terça-feira, 17 de outubro de 2017

Passadas as eleições municipais têm saído alguns artigos de reflexão sobre os partidos políticos e a sua relação com a Democracia.
Divulgo dois que são pertinentes a meu ver.

 “Neste momento os partidos têm todo o poder e os cidadãos nenhum”
A politóloga Marina Costa Lobo é uma das organizadoras de um seminário hoje em Lisboa onde se debaterá a reforma do sistema eleitoral português. Será o voto preferencial a solução para aproximar eleitores e eleitos?
9 de Outubro de 2017
Marina Costa Lobo: “A proposta que fazemos obriga os partidos a ouvirem mais os cidadãos”

Marina Costa Lobo é uma das organizadoras do seminário Sistema Eleitoral Português: Problemas e Soluções, organizado pelo Institute of Public Policy – Thomas Jefferson-Correia da Serra e que acontece hoje em Lisboa. Com alguns constrangimentos por estar no estrangeiro no dia em que esta entrevista foi feita, a politóloga disse ao PÚBLICO, por email, que gostava que, no fim da discussão, se tivesse dado mais um passo no sentido da reforma de um sistema eleitoral a que reconhece virtudes mas que está longe de favorecer a relação dos cidadãos com a política.
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No seminário de que é uma das organizadoras vai debater-se o sistema eleitoral português. Que problemas identifica?
O sistema eleitoral português tem virtudes: é suficientemente proporcional para permitir a representação alargada de diversos partidos no Parlamento. Ao mesmo tempo que consegue reproduzir bastante bem a diversidade ideológica dos portugueses, não produz uma representação tão fragmentada que impeça o aparecimento de governos estáveis. Dito isto, embora o sistema cumpra estes objectivos fundamentais, também é verdade que o sistema eleitoral falha na criação de uma relação mais directa entre eleitores e eleitos, na medida em que votamos em listas, em vez de candidatos. De facto, Portugal é um dos poucos países europeus que não permite um voto nos candidatos a deputados pelos cidadãos. Na maior parte dos países da União Europeia é permitida alguma expressão das preferências dos eleitores. Isso não acontece em Portugal — aqui, os partidos têm o monopólio da escolha dos candidatos a deputados. Penso que isso tem de mudar, e propusemos [através do voto preferencial] uma forma de o fazer sem colocar em causa nem a proporcionalidade da representação parlamentar, nem a estabilidade do governo.

Quais as possíveis soluções?
A solução mais vezes proposta para aumentar a proximidade entre cidadãos e eleitos tem sido a introdução de um modelo que combine deputados eleitos de forma proporcional com outros eleitos de forma uninominal (isto é, em círculos onde se elege apenas um deputado). Assim, a parte proporcional garante a representação diversificada parlamentar e a parte uninominal garante a relação de proximidade entre eleitor e eleito. Acontece que, em Portugal, a fórmula d'Hondt utilizada no nosso sistema eleitoral está inscrita na Constituição. Não se pode alterar o sistema eleitoral de forma aprofundada — no sentido acima proposto — sem uma revisão constitucional aprovada por uma maioria dos deputados, e esse consenso não existe. Na proposta que elaborámos para o Institute of Public Policy – Thomas Jefferson-Correia da Serra propomos a introdução do voto preferencial, o que significaria que os cidadãos votariam num candidato da lista ordenada pelos partidos. Através de uma sondagem à boca das urnas verificámos que, mesmo em círculos como Lisboa, os cidadãos são capazes de votar em candidatos. Esta solução mantém a fórmula d'Hondt e, por isso, não implica uma revisão constitucional, e quebra o monopólio dos partidos na escolha dos deputados à Assembleia da República. Pensamos que isto é salutar do ponto de vista da relação entre cidadãos e partidos — neste momento os partidos têm todo o poder, e os cidadãos nenhum. Embora não creia que esta medida seja naturalmente suficiente para acabar com a abstenção para Portugal, estou convencida que, dando responsabilidade aos cidadãos, contribuímos para diminuir a distância entre eleitores e eleitos, o que pode aumentar a opinião sobre a democracia.
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Devia haver uma reforma do sistema eleitoral?
Sim. Em grande medida, a insatisfação dos cidadãos com a política tem razões económicas, mas também é explicada pela forma como os cidadãos vêm as nossas instituições. A falta de convergência com a Europa e a austeridade recente explicam muito do descontentamento, mas a forma como os partidos se têm blindado nas instituições também é uma fonte de ressentimento. A proposta que fazemos obriga os partidos a ouvirem mais os cidadãos na hora de escolher os deputados.
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Algum descontentamento dos cidadãos em relação à política terá a ver com esses problemas do sistema eleitoral?
A reforma do sistema eleitoral não será uma panaceia para resolver a insatisfação com a democracia, nem a abstenção. Mas seria sem dúvida uma forma de demonstrar a maturidade da relação do poder político com a sociedade, reconhecendo um papel maior aos cidadãos para escolherem os candidatos.
Por que razão é difícil chegar a um consenso? Nem na política, nem na academia...
Julgo, apesar de tudo, que existe um consenso maior na academia do que na política. Penso que os académicos convergem para um modelo misto, do tipo alemão, embora possam divergir nos detalhes. Os políticos não fazem uma reforma do sistema eleitoral, pois foram eleitos com este sistema, e temem alterar as regras do jogo e perder com isso. No entanto, julgo que também se converge para a ideia de que o afastamento dos cidadãos em relação à política é um dos grandes falhanços do sistema político português.
Que nomes destacaria entre os que vão marcar presença no seminário e contribuir para a reflexão?
Carmen Ortega, a maior especialista do voto preferencial na Europa, virá ao Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa apresentar as vantagens e desvantagens de dar aos cidadãos a possibilidade de escolher os candidatos nas listas partidárias. Pedro Riera, professor de Ciência Política na Universidad Carlos III de Madrid, especialista em sistemas eleitorais, irá apresentar o estado do debate sobre a reforma do sistema eleitoral em Espanha. Teremos 
André Freire, Conceição Pequito e eu a apresentar propostas sobre reforma do sistema eleitoral e as melhores soluções para a reforma do sistema eleitoral em Portugal. De seguida, convidámos um conjunto de políticos que se interessam pelo tema e que são representativos da diversidade ideológica em Portugal para nos darem a sua perspectiva sobre problemas e soluções para a reforma do sistema eleitoral em Portugal.


João Pedro Castro Mendes

Em defesa do pluralismo
A diabolização dos partidos políticos em nada ajuda a saúde da nossa democracia.
16 de Outubro de 2017

Deparamo-nos, com elevada frequência, com ataques à “ideologia”. “Ideológico” tornou-se um insulto, uma forma de desqualificar posições contrárias. As posições dos outros são “ideológicas”. As nossas são verdades insofismáveis. As “ideologias” seriam coisa do passado. Interessariam os debates técnicos, sobre como implementar as únicas boas ideias: as nossas.

Mas a política é feita de ideologias. E todos temos uma ideologia. Todos temos uma hierarquia de valores e princípios que se traduzem, de uma forma mais ou menos pensada e estruturada, numa conceção acerca de como deve ser organizada a comunidade e de qual a relação que deve ser estabelecida entre esta e os seus membros. Num debate político, as posições em confronto têm subjacente uma ideologia, quer esta seja assumida, quer não. E ao discutir as políticas públicas, o debate político é necessário, não basta o debate técnico.
A diabolização das “ideologias” é um ataque frontal ao pluralismo. As “tecnocracias” não são mais do que tentativas de afirmar que certas opiniões (subjectivas), subjacentes a uma determinada política pública, são verdades (objetivas). Confundir opções políticas com necessidades técnicas faz deteriorar o confronto de ideias necessário para o regular e saudável funcionamento de uma democracia liberal, assente na liberdade de pensamento, de expressão e de associação.

Da mesma forma, a diabolização dos partidos políticos em nada ajuda a saúde da nossa democracia. Os indivíduos são a base da comunidade, mas não existem de forma atomística, mas sim estabelecendo relações uns com os outros, em torno de interesses (e ideologias) comuns ou similares. Os partidos políticos mais não são do que associações organizadas para facilitar que os seus membros ou aliados obtenham e mantenham posições de poder. Neste sentido, a oposição dos “partidos políticos” aos “cidadãos”, por vezes feita, é perniciosa, e em nada ajuda a resolver os problemas dos “aparelhos partidários” e do carreirismo político.
Os “partidos políticos” não se opõem aos “cidadãos”, são uma forma de os cidadãos se organizarem politicamente (os “movimentos independentes” mais não são do que partidos locais, com outro nome e sem as benesses dos partidos nacionais). E aqueles que, sendo membros dos partidos, fazem da política profissão, são tão cidadãos como os outros.
Importa promover maior adesão aos partidos e facilitar a criação de novos partidos, que façam concorrência efetiva e possam constituir um verdadeiro desafio aos partidos já existentes. Importa promover uma concorrência efetiva entre diferentes projetos para o país, corporizados em diferentes partidos políticos (algo a ter em conta no contexto da atual disputa pela liderança do PSD), mantendo sempre a possibilidade de cooperação, quando necessário (em coligação ou através de acordos parlamentares).
O problema não está na existência de partidos políticos, que emergem naturalmente, com esse ou com outro nome, formal ou informalmente, em qualquer democracia. O problema está na forma como estão regulamentados em Portugal, do ponto de vista da sua criação e do seu financiamento, que criam importantes barreiras à entrada de novos partidos e à sua sobrevivência.
A criação e manutenção de um novo partido não é fácil. Primeiro, é necessário recolher 7500 assinaturas. Este requisito, na prática, não é mais do que um primeiro entrave burocrático, sem substrato material relevante. Implica passar meses a recolher e organizar assinaturas e dados pessoais dos signatários, para as entregar ao Tribunal Constitucional, juntamente com os estatutos, uma declaração de princípios ou programa, e outros elementos. Para quê pedir 7500 assinaturas? Por que não pedir apenas os estatutos, o programa e os nomes e dados pessoais dos fundadores? Constituir um partido, devia ser simples. Quase devia ser possível existir um “partido na hora”, como existe uma “empresa na hora”.
Depois, sendo aceite o partido, por não ser considerado fascista ou racista ou por não utilizar símbolos religiosos, é necessário manter esse partido em funcionamento, o que implica recursos humanos e dinheiro. Seria importante estudar se o benefício conferido pela legislação sobre financiamento partidário aos partidos que já têm representação parlamentar e já existentes é excessiva e outros métodos de financiamento partidário.
Por outro lado, uma coima do Tribunal Constitucional derivada do incumprimento de regras relacionadas com a contabilidade partidária tem pouca relevância para partidos grandes, mas relevância significativa para partidos pequenos.
Na prática, com o atual enquadramento relativo ao financiamento dos partidos, torna-se crucial que o partido comece com um número relevante de pessoas já organizadas, e com capacidade para financiar o partido de forma estável, até este conseguir acesso a uma subvenção pública (veja-se a diferença entre o MEP e o PAN).
É necessário reabilitar as ideologias e os partidos políticos. Assumir que, subjacente a uma opção política, está uma opção ideológica, pelos diversos agentes políticos. Promover um debate político informado, mas não dominado, pela técnica. Diminuir as barreiras à entrada de novos partidos políticos e diminuir os custos de contexto relativos à sua manutenção.
Mas é preciso mais ainda: é preciso colocar na agenda política a reforma do sistema eleitoral para a Assembleia da República (como fez recentemente o IPP, num seminário), dado que, atualmente, dificulta desnecessariamente as candidaturas e, embora proporcional, beneficia os partidos com mais votos, e uma verdadeira educação cívica, que promova uma cultura de debate (e não de “respeitinho”) e promova a intervenção informada dos cidadãos, fora e dentro dos partidos.
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O pluralismo confere vigor a uma democracia. O confronto e o debate de ideias levam a um maior escrutínio e maior responsabilização dos agentes políticos e das políticas públicas propostas ou implementadas. Todos beneficiamos do pluralismo. E a todos nos compete defendê-lo e promovê-lo. 
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
O Institute of Public Policy (IPP) é um think tank académico, independente e apartidário. As opiniões aqui expressas vinculam somente os autores e não reflectem necessariamente as posições do IPP, da Universidade de Lisboa ou de qualquer outra instituição.
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Associado do IPP e vogal do Conselho Consultivo do IPCG (Instituto Português de Corporate Governance)