terça-feira, 22 de dezembro de 2015

    
                                                                                                                                                                          O CASO BANIF É UM EXEMPLO DE COMO OS INTERESSES PARTIDÁRIOS E ELEITORAIS SE SOBREPÕEM AOS INTERESSES DO PAÍS E DOS PORTUGUESES.
A POLÍTICA DO VALE TUDO NÃO PODE NEM DEVE FICAR ASSIM, TEM DE HAVER RESPONSÁVEIS, A IMPUNIDADE É UM CRIME, ATÉ PARECE QUE SÓ O VALE E AZEVEDO É O MAIOR CRIMINOSO QUANDO NEM FEZ AO PAÍS NEM 1% DOS PREJUÍZOS QUE ESTES DELIBERADAMENTE CAUSARAM.

JUNTO UM ARTIGO E UMA EDITORIAL QUE EXPRESSAM BEM A INDIGNAÇÃO QUE TUDO ISTO PROVOCA.


Um monumento à irresponsabilidade da era Passos


21/12/2015 -

A gestão do anterior Governo neste caso não merece perdão

O estouro do Banif é um exemplar manifesto de incompetência, irresponsabilidade e dolo. Desta vez, e ao contrário do que aconteceu com o BES, não se conhecem actos de manipulação de informação relevante nem práticas de gestão suspeitas de condutas criminosas. Quando António Costa nos deu conta da resolução do Banif e da brutal factura que todos teremos de pagar, foi muito fácil constatar que este era um desastre cada vez mais evidente a cada adiamento, a cada varrer do lixo para baixo do tapete, a cada hesitação denunciadora da falta de coragem. Desde Dezembro de 2014 que se sabia que o Banif não conseguia assumir os seus compromissos com o Estado, desde sempre que se conhecia o criticismo e receio com que a Direcção-Geral de Concorrência da Comissão Europeia olhava para a forma como o Governo geria a situação. Os oito planos de reestruturação chumbados eram prova cabal de que o tempo não resolveria coisa nenhuma. Nestes três anos, Maria Luis Albuquerque, Pedro Passos Coelho e o Governador do Banco de Portugal limitaram-se porém a tergiversar, a prometer soluções que ora não avançavam por causa da saída limpa, ora ficavam congeladas por causa do calendário eleitoral.



A política tem de começar a ser diferente da vigarice
21/12/2015
A melhor notícia dos últimos dias foi ouvir António Costa dizer que a solução encontrada para o Banif iria ter um "custo muito elevado para os contribuintes".
1. Informações essenciais escondidas do Parlamento e do povo pelos partidos da direita para obter dividendos políticos e para evitar uma maior punição nas eleições. Falsas declarações prestadas por responsáveis políticos e por governantes com o objectivo de branquear a situação financeira. Mentiras em série produzidas activamente ou por omissão pelo governo PSD-CDS e pelo Banco de Portugal. Decisões urgentes adiadas por razões eleitorais apesar de isso causar graves prejuízos à banca, às finanças nacionais, ao Estado e a todos os portugueses. Pode-se dizer que é política, pode-se dizer que são as finanças, pode-se dizer que são os bancos, mas a verdade é que todas estas coisas parecem, cada vez mais, ser casos de polícia. Como se classifica um acto, praticado conscientemente, premeditadamente, por um grupo organizado de pessoas conhecedoras e com acesso a toda a informação, que se traduz na perda de milhares de milhões de euros para o Estado — no desaparecimento de milhares de milhões de euros dos nossos bolsos (para não falar nos prováveis despedimentos)? Como se classifica a propagação sistemática de mentiras sobre o nosso património por parte daqueles que foram encarregados de o gerir com o máximo de prudência, de transparência, de sensatez e no mais rigoroso respeito da legalidade? Como se classifica o recurso a mentiras e a esquivas sistemáticas para obter um benefício político imerecido? Como se classifica uma negligência reincidente desta dimensão por parte de uma (duas? três?) das principais entidades reguladoras nacionais?
A verdade é que é difícil classificar tudo isto porque toda a história do Banif, como outras antes dela, nos parece inverosímil de tanta negligência, de tanto descaramento, de tanto sectarismo político, de tanta irresponsabilidade, de tanto fanatismo ideológico, de tanto desprezo pelos cidadãos e pela democracia.
A verdade é que, ao longo dos últimos anos, cada vez mais, a política e as finanças (em particular a banca) foram-se tornando cada vez mais parecidas com casos de polícia e tornou-se cada vez mais difícil distinguir entre um ministro e um vigarista ou entre um banqueiro e um gangster. E isso é grave porque, se a realidade recente e a história nos confirmam que existem mil razões para não confiar em ministros e em banqueiros, a verdade é que vamos precisar de ministros e de banqueiros honestos e competentes.
É por isso que a primeira prioridade do Governo de António Costa e da esquerda que o apoia no Parlamento tem de ser devolver a credibilidade à acção política (apesar da herança do consulado do PSD e do CDS), devolver a credibilidade à acção governativa (apesar da herança do governo de Passos Coelho), devolver a credibilidade ao sistema financeiro (apesar do BPN, do BPP, do BCP, do BES, do Banif, do Montepio e do que mais adiante se verá) e devolver a credibilidade ao regime de regulação (apesar da inacção do Banco de Portugal e da CMVM), o que significará necessariamente reformar de forma profunda os procedimentos dos reguladores.
É preciso que o Governo actual e a esquerda que o apoia faça diferente e que mostre como é possível, necessário e benéfico fazer diferente. É por isso que a melhor notícia que tive nos últimos dias foi ouvir António Costa dizer que a solução encontrada para o Banif iria ter um "custo muito elevado para os contribuintes". Porquê? Porque, depois de quatro anos de falsidades e propaganda, cheguei a um ponto onde o que quero ouvir da boca do Governo não são boas notícias, mas apenas a verdade. Se pudermos ter um Governo que fala verdade, essa será a melhor notícia possível.
2. Manda a tradição que, nestes dias que antecedem o Natal, se desejem Boas Festas aos amigos e a todos os homens e mulheres de boa vontade e se exprimam votos para o futuro. Faço-o, pela primeira vez desde há alguns anos, com uma esperança nova, porque penso que este Natal pode ser o início de um tempo mais justo e mais feliz para todos, um Natal de verdadeiro renascimento, como há muito não ousávamos sonhar.
Desejo e penso que é possível que o ano de 2016 marque o início de um trabalho de construção de felicidade e de bem-estar para todos de que nos possamos orgulhar durante toda a nossa vida e que possa ser um exemplo encorajador para o mundo.
Usei estas mesmas palavras há dias para exprimir os meus votos no Facebook e alguns amigos acharam exagerada a referência ao “exemplo para o mundo”. Mas é isso que penso. Sei que não há nada mais mobilizador do que um desafio e não vejo nenhuma razão para que não nos disponhamos a vencer o maior desafio de todos. Ao contrário daquela visão pequenina que considera que os portugueses se devem contentar em servir bem os poderosos, não há nenhuma razão para que Portugal não se torne um exemplo na construção de uma sociedade melhor.
jvmalheiros@gmail.com


terça-feira, 1 de dezembro de 2015


UM GOVERNO SEM TEMPO PARA ERRAR

01/12/2015
Os últimos dias deram muitas razões de alegria aos democratas. Não, não digo às pessoas de esquerda. Digo aos democratas. Àquelas pessoas que acreditam que a soberania reside no povo e que todos os cidadãos, todos sem excepção, são iguais em direitos e devem ser livres para exercer esses direitos e para beneficiar dos seus frutos. Àquelas pessoas que acreditam que a liberdade é um valor universal e que pertence a todos por igual e não apenas aos que têm mais rendimentos, um nome de família mais ilustre, mais instrução ou mais qualquer outra coisa.
Depois de um Governo onde a desigualdade foi transformada em valor supremo, onde nos tentaram convencer de que a educação devia ser distribuída conforme a origem de classe dos estudantes, que a cultura apenas devia servir para benefício dos ricos, que o desenvolvimento do país exigia que se aumentassem as desigualdades salariais porque aí estava o segredo da competitividade, que a posição de Portugal na União Europeia devia ser a de um subalterno dos países mais poderosos, que a segurança no desemprego, na doença e na velhice dos cidadãos apenas podia ser garantida a quem tivesse um pé-de-meia considerável no banco, pôr um ponto final nessa iniquidade não pode ser visto senão como um sinal de esperança pelos democratas.
O grande motivo de alegria é pois o fim de um Governo de patriotas de lapela e colaboracionistas no coração que se dispunha a destruir alegremente o país, pilhando o património que pudessem, destruindo o Estado e humilhando os trabalhadores, aumentando a dívida pública e recusando-se a defender o país nos organismos internacionais para não indispor os poderes.
Outro motivo de alegria é o programa do Governo do Partido Socialista, onde o combate ao empobrecimento, ao desemprego, a defesa dos serviços públicos e a aposta na educação, na investigação e na inovação ocupam um papel central. É curioso que os senhores antiliberais que se chamam a si mesmo “liberais” para fingir que prezam a liberdade, mas que apenas defendem a liberdade dos poderosos explorarem os mais frágeis, nunca vieram a terreiro dizer que a pobreza e o desemprego eram intoleráveis porque reduziam a nada a liberdade de escolha dos cidadãos.
Outro motivo de alegria - aqui, principalmente para os cidadãos de esquerda - são os acordos de incidência parlamentar celebrados entre os PS e os partidos à sua esquerda para viabilizar o Governo, o programa e a governação socialista.
Estes acordos não deveriam ser apenas motivo de satisfação para as pessoas de esquerda porque eles significam algo que todos os democratas deveriam prezar: o fim do famigerado conceito antidemocrático de “arco da governação”, que defendia e pretendia incutir no espírito dos cidadãos a ideia segundo a qual alguns partidos possuíam um direito divino a exercer a governação e que outros deveriam para sempre ficar relegados à oposição, numa espécie de coro sem poder; e o fim de uma tradição de acção política por parte dos partidos à esquerda do PS baseada na crítica e no protesto mas que só raramente era submetida à prova da realidade. A entrada do BE, do PCP e do PEV para o clube dos partidos que podem participar na governação - como manda o direito, a democracia e a decência em relação a todos os partidos com assento parlamentar - significa que, pela primeira vez na história da democracia, a reserva de ideias onde mergulham as raízes da governação é mais rica do que antes e permite, por isso, encontrar melhores soluções.
Agora que o Governo está em funções e que tivemos uns dias para celebrar, entramos na fase mais séria da acção política. Sabemos todos que os riscos são imensos: a nossa economia está tão frágil como antes do XIX Governo de Passos Coelho; as nossas finanças estão ainda mais frágeis (apesar da propaganda); as reformas estruturais necessárias (justiça, administração pública, energia, inovação, formação profissional, etc.) não foram feitas e apenas se procedeu, com esse nome, à redução dos salários e à precarização do trabalho; a fragilidade dos bancos é maior; a situação económica e financeira da Europa está mais frágil; o ambiente internacional mais agitado. O que nos espera é difícil e será provavelmente duro. Como cidadãos, o que nos cabe é exercer o dever da maior exigência cívica que este país já viu em relação ao Governo de António Costa. A nossa responsabilidade é - ao contrário da deselegante descarga de fel de Cavaco Silva e da irresponsável oposição sistemática prometida pelo PSD e pelo CDS - garantir ao novo Governo toda a lealdade e toda a cooperação mas nenhuma condescendência, nenhuma complacência. Não temos tempo. Este Governo vai ter de governar bem em tempos difíceis e isso também depende de nós, da exigência que demonstrarmos, da vigilância que exercermos, das críticas que fizermos, dos debates que promovermos.
Uma das circunstâncias que me dão maior confiança neste Governo é, curiosamente, uma que preocupa alguns comentadores: a sua dependência parlamentar do BE e do PCP. A mim, essa vigilância dá-me confiança e espero que, com ela, o PS possa mostrar o melhor de si.
jvmalheiros@gmail.com


terça-feira, 10 de novembro de 2015

ESPERANÇA!


Hoje, a esta casa, regressou a Democracia. O Voto da maioria triunfou e abriu um novo caminho de esperança, de mais justiça social. As pessoas concretas e os seus reais problemas passam a contar mais que os interesses egoístas dos "mercados".
A aritmética foi clara, 62% dos eleitores votaram contra a austeridade assassina que empobreceu deliberadamente o país, contra 38% que ainda acreditaram que tal política era melhor. 
E são os representantes dos 38% que afirmam ter ganho e querem governar a todo o custo para manter a mesma política suicida. Mais, agarrados ao poder e às mordomias acusam os outros de quererem assaltar ilegalmente o poder. Desfaçatez nunca lhes faltou.
Hoje abri a garrafa de champagne que estava desde Domingo no frigorífico à espera desta votação, e aqui em casa brindamos à Esperança num Portugal melhor,  mais justo e decente.
MC



Por José Vítor Malheiros     ESPERANÇA!
10/11/2015
Sabemos que os tempos que se avizinham serão difíceis. Um governo que defenda estes princípios será atacado por todos os interesses.
Tomemos um exemplo. Apenas um exemplo. “Proibição das execuções fiscais sobre a casa de morada de família relativamente a dívidas de valor inferior ao valor do bem executado e suspensão da penhora da casa de morada de família nos restantes casos”.
É uma das 70 medidas sobre as quais PS, PCP, BE e PEV chegaram a acordo.
Será uma medida justa? É justa. Haverá algo mais elogioso que se possa dizer de uma medida política? Haverá alguma etiqueta mais nobre no dicionário? Penso que não. Haverá algo que seja melhor para a sociedade, para a economia, para o desenvolvimento, do que uma medida justa? Penso que não. Porque as pessoas tratam os outros como são tratadas e nada pode ser melhor para uma sociedade onde todos tentam ser justos, onde todos tentam fazer o bem.
É uma medida humana, feita à medida das pessoas. Uma daquelas que quereríamos que alguém tomasse em nossa defesa e em defesa da nossa família se estivéssemos naquela posição de fragilidade e, por isso, simplesmente por isso, uma medida que é justo que todos tomemos em defesa dos outros.
Qual é o benefício? Retirar de cima das famílias, dos pais, o terror de que os seus filhos sejam forçados a viver na rua, a vergonha de que a sua família seja obrigada a esmolar abrigo junto de familiares ou amigos, roubando-lhes o resto de dignidade que o desemprego, as dívidas e a pobreza não levaram ainda. Tirar a casa a uma família é condená-la a uma pena perpétua, se não de miséria pelo menos de opróbrio, de vergonha e de medo. E no entanto… no entanto… quantos milhares de famílias não foram assim lançadas para o inferno nos últimos anos, em nome de uma política cega que considerava que era preciso castigar as pessoas mais frágeis pela sua fragilidade e de uma burocracia apenas capaz de ver números onde havia pessoas? Quantos milhares de famílias não foram assim lançadas para o inferno em nome de uma destruição redentora que as tornaria mais fortes, mais eficientes, mais diligentes? Quantas crianças não foram lançadas para a rua para ensinar aos seus pais que deviam ser mais empreendedores?
Qual é o prejuízo desta medida? Qual é o inconveniente, o custo? Nenhum. As dívidas podem ser cobradas de outra forma, eventualmente penhorando até outros bens (salários, bens móveis) e o facto de uma família não ser condenada ao desespero aumenta a probabilidade de que um dia venha a equilibrar a sua vida e pagar com mais facilidade as suas dívidas.
Se houvesse apenas esta medida no acordo, isso seria suficiente para marcar o dia da sua assinatura com uma pedra branca. Mas não há. Como esta há muitas outras, que têm em comum algumas preocupações centrais: a protecção dos mais frágeis, a inclusão dos mais sacrificados, o reforço dos serviços públicos essenciais, a sustentabilidade ambiental.
Sabemos que isto é apenas o início, mas é um início auspicioso. Um programa que protege os cidadãos acima de tudo, em vez do dinheiro. Um programa que olha para os cidadãos como tendo todos a mesma dignidade.
Sabemos que isto é apenas o início e que tudo o que segue, daqui para a frente, será muito difícil. Mas todas as dificuldades são bem-vindas quando se trata de construir um futuro solidário, sem excluídos, sem escorraçados, sem párias. Um futuro como sonhámos depois do 25 de Abril e que depois, sem que se tenha percebido bem porquê, se perdeu em labirintos, intrigas e areias movediças.
O acordo PS-BE-PCP-PEV não é uma esperança porque garante a estabilidade do governo do PS, em vez de um governo PSD-CDS. O acordo da esquerda é uma esperança porque ele esboça de novo um programa que defende os direitos de todos contra os privilégios de alguns, o bem-estar de todos contra a ganância de alguns, a liberdade de todos contra os abusos de alguns, a igualdade de todos contra as prerrogativas de alguns, a solidariedade de todos contra o egoísmo de alguns.
Sabemos que os tempos que se avizinham serão difíceis. Um governo que defenda estes princípios será atacado por todos os interesses, por todos os privilegiados de todos os privilégios, por todos os preconceitos, por todos os rancores. Sabemos que as primeiras frentes de ataque se concentrarão nas frestas existentes entre os vários signatários, tentando desfazer o seu acordo, ampliar diferenças, acicatar rivalidades, difundir intrigas, comprar traições. Sabemos que o acordo que hoje celebramos tem fragilidades porque acabou de nascer e porque vai ter de ser reconstruído dia-a-dia pelos seus autores, numa prática quotidiana de debate que confronte todas as diferenças sem perder de vista os grandes objectivos. Sabemos que muito pouco está garantido e muito está em jogo. Mas também sabemos que temos muito aliados dentro e fora das fronteiras, em todos os homens e mulheres de boa vontade. Sabemos que a honra é mais forte que a ignomínia. Que a dignidade é mais forte que a subserviência. Que a liberdade é mais forte que a submissão. E sabemos, enfim, que podemos ter esperança.
jvmalheiros@gmail.com


terça-feira, 27 de outubro de 2015

O QUE ESTÁ EM CAUSA?



O QUE ESTÁ EM CAUSA?

Metade das famílias portuguesas vive com menos de mil euros por mês
Por Lusa
27/10/2015
Entre os cerca de 1200 inquiridos pela Associação para a Defesa dos Direitos do Consumidor, 18% das famílias não conseguem pagar as contas e aprestação da casa.
As famílias com mais dificuldades em fazer face às despesas diárias são as que têm filhos pequenos Paulo Pimenta
Metade das famílias portuguesas com filhos menores sobrevive com menos de mil euros por mês e 18% não consegue pagar a prestação da casa e as contas da água, luz e gás, revela um estudo da Deco.
Sim, são as desigualdades crescentes, o modelo capitalista de destruição económica assente em baixos salários, o desemprego e a emigração, a destruição dos serviços públicos, a justiça que desprotege os pobres, a venda do país ao desbarato, o que na verdade está em causa.
Não a NATO e o Euro etc. O que une as esquerdas é o sentimento de urgência em travar este ataque destruidor da democracia e criar condições democráticas de alternativa.Daí a fúria dos "cavacos"

Coisas simples que Cavaco não percebe
27/10/2015
O princípio que afirma “quem ganha as eleições deve governar” tem sido repetidamente enunciado, glosado, gritado e guinchado pela direita nos últimos dias. E, dito assim, e ouvido com o sentido crítico em ponto morto, parece fazer sentido. Mas, neste particular como em tudo, convém distinguir a opinião dos factos e acontece que a norma constitucional ou o princípio jurídico ou a tradição política que afirma “quem ganha as eleições deve governar” não existe. E, quando alguém afirma que ele existe, mente.
Se alguém quiser dizer “eu acho que quem ganha as eleições deve governar” tem todo o direito de o fazer, mas trata-se aqui de uma expressão de vontade pessoal, que não tem (e, verdade seja dita, não exige) nenhuma ancoragem na realidade da lei ou da política. Da mesma maneira, é aceitável que se diga “em princípio, quem ganha as eleições deve governar” mas, como todas as frases que começam com esta fórmula de caução, isso quer dizer que, em muitas circunstâncias, não acontece como “em princípio”.
De facto, se “quem ganhasse as eleições devesse governar” e se esse tivesse sido o entendimento dos constituintes, teria sido fácil incluir o preceito na Constituição. Mas o que lá está escrito é que “o Primeiro-Ministro é nomeado pelo Presidente da República, ouvidos os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais” (artigo 187º) e que o novo governo, para governar, não pode ver o seu programa rejeitado pelo Parlamento (artigo 195º). Ou seja, para nomear um primeiro-ministro é preciso que o Presidente da República o queira fazer, que ouça previamente os partidos políticos e que a sua nomeação “tenha em conta os resultados eleitorais”, o que é, convenha-se, uma norma algo vaga, que apela fundamentalmente ao bom senso. E, para que um novo governo entre efectivamente em funções basta que o seu programa não seja rejeitado pelo Parlamento.
Por que é que quem ganha as eleições (entenda-se por esta expressão “o partido ou coligação que tenha obtido mais votos”) não adquire, por esse simples facto, o direito a governar, sem mais considerações? Porque um partido pode ter mais votos que qualquer um dos outros e não ter, por esse facto, um apoio suficiente no Parlamento para garantir a governabilidade e estabilidade (como acontece com a coligação PSD-CDS neste momento). Assim, sabiamente, a Constituição impõe ao Presidente da República que use do bom-senso (uma imposição que Cavaco Silva considera intolerável) e faça o seu melhor para, sem violar o sentimento expresso nas urnas pela maioria dos portugueses, encontrar uma solução governativa não só funcional mas tão estável quanto possível.
No máximo, poderia defender-se que “quem ganha as eleições deve ser indigitado PM” e apresentar-se depois ao Parlamento ver se consegue um apoio maioritário ou não - mas a Constituição nem sequer isso exige.
Uma das razões por que o princípio “quem ganha as eleições deve governar” ou “o partido que tem mais votos deve governar” não faz sentido é porque, a existir, ele implicaria que, no caso de uma maioria relativa (como a que tem a coligação PSD-CDS neste momento) outros partidos fossem obrigados a deixar passar o programa de governo, de forma a viabilizar o governo minoritário, ainda que tivessem de ir contra a sua consciência e trair o seu eleitorado, os seus programas, princípios e promessas. Não faria sentido. Os fanáticos da direita que gritam que o PSD deve poder governar porque teve mais votos que o PS estão de facto a dizer, forçosamente, que o PS devia deixar passar o programa do PSD, por muito que aqueles o considerem anti-patriótico, anti-democrático, socialmente injusto, empobrecedor, irrealista e destruidor de riqueza. Não faz sentido e é evidente que se trata de uma argumentação desonesta, que os próprios nunca aplicariam se a situação fosse ao contrário.
Por que razão, então, houve no passado governos minoritários? Porque não foram rejeitados pela maioria do Parlamento.
A Constituição, note-se, obriga o Presidente da República a “ter em conta os resultados eleitorais”, globalmente, e não apenas os votos do partido mais votado. Se Cavaco insistir, de forma sectária, em apenas indigitar e empossar um Governo se ele for encabeçado pelo seu próprio partido, ainda que ele seja minoritário e tenha contra si a maioria do Parlamento, e se recusar a indigitar e empossar um Governo dirigido por António Costa, ainda que ele tenha a suportá-lo a maioria do Parlamento, estará a ignorar este imperativo constitucional. Será uma decisão de uma extrema gravidade, inaceitável num regime democrático e incompatível com um regime democrático.
Há quem vocifere, à direita que, se é assim, então passa a ser impossível ter governos minoritários e vai ser muito mais difícl ter governos estáveis. Não é verdade. Um governo minoritário pode ser respeitável, o que o actual governo PSD-CDS não é e o próximo também não será. Não é o facto de esta coligação não conseguir gerar um governo que seja minimamente respeitável que significa que outro governo minoritário não o possa ser.



terça-feira, 6 de outubro de 2015

VOTO INÚTIL


o voto inútil


06/10/2015

Um em cada quatro portugueses que votaram PSD ou CDS em 2011 fugiu agora do voto à direita.

A coligação de direita PaF ganhou as eleições. Contra toda a razoabilidade, mas como as sondagens previam. Ganhou as eleições, mas perdeu. Perdeu a maioria absoluta. Perdeu cerca de 12% pontos percentuais. Perdeu mais de 730.000 votos. Perdeu 22 ou 23 deputados.

Se olharmos para estas perdas, a leitura é evidente, independentemente dos gostos políticos. Há menos pessoas hoje a querer um governo da direita do que havia em 2011. Um número muito elevado de portugueses que votaram PSD ou CDS em 2011 (um em cada quatro), fugiu agora do voto à direita, o que significa uma condenação da governação do PSD-CDS e uma condenação das políticas de austeridade. A base de apoio da direita encolheu.

O PS perdeu as eleições. Perdeu porque não ultrapassou o PaF. Perdeu porque fez um programa de direita light, sem alma, sem convicção, sem visão e sem coragem. Perdeu, mas ganhou. Ganhou mais de quatro pontos percentuais. Ganhou mais de 180.000 votantes. Ganhou 13 ou 14 deputados. A base de apoio do PS cresceu. Quanto a António Costa, perdeu sem ganhar nada. Perdeu porque não conseguiu melhor, em termos numéricos, que a vitória poucochinha de António José Seguro nas europeias - que, foi, apesar de tudo, uma vitória.

Mas é claro que estes números não dizem tudo por si só. A coligação PSD-CDS ganhou porque continua a ser a formação partidária com mais votos. O PS perdeu porque não conseguiu ultrapassar o PaF e perdeu porque nem sequer captou todos os votantes que abandonaram o PSD-CDS. Ou, se os captou pela direita, perdeu a maioria deles pela esquerda.

O Bloco de Esquerda ganhou. Foi o único que ganhou mesmo. Quase duplicou a sua votação em número de votos (288.206 para 549.153) e em percentagem (5,19% para 10,22%) e obteve um recorde em número de deputados: 19 em vez dos 8 que tinha e mais que os 16 que eram a sua marca máxima.

A CDU também ganhou. Ganhou porque aumentou a sua percentagem de votantes (7,94% para 8,27%). Ganhou porque conquistou 3.400 novos votantes. Ganhou mas perdeu. Perdeu porque foi ultrapassado pelo BE. Perdeu porque, dos mais de 260.000 votantes que se deslocaram nesta eleição para a esquerda do espectro parlamentar, apenas captou aqueles escassos 3.400.

O CDS ganhou. Ganhou porque faz parte do PaF, que ganhou. Mas como o PaF nem sequer conseguiu o mesmo número de votos que o PSD sozinho nas últimas eleições (teve menos uns 167.000), fica a suspeita de que o CDS possa ter perdido. Talvez tenha até desaparecido.

O PAN ganhou porque elegeu um deputado. O Livre/Tempo de Avançar perdeu porque não elegeu nenhum.

A direita ganhou porque o partido/coligação mais votado é de direita e porque vai formar governo. Mas perdeu porque os cidadãos deram à esquerda quase o dobro de votos que deram à direita e porque o governo de direita viverá numa instabilidade constante devido à falta de apoio parlamentar.

A esquerda ganhou porque teve quase duas vezes mais votos que a direita. Mas perdeu porque não se consegue entender para formar governo, nem sequer para concretizar uma actividade legislativa consequente.

A direita ganhou porque a esquerda não a irá derrubar com medo de que o PSD e o CDS se vitimizem e consigam uma maioria absoluta em eleições antecipadas. A esquerda ganhou porque vai ter o governo a comer da sua mão no Parlamento.

Quanto aos partidos, é isto.

Quanto aos cidadãos, é diferente. Os cidadãos votaram maioritariamente contra a política de austeridade mas vão continuar a ter um governo neoliberal austeritário. Perderam. O seu voto foi inútil.

Os cidadãos votaram maioritariamente à esquerda, mas não vão ter um governo de esquerda porque as organizações de esquerda não conseguem construir uma plataforma comum elementar que reúna o PS com os partidos à sua esquerda. Perderam. O seu voto foi inútil.

Os cidadãos que votaram no PS, por convicção ou “voto útil”, todos decididos a impedir a vitória da direita, vão ver o PS a viabilizar, “violentamente” ou não, o governo PSD-CDS. António Costa fez, na própria noite das eleições, a lista das suas moderadas exigências para deixar passar o governo de direita e Fernando Medina repetiu o discurso ontem nas comemorações do 5 de Outubro. Costa não vai fazer coligações negativas que tragam instabilidade. Os votantes no PS perderam. O seu voto foi inútil.

Como foi inútil o voto dos 43% que se abstiveram e a quem se pode aplicar a citação de Einstein sobre os militares: por que razão têm estas pessoas um cérebro, quando uma simples medula espinal seria suficiente para as suas necessidades?

A principal conclusão destas eleições é esta: não há voto mais inútil do que o “voto útil” porque ele irá trair a vontade dos eleitores na primeira oportunidade.

Os portugueses vão continuar a empobrecer, com a excepção dos cinco por cento de cima. O nosso património colectivo vai continuar a ser dilapidado e oferecido a baixo preço aos amigos dos cinco por cento. Os serviços públicos vão continuar a degradar-se e a ser privatizados. Passos e Portas vão continuar a dobrar a espinha perante os diktats estrangeiros.

jvmalheiros@gmail.com


quinta-feira, 1 de outubro de 2015

4 DE OUTUBRO RESIGNAÇÃO OU VIRAGEM



Estamos na ponta final do período eleitoral mais negro e perigoso da nossa Democracia. Caso ganhe a coligação de direita vai continuar a política de austeridade acompanhada do aumento da pobreza e da diminuição do papel do Estado na saúde, nas reformas e nos apoios sociais.
Desejando ardentemente que perca e bem, não basta derrotar este desgraçado governo, é necessário uma alternativa que só pode ser obtida através de um entendimento das forças democráticas. Este é o problema central, caso não se entendam teremos governos fracos e de curta duração.
Os dois textos que se divulgam ajudam melhor a perceber o que está em jogo, e são mais instrutivos que os debates ideológicos e políticos com linguagem de pau que muitos não percebem.
Pessoalmente vou votar Livre/tempo de Avançar, a única coligação que à partida afirma que quer na AR desbloquear a incompreensível teimosia e falta de diálogo das forças democráticas. Não é com ódios velhos que resolvemos os problemas actuais. Precisamos de nova mentalidade e responsabilidade. Primeiro o país e os portugueses.




Opinião
A pobreza, os pobres, as políticas governamentais e as promessas eleitorais
Por Maria José Casa-Nova
01/10/2015
Vejo pobres diariamente como não via desde a minha infância.
Por razões profissionais, desloco-me com alguma regularidade a Lisboa. Numa das últimas viagens, à chegada a Santa Apolónia, com o tempo à justa para a reunião de trabalho que me esperava, almocei num pequeno restaurante existente na estação.
No final da refeição engolida rapidamente e sem tempo para a terminar, levantei-me para pousar o tabuleiro. Nesse momento, um senhor aproximou-se e, de forma muito delicada, perguntou: “Desculpe, não vai comer mais? Posso ficar com o tabuleiro?” Não interessa como reagi, mas a indignação que senti. Vejo pobres diariamente como não via desde a minha infância. Uma pobreza mais ou menos camuflada, mais ou menos envergonhada, mais ou menos flagrante, mas ver procurar alimento nos caixotes do lixo ou ver pedir os restos dos alimentos de outros, gela-me o corpo e a alma, embarga-me a garganta, rasa-me os olhos, faz doer todas as terminações nervosas do corpo.
Nos últimos anos vimos crescer o número de pobres e a pobreza (ver artigo meu e de outros colegas no Público de 09/06/2015, “Infâncias pobres e pobreza em Portugal como escolha política”); vimos crescer assustadoramente as lojas sociais e as cantinas sociais. Olho-as com o olhar de socióloga socialmente comprometida. O seu significado faz-me pensar no país em que nos tornamos: crescimento exponencial do desemprego e consequente crescimento exponencial da emigração (dos menos e dos mais qualificados). Ouvimos governantes referir que é preciso “sair da zona de conforto” e emigrar como se algum conforto houvesse nas situações em que a diferença entre emigrar ou permanecer é do tamanho da incomensurabilidade entre morrer devagar ou (sobre)viver no sofrimento do abandono familiar, da solidão, da dor de ver o seu país retroceder na humanização da sua sociedade. Vimos o fecho de hospitais, o despedimento de profissionais de saúde, o despedimento de professores, o despedimento de trabalhadores no sector privado; vimos a descapitalização da segurança social; vimos a privatização de sectores-chave da nossa economia, cujo montante arrecadado foi sorvido pelos custos dos escândalos financeiros do BPN e do BES e não na melhoria das condições de vida das portuguesas e dos portugueses. Vimos o nosso (ainda não sustentado) Estado Social transformar-se num Estado assistencialista; os Direitos Sociais transformados em caridade, em benevolência estatal, as reformas cortadas, o Rendimento Social de Inserção um luxo e não uma segurança de limiar mínimo de sobrevivência física. E hoje, atónita, vejo o ainda governo referir que “a próxima legislatura será obviamente social” (Paulo Portas, Jornal I, 29/07/2015) e o Primeiro Ministro, Passos Coelho referir, na apresentação do programa da coligação PSD/CDS-PP, que “Poderemos nos próximos quatro anos levar mais longe a aposta na Educação, a aposta na Saúde, a aposta no social. Nos próximos quatro anos poderemos devolver mais Estado Social, mais liberdade de escolha, afirmando uma política segura” (Jornal I, 29/07/2015). Estaremos a falar das mesmas pessoas que destruíram o excelente Serviço Nacional de Saúde que Portugal tinha, que transformaram o Estado Social em Estado Assistencialista, que destruíram o Estado Social? A resposta é SIM; estamos a falar das mesmas pessoas, que hoje agem querendo branquear as suas políticas; que hoje agem como se tivessem sido outros a empobrecer Portugal e os portugueses, a fazer definhar a sua economia; a fazer com que haja portugueses que aceitam trabalhar por 300 euros mensais. A fazer com que jovens de classes de menor estatuto social que, possuindo uma licenciatura e um mestrado tirados na expectativa de um futuro melhor do que o dos seus pais, não conseguem trabalho não qualificado por excesso de habilitações académicas ou têm de mentir para conseguir emprego nas caixas dos hipermercados, permanecendo assim na sua condição social de origem, sem qualquer possibilidade de mobilidade social ascendente.
Mentem. Mentem como sempre mentiram, desde o tempo em que eram oposição e depois se tornaram governo (ver artigo meu, no PÚBLICO de 08/09/2013, “Pilares da democracia e prática política actual em Portugal”). ENGANAM os portugueses, tratando-os, não como cidadãos, mas como súbditos (de sub-dito), menores (de inferiores) sem capacidades ou competências para saber distinguir a verdade da mentira.
Estes senhores deviam ser responsabilizados e penalizados por enganar os portugueses e empobrecer intencionalmente o país, indo pra além da Troika, como tantas vezes referiram. Esperemos que os portugueses e as portuguesas o façam, votando no próximo Domingo, por um Portugal com futuro, por um povo com dignidade.

Professora universitária, coordenadora do Núcleo de Educação para os Direitos Humanos, Universidade do Minho, membro do núcleo fundador do Manifesto para um Mundo Melhor (manifesto internacional de cientistas sociais). mjcasanova@ie.uminho.pt


http://imagens8.publico.pt/imagens.aspx/897138?tp=UH&db=IMAGENS&w=171&h=171&act=cropResize
Opinião
Portugal é um país mais à esquerda ou mais à direita?
Por Boaventura Sousa Santos
01/10/2015
"Não conheço outro país na Europa onde os jornais de referência dêem tanto espaços a comentadores de direita".
Convém começar por definir o que é ser esquerda. Numa concepção minimalista, esquerda é toda a posição política que promove todos (ou a grande maioria dos) seguintes objectivos: luta contra a desigualdade e a discriminação sociais, por via de uma articulação virtuosa entre o valor da liberdade e o valor da igualdade plasmada no equilíbrio entre os direitos civis e políticos e os direitos sociais, económicos e culturais; defesa forte do pluralismo, tanto nos media como na economia, na educação e na cultura; democratização do Estado por via de valores republicanos, participação cidadã e independência das instituições, em especial, do sistema judicial; luta pela memória e pela reparação dos que sofreram (e sofrem) formas violentas de opressão; defesa de uma concepção forte de opinião pública, que expresse de modo equilibrado a diversidade de opiniões; defesa da soberania nacional e da soberania nacional de outros países; resolução pacífica dos conflitos internos e internacionais. Ser de direita é ser contra todos ou a grande maioria destes objectivos.
A expressão o “país” usada na pergunta é ambígua neste contexto. Se o país for o conjunto dos portugueses é difícil responder, pois os inquéritos à opinião nunca incidiram sobre todos os objectivos. Se o “país” for a opinião publicada nos meios de comunicação principais, Portugal é de direita. Excluindo os países que foram parte do bloco soviético, não conheço outro país na Europa onde os jornais de referência dêem tanto espaço (comentários regulares, últimas páginas) a comentadores de direita. Chega ser escandaloso pelo estilo trauliteiro da direita que tem voz privilegiada. Se o “país” forem os portugueses que votam nas eleições, então o pais é inequivoca e consistentemente de esquerda, se considerarmos que os partidos de esquerda são o PS, PCP, BE e agora o Livre e outros pequenos partidos que se consideram de esquerda radical. Ao longo dos anos, este conjunto tem sido quase sempre o preferido dos portugueses.



quarta-feira, 16 de setembro de 2015

4 de OUTUBRO, E DEPOIS?


Artigo de André Freire que coloca a questão principal a 4 de Outubro. A direita não ganha, o PS não tem a maioria absoluta. mas a esquerda no seu conjunto vai ter maioria mais que absoluta. E depois, que acontece?

Eleições legislativas e presidenciais
16/09/2015
Depois de 4 de Outubro a bola estará muito provavelmente no campo das esquerdas. Esperemos que as elites estejam à altura dos anseios populares.
As eleições legislativas que se aproximam indicam o fim de um período de mais de quatro anos durante o qual a direita governou plenipotenciária.
Por um lado, porque PSD e CDS-PP dispuseram de uma maioria absoluta de deputados que lhes permitiu aprovar sem problemas praticamente todas as suas propostas, excetuando aquelas que colidiram com o enquadramento constitucional. Por outro lado, porque o chamado programa de assistência financeira e a presença da Troika funcionou como um biombo útil para as forças no governo legitimarem o seu próprio radicalismo ideológico com a suposta inevitabilidade das medidas a aplicar. Finalmente, porque tiveram na Presidência um PR que, apesar de estar no seu segundo mandato, praticamente se autoanulou deixando de funcionar como contrapeso da maioria no parlamento, como acontece geralmente no nosso sistema semipresidencial, e de guardião da democracia. Também por isto as próximas eleições legislativas e presidenciais estão ligadas. Neste artigo, irei refletir sobre o que está em jogo nestas eleições, legislativas e presidenciais, e sobre a importância de uma mudança completa de protagonistas e forças políticas no poder. Antes, porém, é preciso começar com a questão da vinda da Troika e com balanço do mandato da direita que ora termina.
1. A vinda da Troika e o legado da direita no poder
É bem sabido que a direita no poder, máxime o PSD, teve um papel chave na vinda
da Troika  e no desenho do programa de assistência financeira. Primeiro, porque o PSD foi o partido de suporte do governo minoritário socialista entre 2009 e 2011: as peças mais importantes da governação (orçamentos, PEC I, II e III, etc.) foram aprovados com o apoio do PSD. Até às eleições presidenciais de Janeiro de 2011 um outro protagonista, Cavaco Silva, tudo fez para que este bloco central (em regime de acordo parlamentar, não de coligação) funcionasse na perfeição. Basta rever-se na imprensa da época o que se passou com a aprovação do orçamento de Estado para 2011 e os “mil e um” esforços e iniciativas do PR para que o bloco central funcionasse. Uma vez reeleito, porém, Cavaco mudou de agulha: o discurso de tomada de posse em 2011 é o levantar da bandeirinha verde para o PSD poder livremente retirar o apoio político ao governo minoritário socialista, indispensável à sua sobrevivência. O chumbo do PEC IV, que depois levaria à esperada e anunciada demissão do primeiro-ministro (aceite por Cavaco “sem pestanejar”), foi apenas o corolário deste processo. Claro que o processo se caracterizou ainda por uma coligação negativa (BE, PCP/CDU, PSD e CDS-PP) no espoletar da queda do governo socialista, mas fica assim clara a responsabilidade primeira da atual maioria e do PR na vinda da Troika. Não fosse essa quebra de apoio político, e a rejeição do programa de austeridade já consensualizado com as instituições europeias (PEC IV), e Portugal teria permanecido com austeridade, quiçá com uma austeridade mais severa do que até aí, mas sem tutela externa. Aliás, reveja-se a imprensa da época e facilmente se verificará que foi a quebra do bloco central (isto é, o fim do apoio do PSD ao governo maioritário do PS) e crise política subsequente à demissão do primeiro-ministro e convocação de novas eleições que fizeram disparar o ataque das agências de notação financeira e dos mercados de capitais à divida pública portuguesa. Já foi dito e é facilmente documentável que a direita, especialmente o PSD, teve um papel chave no desenho do programa da Troika: ainda recentemente Eduardo Catroga o reconheceu mais uma vez. Mas basta recordar que o atual primeiro-ministro não se cansava de repetir que queria ir além da Troika, porque o programa era indispensável para recuperar Portugal da abastança injustificada (tínhamos vivido todos acima das nossas possibilidades), ou que a direita pintava com as cores mais negras possíveis a situação de Portugal então de modo a obter os maiores ganhos na sua desejada dose austeritária (ver o meu “Autoflagelação e terapia de choque”, Público, 9/5/2011), para se perceber que a direita literalmente exultou com a vinda da Troika.
Mas e qual é legado da direita e do seu Presidente neste exercício? Eu resumi-lo-ia em três ideias forças. Primeiro, um fortíssimo contributo para a deslegitimação da democracia e da confiança nas instituições políticas por via da violação reiterada, sistemática, profunda e, aos olhos da maioria da população (inquirida sobre o assunto), injustificada de compromissos eleitorais fundamentais (uma pedra basilar da democracia). Passos Coelho sempre disse que queria ir além da Troika, é verdade, mas também disse clara e taxativamente que queria sobretudo “cortar nas gorduras do Estado” e que não seria necessário (ele não o faria, garantiu então reiteradamente) cortar salários, cortar pensões ou subir o IVA na restauração, por exemplo. Segundo, a governação austeritária da direita no poder ficou marcada pela assimetria: os contratos e compromissos com os eleitores, assalariados e pensionistas foram grosseiramente violados, mas os contratos com os capitais rentistas e com as parcerias público-privadas não; neste período muitos ricos viram aumentar as suas fortunas e/ou algumas grandes empresas migraram alegremente, e sem censura político do poder, os seus capitais para fora do país de modo a se isentarem da austeridade; etc., etc. Finalmente, em matéria de resultados basta pensar que apesar dos cortes de salários e pensões (não previstos no programa original da Troika ou nos compromissos do PSD e CDS-PP), dos aumentos de impostos e das extensíssimas privatizações (tudo sempre muito acima do previsto), a divida pública (130% do PIB) é hoje muito maior do que em 2010 (90% do PIB). E a tibieza da recuperação (no desemprego, na produção de riqueza, etc.) é claríssima. Ou seja, além de uma deslegitimação pelos procedimentos há também uma deslegitimação pelos resultados.
2. Novas alianças, novos protagonistas, novas políticas
Perante este cenário global, seria quase criminoso reconduzir a direita no poder,
seja ao nível do Parlamento/Governo, seja ao nível da Presidência. Seria legitimar a deriva austeritária e fingirmos que a direita não teve um papel chave na vinda da Troika, ou fingirmos que a violação de compromissos era mesmo inevitável: se assim fosse não teria sido tão assimétrica, teria sido transversal. Ou seja, uma mais ou menos longa cura de oposição da direita no poder é uma condição necessária para a regeneração da democracia e da confiança nas instituições políticas; é uma questão de sanidade. Porém, é condição necessária mas não é suficiente: as oposições de esquerdas têm que fazer também a sua parte. Por um lado, a(s) esquerda(s) que venham a governar não podem repetir esta violação sistemática e profunda de compromissos eleitorais como regra de governação: seria o descrédito total da democracia. Por outro lado, as oposições de esquerdas têm que assumir as suas responsabilidades e, perante a gravidade e urgência da situação, não poderão receber uma maioria no parlamento e depois entregar o poder de bandeja à direita, nomeadamente empurrando o PS para o regaço da direita e/ou atirando-se o PS, ele próprio, para os braços da direita, em caso de maioria relativa socialista. Todas as sondagens dos meses mais recentes apontam para que a direita esteja reduzida a cerca de um terço dos votos e que as esquerdas detenham cerca de dois terços juntas. Ou seja, tudo indica que irá haver uma clara maioria de esquerdas no Parlamento, a questão é se haverá responsabilidade suficiente para assumir o poder e fazer as concessões necessárias para se governar. O Partido Livre /Tempo de Avançar, que tem sido largamente silenciado pelos mass media (tal como outras novas forças políticas fora do statu quo parlamentar), tem defendido a absoluta necessidade de entendimentos à esquerda (dos socialistas às várias esquerdas radicais) para mudarmos de políticas. O candidato presidencial Sampaio da Nóvoa, ao contrário da candidata mais próxima do bloco central (Maria de Belém), também tem defendido a necessidade de inovação política e de dessacralização da ideia de “partidos do arco da governação” (ou seja, que o governo só pode ser exercido por PS, PSD e CDS-PP). Uma coisa é certa, depois de 4 de Outubro a bola estará muito provavelmente no campo das esquerdas. Esperemos que as elites estejam à altura dos anseios populares.
Politólogo, Professor do ISCTE-IUL (andre.freire@meo.pt)
Candidato do Partido Livre – Tempo de Avançar às Legislativas de 2015,
Membro da Comissão Política de Sampaio da Nóvoa à Presidência da República