aos fogos florestais, sem a intromissão dos tais vigias
que não deixavam que os fogos progredissem, por outro diluiu-se o poder de
intervenção do ICN dando a impressão que até aumentava a sua importância.
Instalou-se nele a confusão e ingovernabilidade, mas qualquer funcionário que
fale nisso pode ter problemas. Já não há PIDE mas há quem escute e informe os
chefes, escolhidos a dedo como convém.
E este aspecto do ICN
merece reflexão.
A Conservação da
Natureza desde há décadas que deixou de ser encarada apenas como protecção
da Natureza, ela é um processo, melhor é uma política nacional de gestão dos
ecossistemas. E como política nacional, para ser eficaz, deve ser transversal a
todos os sectores da economia que interferem directamente com o território e
com as paisagens: agricultura, florestas, energia, rodovias, indústrias, etc.
Todos os sectores da economia devem ter uma componente conservacionista, mas o
organismo que tutela a Conservação tal como toda a política de Ambiente, deve
ser independente dessas actividades sectoriais.
O que não deixa de ser
estranho é que hoje as Áreas Protegidas que incluem parques naturais e reservas
naturais algumas delas consideradas Reservas da Biosfera, estejam sem director
próprio - é também uma especificidade portuguesa, instituída pelo Governo do
PSD/CDS (o PSD, onde já militaram algumas das personalidades mais marcantes da
política de Ambiente, que hoje parece que desistiu dessa vocação social
democrata que o fez nascer).
As AP não servem
apenas para proteger o lobo, o lince, etc; elas deviam ser modelos de economia
social e exemplo para o restante território.
Nestes domínios havia
algumas decisões que se esperava fossem tomadas pelo actual Governo PS, ainda
por cima sustentado por partidos de esquerda, incluindo Os Verdes: um,
que fosse recriado o organismo que faz parte do património administrativo
português - os Serviços Florestais, voltando a conceder-lhe a dignidade a que
tem jus, voltando a pôr em campo o Corpo de Guardas Florestais, enquanto resta
alguma memória do seu contributo patriótico; dois, que os Serviços
Florestais voltem ao Ministério da Agricultura que já tem de novo a designação
“e Florestas”, mas só o nome…; terceiro, que sejam redignificados o ICN
e as Áreas Protegidas, a quem o novo Ministro já disse que directores não é
para já, como se isso fosse uma questão menor!
Ex-Administrador Florestal, fundador e 1.º Presidente do SNPRPP, professor
assistente na Universidade do Algarve
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