quinta-feira, 29 de setembro de 2016

A AMNÉSIA DA DIREITA


Sobre a amnésia da direita

 Após umas semanas de férias da internet regresso ao blogue. Nada melhor do que recomeçar com este texto  oportuno.                                                                                                                                                                                                            Sobre a amnésia da direita

Por Alfredo Barroso

28/09/2016

Infelizmente, o imobilismo neoliberal gerou um assustador e indesejável subproduto: uma cidadania despolitizada.

1. Sem passado, não há presente nem futuro, e o passado mais próximo que tivemos foi o do governo de direita chefiado por Pedro Passos Coelho (PPC) acolitado por Paulo Portas (PP). A comando da troika, e para além dela, os chefes da coligação entre PPD/PSD e CDS/PP decidiram empobrecer deliberadamente os portugueses durante mais de quatro anos. E não foi coisa que boa de se ver, tantos foram os sacrifícios brutais impostos às classes populares e a boa parte das classes médias, em benefício exclusivo dos mais ricos e poderosos.

Como alguns se lembrarão, não têm conta as falsas promessas proferidas por PPC para conseguir ganhar as eleições e alcançar o poder – onde, aliás, continuou a mentir sistematicamente. Lembramo-nos de muitas das suas falsas promessas. Mas há uma, proferida por PPC quando já estava no poder, que constitui como que uma “marca de fábrica” deste político amoral e sem escrúpulos.

No dia 5 de Abril de 2011, PPC fez uma extraordinária afirmação – hoje certamente esquecida – reveladora da sua incapacidade e incompetência políticas. Numa das suas habituais sessões de ilusionismo político, neste caso no chamado Clube dos Pensadores, disse PPC: “É decisivo um crescimento económico de pelo menos 3 a 3,5% nos próximos dois ou três anos, ou então a austeridade não valeu de nada”. Referia-se aos anos de 2012, 2013 e 2014. Ora, chegados a 2015 com uma baixíssima taxa de crescimento, a conclusão que então se impunha era óbvia: “a austeridade não valeu de nada”, segundo as palavras do próprio PPC.

É certo que, hoje, as notícias sobre o crescimento continuam a não ser boas. Mas é no mínimo escandaloso que PPC, para criticar o actual Governo, se tenha esquecido do seu monumental fracasso, ao ficar bem longe do crescimento prometido por ele próprio em 2011 – os tais 3 a 3,5%, nos três anos seguintes – sem o qual nunca haveria (e não houve!) “pacotes de austeridade” que lhe valessem e nos valessem. E não foram poucos os “pacotes de austeridade” que flagelaram sem piedade as populações, aumentando a pobreza e encolhendo o país.

2. Um dos argumentos mais aviltantes recorrentemente utilizados pela direita ultra-liberal e reaccionária, frustrada por já não exercer o poder, é o de que os pobres e os remediados – impiedosamente sacrificados pelos “pacotes de austeridade” – querem agora passar a viver à tripa-forra.

Que vergonha! Quem vive à tripa-forra e beneficiou imenso com a austeridade e os sacrifícios impostos aos trabalhadores pelo governo de direita, foram os ricos e poderosos, os grandes empresários, os plutocratas e os “tecnocratas sem pátria” (ou “apátridas”, como lhes chamava De Gaulle) ao serviço do capital financeiro.

Esta gente constitui um poder não democrático (e por isso ilegítimo) difícil de conter e erradicar – que existe não apenas em Portugal mas também na União Europeia, no Banco Central Europeu, no Fundo Monetário Internacional e nas outras instâncias internacionais que comandam a globalização.

Convém lembrar que, nos quatro anos do governo de direita, o emprego caiu a pique; foram destruídos cerca de 400 mil postos de trabalho; o desemprego cresceu; os salários diminuíram; a precariedade aumentou; os direitos dos trabalhadores e dos desempregados encolheram.

PPC insiste em afirmar que o seu governo andou a “pagar as dívidas dos outros”, mas o certo é que, com o governo PPD/PSD-CDS/PP, a dívida do país chegou aos 290 mil milhões de euros em Julho de 2015. Representava cerca de 90% do PIB quando a direita chegou ao poder. Passou a representar cerca de 130% do PIB quatro anos depois, tendo aumentado 106 mil milhões de euros.

Com a direita no poder, Portugal passou a ter uma das maiores desigualdades sociais da União Europeia e uma das maiores taxas de pobreza da OCDE. Mais: Portugal encolheu, tornando-se o quinto país do mundo em que a população mais decresceu durante 2014. Segundo o Banco Mundial, só Porto Rico, Letónia, Lituânia e Grécia tiveram um declínio populacional maior. Durante quatro anos, a emigração de portugueses foi mais elevada do que na década de 1960 (marcada pela ditadura de Salazar e pela guerra colonial), mas agora passando a emigrar tanto os menos como os mais qualificados. Em quatro anos, emigraram quase 500 mil portugueses.

3. Seguindo a agenda e a doutrina neoliberal dominantes, o governo de Pedro Passos Coelho e Paulo Portas submeteu-se completamente aos ditames da Comissão Europeia, do FMI e do governo alemão; impôs o domínio do capital financeiro sobre a economia (em cerca de seis anos, os bancos portugueses beneficiaram de apoios do Estado num montante superior a 36 mil milhões de euros); instaurou a concorrência sem freios em quase todos os domínios, por via da desregulação, das privatizações, dos ataques ao Estado Social (SNS, escola pública, Segurança Social), dos cortes brutais nos salários, pensões e prestações sociais de todo o tipo; e aprovou políticas fiscais em escandaloso benefício das grandes empresas e dos plutocratas.

O objectivo prosseguido por PPC e PP foi o de reforçar o poder das elites económicas dominantes, recorrendo ao poder do Estado para proteger e defender os interesses dessas elites e criar um ambiente institucional e um clima favoráveis ao lucro.  O seu projecto de redistribuição das riquezas nada teve a ver com a protecção e bem-estar da colectividade nacional. Baseou-se, isso sim, na acumulação por desapossamento, espoliação e esbulho de grande parte das classes médias e das classes populares – reencaminhando essas riquezas da base para o topo da hierarquia social.

Não tenhamos ilusões. Políticos defensores da via neoliberal e tecnocratas ao serviço do poder do dia ocupam hoje posições estratégicas que lhes permitem exercer uma influência considerável, quer nas universidades e grupos de reflexão; quer nos órgãos de comunicação social; quer nos conselhos de administração das empresas e das instituições financeiras; quer no aparelho de Estado; quer no Banco de Portugal.

O domínio exercido durante décadas pelos partidos do “bloco central” – ou os do chamado “arco da governação” – sobre a sociedade e o Estado é quase total, e são eles os principais responsáveis pelo lamentável estado a que este país chegou.

4. Infelizmente, o imobilismo neoliberal – imposto pelos eurocratas e pelos políticos ao serviço do poder económico e financeiro – gerou um assustador e indesejável subproduto: uma cidadania despolitizada, caracterizada pela indiferença e a resignação. O neoliberalismo tornou-se o principal inimigo de uma genuína democracia participativa e acabou por instalar progressivamente na sociedade um estado de excepção permanente e uma economia do medo dominada pelos mercados financeiros. E é este muro que a esquerda tem de derrubar.

Não podia ser mais negativo o balanço dos quatro anos em que a direita (des)governou Portugal, recorrendo à mentira compulsiva que caracterizou os discursos dos seus chefes, à amnésia que estes inocularam na maioria dos seus apoiantes e à resignação que instilaram em boa parte da população, insistindo em que não havia alternativa às políticas de austeridade que puseram em prática.

Por falar em amnésia, vale a pena rematar este texto com uma anedota. Durante a última campanha eleitoral para a Assembleia da República, o vinho tinto alentejano servido em Beja no almoço da coligação “Portugal à Frente” chamava-se, nada mais nada menos do que, “Amnésia”… Fez-me lembrar aquela anedota do alcoólico que confessa: “Bebo para esquecer”. Um amigo pergunta-lhe: “Mas esquecer o quê?”. E o alcoólico responde: “Já não me lembro”

Cronista


sexta-feira, 9 de setembro de 2016

OLIMPíADAS 2016

Um olhar sobre o desporto em Portugal que explica as causas de falta de resultados e a pobreza de medalhas olímpicas.

Rio 2016: Exigir sem bases
Rio 2016: Exigir sem bases
Por João Paulo Bessa
08/09/2016
O desporto em Portugal assenta num sistema caduco, desorganizado, sem objectivos e sem estratégia.
Existe uma enorme tendência de uma boa parte dos portugueses para colocarem infundadas expectativas sempre que há representações desportivas nacionais em confronto internacional. Seja pela iliteracia desportiva que nos caracteriza, pelo mero desconhecimento da relatividade das coisas ou por um qualquer aproveitamento interesseiro, as representações desportivas nacionais são analisadas pelas aparências, sem qualquer objectividade e ignorando o seu meio de inserção. Como se tivéssemos um sistema desportivo exemplar.
Se as esperanças em notáveis resultados podem resultar da vontade de nos fazermos valer, a sua transformação nas elevadas expectativas de quase certezas só serve para abrir o campo à desilusão. E, portanto, não havendo vitórias de arraso e independentemente da qualidade dos diversos resultados, tudo é mau ou desastroso, seja qual for o ponto de vista da análise, diz-se e escreve-se. Ou seja: bestiais na formatação das expectativas a bestas perante a aparência dos resultados. Tudo num salto palavroso de nota 10.
E mais uma vez assim foi no regresso da Missão portuguesa dos Jogos Olímpicos Rio 2016. Elevadas expectativas fundadas em irrealismos – como se não se tratasse de uma competição desportiva de altíssimo nível em confronto com os melhores e adequadamente preparados para tentar a vitória e onde só 8% dos 11 544 atletas presentes podem regressar com medalhas conquistadas – marcam o adjectivo da análise. Uma só medalha? E apenas bronze?! Um desastre!
Terá sido?!
Ao longo de 24 presenças olímpicas, o desporto português conseguiu 24 medalhas – quatro de ouro (Carlos Lopes, Rosa Mota, Fernanda Ribeiro e Nelson Évora), oito de prata e 12 de bronze – numa média de uma medalha por cada participação. O que significa que Portugal está longe de campeões como os Estados Unidos com as suas 2546 medalhas. E tão pouco se aproxima dos países latinos europeus como a França (1169 medalhas), Itália (605), Espanha (148), Roménia (306) ou ainda da Holanda (195) ou Bélgica (164) – estes dois últimos com populações próximas da portuguesa.
Com a medalha conseguida pela notável e persistente Telma Monteiro, Portugal ficou dentro da sua média e colocou-se, com as 16 modalidades, entre as 28 possíveis, em que participou, em 78º lugar no Medalheiro – o que significa que conseguiu melhor do que os 119 países participantes que não obtiveram qualquer medalha – apenas 42% dos 205 países presentes obtiveram uma ou mais medalhas.
Lembre-se que todos os atletas portugueses presentes se qualificaram – obtendo as marcas estabelecidas – para poderem competir nos Jogos. Ninguém foi, portanto, sem mérito ou apenas para participar – atribuição de espectadores – mas sim para competir, embora e naturalmente, balizados pelas marcas conseguidas. Balizas que devem, desde logo, limitar as expectativas. Dando-lhes realidade – pensar, por exemplo, que as notáveis prestações de Nelson Évora com a melhor marca pessoal do ano e Patrícia Mamona com novo recorde nacional, poderiam garantir a certeza de medalhas é ignorar a existência de outros atletas com as competências e capacidades adequadas à vitória. Ignorar portanto que estamos integrados numa competição do mais elevado nível e de particulares características.
Os resultados globais da Missão foram maus? Não, não foram. E foram melhores do que o contexto onde se prepararam. Na sua enorme maioria – excepção feita a um ou outro erro, a um ou outro falhanço, a uma ou outra menor atitude – os atletas portugueses bateram-se com grande dignidade e tudo tentaram para honrar a responsabilidade da representação em que estavam investidos.
Os Jogos Olímpicos constituem a melhor e maior montra mundial de demonstração de capacidade desportiva de cada país e permitem uma análise comparativa global. A juntar a esta medalha de bronze, os atletas portugueses conseguiram dez Diplomas olímpicos, isto é, obtiveram dez classificações entre os 4.º e 8.º lugares classificando assim 12% do total dos seus atletas em finais. Entre os 9.º e 16.º lugares – habitualmente designados por semifinalistas – a Missão portuguesa contou com 16 posições. E colocou ainda seis atletas no 17.º lugar. Ou seja: Portugal conseguiu 33 classificações – 36% do total dos seus atletas – abaixo do 20.º lugar nas 57 provas em que teve a participação de seus representantes. Refira-se ainda que dos 92 atletas portugueses presentes – 32 mulheres e 60 homens – 54 deles não tinham qualquer experiência olímpica. Tratando-se da competição desportiva entre as competições desportivas, os resultados conseguidos apresentam-se com mérito que baste e não são compatíveis com o que se escreveu, disse ou colocou nas redes sociais.
Poderiam os resultados serem melhores? Claro! Podem sempre. Desde que haja a adequada aproximação de condições aos melhores competidores.
A realidade do sistema desportivo português é fraca e encontra-se muitos furos abaixo dos padrões europeus. Nas modalidades olímpicas temos cerca de 400 mil inscritos nas respectivas federações desportivas nacionais (últimos dados oficiais referentes a 2014), o que representa um número ridículo, impeditivo de competições internas de elevado nível, quando comparado com outros países europeus e que está longe das potencialidades de um país com 10 milhões de habitantes.
O desporto em Portugal assenta num sistema caduco, desorganizado, sem objectivos e sem estratégia, com uma mistela de conceitos confusos e pouco clarificadores onde abundam as frases feitas do desporto para Todos – e o desporto não é para todos: é para quem pode e, dentro destes, para quem quer – e de que o desporto dá saúde – o desporto é para quem tem saúde – confundido uma actividade de exigência, superação e responsabilidade de resultados com actividade física, essa sim, para todos, adaptável ás necessidades e que se pretende praticável para uma vida inteira. Curiosamente a actual Lei de Bases (Lei 5/2007) é designada por Lei de Bases da actividade física e do Desporto, designação que não parece preocupar ou induzir seja quem for.
Com um Desporto Escolar que não produz efeitos visíveis – andebol, basquetebol e voleibol estão inseridos no sistema escolar desde os anos 30 do século passado e nunca se qualificaram para os Jogos – quer na detecção de talentos, quer no aumento de inscrições federadas e que desde há muito deveria ter passado para o estádio de desporto em idade escolar articulado com clubes locais e federações de utilidade pública desportiva. Com um objectivo claro: introdução dos modelos desportivos das várias modalidades e detecção de talentos com o devido encaminhamento.
Não há dinheiro disponível para financiar as necessidades desportivas diz o Governo através do seu Secretário de Estado (RTP Notícias, 18 de Agosto de 2016). Mas muitas das mudanças necessárias que permitirão adaptar o desporto português às necessidades competitivas actuais, não custam dinheiro. Exigem apenas transformações. De conceitos, de mentalidades, de estruturas.
Desde logo estabelecendo como Missão das federações de utilidade pública desportiva a criação de condições para que os nossos atletas possam competir internacionalmente em termos de igualdade, nomeando a sua dimensão rendimento como prioritária para assim lhes exigir programas qualificados – e não numéricos – de formação e desenvolvimento, com índices de competitividade elevados e afastando-as das tentações das imensas exigências que se lhes pretende sempre colocar para iluminar fogachos políticos. Também sem custos será a revisão das actuais leis federativas, retirando a mesma medida de fato a corpos com dimensões diferentes e adequando-as e articulando-as, de acordo com as nossas especificidades, com as necessidades do confronto internacional – a definição oficial e legal das modalidades colectivas e individuais (a canoagem é, legalmente, uma modalidade individual!) é, no mínimo, inaceitável e umas e outras não podem reger-se pelas mesmas regras. O mesmo se dirá com o sistema escolar dos atletas que, apesar de um quadro legal facilitador, só enfrentam dificuldades e abusos quer da dupla actividade, quer na forma como são escolarmente tratados. A revisão do actual sistema de formação de treinadores exige também uma radical e urgente transformação sob pena de diminuição do seu número e da sua qualidade. O próprio estatuto do Alto Rendimento necessita de transformação e adequação, ampliando-se, às exigências actuais.
Para que as exigências por melhores resultados possam ter razão de ser – os obtidos no Rio 2016 se são bastante bons dentro do sistema que condiciona o desporto português, não podem ser meta – é absolutamente necessário proceder às transformações que o enquadramento internacional nos exige. Começando por estabelecer os objectivos pretendidos e construindo uma estratégia adequada. No quadro do desporto de rendimento.
Arquitecto e antigo seleccionador nacional de râguebi