EM TEMPO DE ELEIÇÕES E PANDEMIA ESTE ARTIGO AJUDA A PERCEBER A SOCIEDADE EM QUE VIVEMOS!
Este mundo não é para velhos
Nestas eleições, como em todas as outras, iremos votar com um sentido altruísta e de solidariedade intergeracional, contra todos aqueles que no passado recente tentaram criar na nossa sociedade, por interesses mesquinhos, um conflito de gerações.
Jaime Teixeira Mendes
20 de
Janeiro de 2021
Corre nas
redes sociais a chamada Declaração de Great Barrington, uma
carta organizada por proeminentes defensores da imunidade coletiva, que foi
apresentada como sendo assinada por mais de 15 mil cientistas e médicos, bem
como por mais de 150 mil elementos do público
em geral.
O canal
britânico Sky News encontrou, contudo, dezenas de nomes falsos na lista de
signatários médicos, realidade potenciada por se poder inscrever qualquer nome
através do site da declaração (in Observador, 9/10/ 2020).
Facto que levanta mais uma vez a necessidade de averiguação das “fake news”
antes de propagar notícias nos écrans das televisões.
A defesa da
imunidade de grupo, ensaiada por países como a Suécia, Reino Unido e Bélgica, e
apoiada numa carta de médicos e cientistas, a chamada Declaração de Great
Barrington, foi uma experiência negativa que levou à morte desnecessária de
inúmeras pessoas. Felizmente, os erros foram reconhecidos – inicialmente pelo
Reino Unido e a Bélgica, e por último pela Suécia, com um pedido de desculpa do próprio Rei.
Esta e
outras atitudes mostram como as sociedades ocidentais encaram os seus cidadãos
mais velhos. Não como sendo aqueles que pertenceram a uma geração que se ergueu
no pós-guerra e reconstruiu a Europa, descolonizou, dando origem ao
aparecimento de muitos jovens Estados nos continentes africano e asiático, fez
a terceira revolução industrial e lutou com êxito pela melhoria das condições
de trabalho, pelo acesso universal dos povos à educação e à saúde, assim como
na difícil manutenção da Paz. Esta é a geração que foi apelidada de baby
boomer devido ao forte aumento de natalidade no pós-guerra (1940-1964)
e que em Portugal lutou pela Liberdade, viveu a prisão, o exílio, a emigração e
a guerra nas colónias. Luta que valeu a pena, pois restituiu ao país a
dignidade, a liberdade e a justiça social.
É por tudo
isso que não se compreende que se sacrifique esta geração, defendendo um
darwinismo social eticamente reprovável.
Não tenho ilusões que as primeiras ameaças à geração
grisalha vieram do espírito neoliberal, com acusações de que já não era
produtiva, e de que seria um peso para a Segurança Social, como vimos num
passado recente. Mas tentativas para silenciar esta geração “rebelde” estão em
curso e não são certamente apenas da famigerada pandemia
Quando um
país é ameaçado por um invasor, deverão ser os jovens a estar na primeira linha
de combate. Seria inédito, na história, chamar-se os mais velhos a ocuparem as
primeiras trincheiras.
Não tenho
ilusões que as primeiras ameaças à geração grisalha vieram do espírito
neoliberal, com acusações de que já não era produtiva, e de que seria um peso
para a Segurança Social, como vimos num passado recente.
Mas
tentativas para silenciar esta geração “rebelde” estão em curso e não são
certamente apenas da famigerada pandemia.
Numa
entrevista publicada na Philosophie Magazine, de Agosto de 2020,
Andrei Poama, professor na Universidade de Leyde, que estuda a ética da
privação do direito de voto, analisa a proposta da reforma eleitoral em que o
valor do voto de um eleitor diminuí com a idade do cidadão.
A ideia que
uma geração mais numerosa de idosos possa dominar outra de jovens é sustentada
por alguns politólogos. Já no século passado, com argumentos que estes estavam
mais exemptos das consequências dos seus votos que os jovens, Douglas Stewart
propunha retirar o direito de voto a partir dos 70 anos ou da idade da reforma.
Filósofos e
politólogos de vários países defendem que as pessoas idosas participam mais que
os jovens e que assim defendem mais os seus interesses imediatos, ao mesmo
tempo que propõem que o valor do seu voto seja inferior ao de um jovem, ou
seja, metade de o de um jovem de 18 anos.
Enfim,
muda-se o critério normativo: não é a pessoa que conta mas a esperança de vida
e o interesse igual de cada um. Passaríamos de “uma pessoa, um voto” para “um
futuro, um voto”.
Este
pensamento baseia-se na ideia do voto dos velhos ser um voto egoísta.
Acontece que
a geração mais velha tem no seu ADN a solidariedade, e quando vota é também a
pensar nos mais jovens. Toda esta ideia de “um futuro, um voto”, além de
moralmente questionável – acordar ou não o direito de voto segundo a idade –,
põe em causa a essência da democracia.
Estes
conceitos conduzem, inevitavelmente, a encorajar atitudes de discriminação
devido à idade já presentes na nossa sociedade.
Nestas
eleições, como em todas as outras, iremos votar com um sentido altruísta e de
solidariedade intergeracional, contra todos aqueles que no passado recente
tentaram criar na nossa sociedade, por interesses mesquinhos, um conflito de
gerações.
Cirurgião pediatra;
presidente da AMPDS – Associação de Médicos Pelo Direito à Saúde
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