Os profetas do vírus
Por José Goulão Quinta, 26 de Março de 2020
As
pandemias têm as suas oportunidades de negócio. As entidades que montaram o
Event 201 com um coronavírus inventado são as mesmas que se preparam para
extrair avultados dividendos com o coronavírus verdadeiro.
No
dia 18 de Outubro de 2019, dezena e meia de tecnocratas de luxo ao serviço das
mais altas esferas do regime neoliberal globalista reuniram-se num hotel de
Nova York para realizar «um exercício pandémico de alto nível» designado Event
201; consistiu na «simulação de um surto de um novo coronavírus» de âmbito
mundial no qual, «à medida que os casos e mortes se avolumam, as consequências
tornam-se cada vez mais graves» devido «ao crescimento exponencial semana a
semana». Ninguém ouvira falar ainda de qualquer caso de infecção: estávamos a
20 dias de o jornal britânico Guardian noticiar o aparecimento na
China de uma nova doença respiratória provocada – soube-se só algumas semanas
depois – por um novo coronavírus. Os dons proféticos dos expoentes do
neoliberalismo são, sem dúvida, admiráveis.
Segundo
os meios oficiais de divulgação do Event 201, partindo da constatação de que
existem cerca de 200 situações de índole viral por ano bastaram apenas três
horas e meia aos especialistas «para concordarem que é apenas uma questão de
tempo até que uma dessas epidemias se torne global – uma pandemia com
consequências potencialmente catastróficas». Na situação por eles idealizada à
volta de uma mesa apuraram que a crise se prolongaria por 18 meses e provocaria
«65 milhões de mortos» porque «embora no início alguns países possam conter o
vírus ele continua a espalhar-se e a ser reintroduzido, pelo que eventualmente
nenhum consegue manter o controlo».
Montou-se
o exercício, explicam os responsáveis, para avaliar «áreas em que as parcerias
público-privadas serão necessárias durante a resposta a uma pandemia severa
para diminuir as consequências económicas e sociais em grande escala». Por
exemplo, como pode ler-se nas sete medidas recomendadas ao cabo da simulação,
«uma pandemia grave interferiria muito na saúde da força de trabalho, nas
operações comerciais e no movimento de bens e serviços». Em pessoas raramente
se fala, ao longo das explicações relacionadas com o exercício, mas também não
foi disso que trataram os 15 participantes, «associados a negócios à escala
global, governos e saúde pública». Como disse um deles, RyanMorhard,
entrevistado pela agência financeira Bloomberg a propósito da
montagem da simulação, «foi mais de um ano de investigação, um investimento de
centenas de milhares de dólares, mas os ensinamentos extraídos são
incalculáveis».
O que terá acontecido em FortDetrick?
Morhard
representou, no exercício, o Fórum Económico Mundial (anualmente em Davos,
Suíça), cenáculo da banca privada transnacional e do capitalismo selvagem, um
dos organizadores do Event 201 juntamente com a Fundação John Hopkins e a
Fundação Bill e Melinda Gates, entidade que se dedica simultaneamente à
«campanha mundial de vacinação», à travagem do crescimento da população mundial
e à promoção dos interesses dos grandes impérios farmacêuticos mundiais.
À
volta da mesa do hotel de Nova York sentaram-se também representantes oficiais
e oficiosos da ONU, do Banco Mundial, do Centro de Controlo e Prevenção de
Doenças dos Estados Unidos (CDC), da Organização Mundial de Saúde (OMS) e de
grandes empresas, designadamente da área de produção e distribuição de
instrumentos clínicos e medicamentos e do marketing empresarial, além da banca.
Presença especial foi a de Avril Haynes, directora-adjunta da CIA durante a
administração Obama e também ex-consultora jurídica da agência. Haynes parece
especialmente dotada para as profecias no âmbito da epidemiologia, pois já em
2018, num discurso proferido na Camden Conference, anteviu «uma doença
infecciosa provocada por um patógeno facilmente transmissível através das vias
respiratórias» e que «em seis meses afectará todos os cantos do mundo».
18
de Outubro, o dia do Event 201, foi também a data de início dos Jogos Mundiais
Militares em Wuhan, na China. O que terá este facto de especial, além da
coincidência?
Veremos
que, no mínimo, a coincidência dá que pensar. Wuhan é a cidade do centro da
China onde deflagrou, em Dezembro de 2019, o surto de um novo coronavírus,
entretanto designado SARS 2019-nCov, causador da doença designada
por COVID-19. O ponto de emanação terá sido, segundo fica a saber-se
através da comunicação social corporativa – e sem objecções levantadas pelos
novos donos da verdade, os fact-checkers – o mercado de frutos do
mar da cidade. No entanto, entre os primeiros 41 doentes tratados com o novo
vírus nos hospitais de Wuhan, 13 não tiveram qualquer relação com o mercado de
peixe e mariscos. O surto, portanto, não teve origem num só lugar.
Além
disso, um porta-voz oficial do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China,
ZhaoLijian, fez uma declaração que implica outros caminhos na procura do
«paciente zero» da pandemia. «Pode ter sido o Exército dos Estados Unidos que
trouxe o surto para Wuhan», disse perante a teimosia provocatória do presidente
norte-americano em qualificar o COVID-19 como um «vírus chinês». «Sejam
transparentes, tornem os vossos dados públicos, devem-nos explicações»,
desafiou ZhaoLijian.
A
alusão ao Exército dos Estados Unidos e o pedido «de explicações» remetem-nos
precisamente para os Jogos Mundiais Militares em Wuhan, nos quais participou
uma delegação norte-americana de aproximadamente 300 pessoas. E precisamente
durante esses jogos, segundo LarryRomanoff, professor da Universidade de
Xangai, cinco participantes – cuja nacionalidade não foi revelada pelos
organizadores – foram hospitalizados com uma «infecção desconhecida». Isto
aconteceu entre 18 e 29 de Outubro, cerca de oito semanas antes de ser revelada
a existência do surto de novo coronavírus em Wuhan.
A
militarização da narrativa aconselha-nos a recuar um pouco mais no tempo, para
Julho e Agosto de 2019, altura em que foi encerrado subitamente o principal
laboratório de guerra biológica dos Estados Unidos em FortDetrick, Maryland. A
decisão foi tomada pelo CDC invocando falhas em «descontaminar águas residuais»
e deficiências na formação e certificação de pessoal dos laboratórios de
biocontenção. Contudo, esclarece o insuspeito New York Times, o CDC não
teve a possibilidade de fornecer dados mais específicos «por razões de
segurança nacional». Não é top secret, porém, que entre 2005 e 2012
foram elencados mais de mil casos de roubos ou fuga de organismos patogénicos
de laboratórios biológicos norte-americanos – mais de dois por dia.
Estamos
perante elementos circunstanciais e factuais, nada mais do que isso. Mas por
que será que a comunicação social dominante os esconde do grande público e
insiste em amarrar a origem do COVID-19 à cidade de Wuhan?
Como
disse o clínico ZhongNanshan, conselheiro médico chefe da China no combate ao
coronavírus: «Na verdade, a epidemia do novo coronavírus teve origem em Wuhan
(…). Mas isso não quer dizer que a sua fonte esteja em Wuhan». Ou,
parafraseando outro porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China,
GengShuang, trata-se «de um assunto científico, que requer opiniões científicas
e profissionais». Portanto, no mínimo, a situação merece o benefício da dúvida.
Há
muitos obstáculos a remover para se tirar a limpo estas histórias virais.
Medo e pânico
O
profético ensaio realizado em 18 de Outubro num hotel de Nova York insere-se
neste contexto. O Centro de Controlo e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos
(CDC) esteve representado na reunião na pessoa do director adjunto do Serviço
de Saúde Pública e Desenvolvimento da Ciência, Stephen Redd.
Redd
não precisaria de ter dons sobrenaturais para saber duas coisas: as razões do
encerramento do laboratório de guerra biológica de FortDetrick; e os problemas
registados com a elevada taxa de mortalidade de surto de gripe comum (influenza)
na altura registado nos Estados Unidos. Robert Redfield, o director do CDC,
viria a admitir, aliás, que muitas dessas vítimas morreram afinal por acção do
novo coronavírus, o que foi apurado através de exames póstumos. Ficando no ar a
possibilidade de existirem casos letais de COVID-19 nos Estados Unidos antes de
se ter desencadeado o surto em Wuhan.
O
aparecimento da epidemia pouco tempo depois do Event 201 levantou algumas
perplexidades quanto às circunstâncias temporais em que este aconteceu. Há
sempre quem seja céptico quando se trata de adivinhações ou poderes
sobrenaturais.
Tanto
bastou para que as dúvidas e as interrogações fossem cilindradas pelos fact-checkers de
serviço em vários azimutes, que as declararam sumariamente como fakenews e
mais uma manifestação da irredutível tendência para a «teoria da conspiração».
Segundo
essas almas censórias, os participantes na simulação não fizeram qualquer
previsão relacionada com aquilo que previram e o número de mortes calculado –
65 milhões em 18 meses – prova que as suas estimativas não dizem respeito à
pandemia de COVID-19, apesar se relacionarem com um novo coronavírus. O
exercício poderia, em boa verdade, ter decorrido com base num surto de ébola,
de gripe suína H1N1 mas não: os promotores escolheram um coronavírus, nada
mais, nada menos. E os censores não se interrogaram sobre a coincidência desta
opção.
Aos
fact-checkers bastou a garantia dada pelos organizadores da
simulação numa declaração divulgada através dos seus órgãos oficiais já em
plena pandemia real: «Embora o exercício tenha sido realizado com um novo
coronavírus fictício, as entradas que usámos para estabelecer o modelo do
impacto não são semelhantes ao COVID-19». A previsão de 65 milhões de mortes
não vale para o vírus real, podemos ficar descansados. Aliás, neste processo
parece que ninguém tentou lançar o medo e mesmo o pânico entre as instituições
e a população.
Cronologias surpreendentes
O
que não pode ser posto em causa, porque está escrito pelos representantes da
nata do capitalismo selvagem na simulação de Nova York, é que «a próxima
pandemia grave provocará muita doença e perda de vidas mas também poderá
desencadear importantes consequências económicas em torrente (…) Os esforços
para evitar tais consequências ou para lhes responder à medida que se
desenvolvem exigirão níveis sem precedentes de colaboração entre governos,
organizações internacionais e o sector privado».
Estas
considerações servem de introdução às sete medidas aconselhadas pelos
participantes no Event 201 – e começamos assim a chegar ao coração do negócio –
porque é de grande negócio que se trata. Como, noutro plano, grande é o negócio
da geoengenharia e mais formas de «adaptação» às alterações climáticas que
tanto motivam igualmente a Fundação Bill e Melinda Gates e o Fórum Económico
Mundial, promotores das adivinhações de Nova York. As quais «demonstraram
vivamente algumas importantes lacunas nos preparativos para o combate à pandemia»
e permitiram encarar «soluções entre os sectores público e privado que será
necessário preencher».
Revelando
a existência de uma grande e oportuna capacidade de resposta, no último Fórum
Económico Mundial, realizado em Davos entre 21 e 24 de Janeiro, foi logo
apresentado um programa de vacinação contra o coronavírus – apenas duas semanas
depois de o COVID-19 ter sido identificado, em 7 de Janeiro. E ainda uma semana
antes de a OMS ter lançado, a 30 de Janeiro, uma «emergência mundial de
saúde pública» – a declaração de pandemia só aconteceu tempos depois. O tiro de
partida da corrida às vacinas foi dado, portanto, quando havia somente 150
casos de COVID-19 oficialmente detectados no exterior da China, seis deles nos
Estados Unidos.
Mais
vale prevenir que remediar, dir-se-á. Ou o conhecimento de situações que ainda
não são do domínio do grande público permite marcar posições de vantagem – esse
é o poder da informação privilegiada, ou insideinformation.
O
certo é que ainda em 23 de Janeiro, último dia do Fórum de Davos deste ano, a
CEPI (Coalition for EpidemicPreparednessInnovations) entrou decididamente em
campo para tentar tomar conta do processo de criação de vacinas contra o
COVID-19. A CEPI, comissão que centraliza as inovações para o combate a epidemias,
é patrocinada precisamente pelo Fórum Económico Global e pela Fundação Bill e
Melinda Gates e, por essas vias, tem grande peso na Organização Mundial de
Saúde.
A
CEPI lida, em modo tendencialmente monopolista, com vários gigantes da
indústria farmacêutica e, neste âmbito, accionou em primeiro lugar a empresa
norte-americana Moderna Inc. e o Instituto Nacional de Alergias e Doenças
Infecciosas dos Estados Unidos (NIAID), chefiado pelo dr. Anthony Fauci, que se
distinguiu pelas suas declarações atemorizadoras do impacto do novo coronavírus
quando ele praticamente ainda mal se manifestara, em termos de reconhecimento
oficial, no exterior da China. Depois a CEPI contactou a CureVac alemã, a mesma
empresa à qual DonaldTrump, aconselhado pelo NIAID, ofereceu secretamente mil
milhões de dólares para ceder aos Estados Unidos os direitos de uma eventual
vacina para o COVID-19.
A
Moderna é hoje a empresa mais bem posicionada na corrida à vacina do COVID-19:
iniciou testes em seres humanos em 16 de Março mesmo sem ter feito experiências
em outros animais; ao contrário do que aconteceu com a chinesa
CanssinoBiologic’s, também a realizar ensaios em seres humanos mas depois de
ter obtido resultados encorajadores em outros animais.
A
CureVac alemã parece estar igualmente numa fase avançada da investigação da
vacina, o que significa, de facto, um grande controlo dos trabalhos em curso
por parte da CEPI.
Richard
Hackett, o presidente desta comissão, confessou em 3 de Fevereiro que
«conversamos com ampla variedade de parceiros para produzir grande quantidade
de vacinas para uma pandemia» – que então ainda não fora declarada.
Também
Hackett manifesta dons proféticos: «o projecto começou antes de ser descoberto
e identificado o novo coronavírus», disse durante uma entrevista; «fizemos isso
no ano passado ou antes e usámos a informação que reunimos para ir encarando a
preparação de vacinas de diferentes tipos». A estratégia, explicou o presidente
da CEPI, «é ter grande número de candidatos».
Há
claramente um grande esforço das elites neoliberais para não perderem o
controlo da produção de vacinas para o novo coronavírus e tirar proveito da
situação; bem basta terem de contar com a concorrência chinesa.
«Os governos devem…»
Feita
a simulação catastrófica, que medidas recomendaram os iluminados de Nova York
para fazer frente às consequências?
Ao
longo dessa espécie de sete mandamentos a expressão que pode ler-se mais é «os
governos devem…»
«Os
governos nacionais devem», juntamente com as organizações internacionais e a
indústria privada, «reforçar os stocks mundiais de contra-medidas médicas (…)
expandir o stock de vacinas (…) doar parte das suas reservas de vacinação (…)
fornecer financiamento substancial». É oportuno notar que o reforço e
centralização de instrumentos médicos foi a única medida tomada até agora pela
União Europeia no âmbito do combate à pandemia de COVID-19.
«Os
governos nacionais devem fornecer mais recursos e apoio ao desenvolvimento e
fabrico de vacinas, ao desenvolvimento, abastecimento e distribuição rápida e
em grandes quantidades de contra-medidas médicas»; além disso, os países «com
recursos suficientes devem aumentar bastante essa capacidade».
«Os
governos nacionais devem»… ajudar as grandes empresas do sector privado «a
encarar os riscos comerciais representados por doenças infecciosas e a caminhar
para atenuar esses riscos através da cooperação público-privada».
Mas
«também será necessário identificar» os problemas «mais críticos do sistema
bancário e das economias globais necessárias e demasiado importantes para
fracassar», aconselham. Por isso, «o Banco Mundial, o FMI, os bancos de
desenvolvimento regional, os governos nacionais e fundações devem explorar as
maneiras de aumentar a quantidade e a disponibilidade de fundos e garantir que
possam ser utilizados com flexibilidade». E o Grupo dos 20 (G20) acaba de
prometer mundos e fundos para injectar na economia global.
«Os
governos devem», «os governos devem», «os governos devem» é o mote.
Porém,
advertem os profetas da simulação, «uma pandemia particularmente veloz e letal
poderia resultar em decisões políticas para retardar ou interromper o movimento
de pessoas e bens, prejudicando potencialmente as economias já vulneráveis perante
um surto». Daí «a necessidade de mitigar os danos económicos mantendo-se as
principais rotas de viagem e comércio durante uma pandemia de grande escala»,
até porque grande parte dos danos «devem-se a comportamentos contraproducentes
de indivíduos, empresas e países».
Esta
recomendação não parece ter sido ouvida ou então a pandemia real surgiu
demasiado em cima da pandemia ficcionada. «Não agimos de maneira
suficientemente rápida», lamentou muito recentemente o próprio Bill Gates.
Mas
parece haver quem esteja disponível para emendar o «erro» e a estratégia: o
presidente dos Estados Unidos pediu o regresso ao trabalho exactamente no
momento em que o ataque do COVID-19 começa a ter repercussões trágicas no seu
país. Wall Street agradeceu e logo começou a compensar as perdas vultosas
sofridas nas últimas semanas.
Porque
as pandemias, verdade seja dita, têm as suas oportunidades de negócio. Por
isso, as entidades que montaram o Event 201 com o coronavírus inventado são as
mesmas que, a jusante, se preparam para extrair avultados dividendos com o
coronavírus verdadeiro – juntando a ficção à realidade.
Enquanto
as pessoas morrem.
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