terça-feira, 29 de agosto de 2017

PODER E CORRUPÇÃO


As tendências corruptoras do exercício do poder

Narciso Machado Juiz Jubilado

A actividade política não tem apenas como limite a lei, porquanto a sua acção é também limitada pela ética, que deve funcionar como regra subsidiária da lei.

29 de agosto de 2017

A natural malícia dos homens conduz a uma inevitável tendência para a corrupção. Mas, o exercício do poder torna essas tentações ainda mais fortes, de tal modo que costuma dizer-se que “todo o poder corrompe”. A fiscalização dos actos dos governantes são, por vezes, ineficazes. Perante tal condicionalismo, não deve qualquer sociedade conformar-se com os efeitos corruptores do poder.

Há que limitar essas tendência corruptoras através de fiscalizações internas que, no caso português, se têm mostrado débeis, quando não completamente desajustadas e ineficazes, sobretudo no que respeita aos escalões cimeiros do poder. As dificuldades em tal matéria reflecte-se no conhecido aforismo latino: “quis custodiet custodes?”, ou seja, os guardas são sempre difíceis de guardar, sobretudo aqueles que ocupam o vértice do poder. A maior parte dos casos, senão sempre, as investigações só se mostram conclusivas quando tais governantes já deixaram de ser detentores do poder.



 É da sabedoria milenária dos povos que o exercício do poder reclama uma larga e cuidada preparação relativamente aos governantes. Essa sabedoria reflecte-se no rifão popular segundo o qual “se queres conhecer o vilão põe-lhe a vara na mão”. E realmente tem sido frequentes os casos em que os países pagaram preços muito elevados, em vidas, em desperdícios financeiros e injustiças, como conseqência da ascensão política de gente destituida de adequada formação ética e moral. Para contrariar a referida tendência corruptora, importa evitar uma longa permanência no exercício do poder através da limitação temporal dos mandatos políticos.PUB

Acontece que, minados os alicerces morais e éticos, a previsão da impunidade das infrações e dos crimes ajuda a alargar a esfera da marginalidade dentro de qualquer Estado. 

Compete ao Parlamento e aos partidos da oposição, em primeira linha, exercer as suas funções democráticas, procedendo a uma fiscalização pública permanente e administrativa, de modo que a opacidade dê lugar a uma transparência da vida pública. Mas, para que o combate a este tipo de crimes seja verdadeiramente eficaz deve partir também dos próprios cidadãos, desde logo, ao não pactuar com situações menos transparentes.

A actividade política não tem apenas como limite a lei, porquanto a sua acção é também limitada pela ética, que deve funcionar como regra subsidiária da lei.

 Ao longo dos anos tem havido uma politização e amiguismos crescentes dos lugares públicos em detrimento de critérios de experiência, mérito e idoneidade. O combate à corrupção deve passar por medidas políticas e pela transparência de quem exerce funções públicas. O Dr. Marinho e Pinto, passou todo o seu mandato, enquanto Bastonário da Ordem dos Avogados, a denunciar, publicamente, que “havia pessoas nos elevados cargos públicos a acumular fortunas de forma escandalosa, acumulando grandes patrimónios”. Muitos duvidaram das suas denúncias. No entanto, actualmente, perante os casos que correm nos tribunais, creio que ninguém terá dúvidas acerca da justeza das denúncias do Dr. Marinho e Pinto.

Os dados fornecidos pelos organismos da União Europeia (UE), que tratam do fenómeno da corrupção, não têm a sido nada favoráveis a Portugal: 93% dos portugueses consideram que a corrupção é um “grande problema” do país. Relativamente aos sectores onde existe mais situações de subornos e abuso do poder, os portuguesses têm apontado em primeiro lugar os políticos a nível nacional (64 %), seguindo-se os políticos a nivel local (58%) e depois a nível regional (57%). Infelizmente, esta percepção dos portugueses tem-se revelado verdadeira, face aos demasiados casos relatados pela comunicação social e pendentes nos tribunais, alguns deles envolvendo, alegadamente, grandes redes dedicadas a negócios fraudulentos. Esses casos, além de revelarem uma preocupante extensão da corrupção a nível de altos cargos da administração pública e do poder central do Estado, reclama uma espécie de limpeza da vida política, de modo que o poder democrático seja exercido como um verdadeiro exemplo de transparência e de lealdade dos eleitos perante o povo.

Apesar de tudo isto, ainda há fortes razões para que os cidadãos, legitimamente, solicitem da justiça aquilo que incumbe á justiça, pois, não sendo embora os magistrados os autores das leis, são eles que as aplicam, demonstrando ao povo que ainda vale a pena acolher-se à protecção da justiça.

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Juiz desembargador jubilado

segunda-feira, 7 de agosto de 2017

PORTUGAL E VENEZUELA



Alexandre Guerreiro Governo português contribui para o enterro da Venezuela
Portugal não tem razões legais ou morais para recusar reconhecer a Assembleia Constituinte da Venezuela.
7 de Agosto de 2017

Começo por fazer a minha declaração de interesses: não tomo o partido da ala fiel a Nicolás Maduro, nem o dos que a este se opõem. Não sou venezuelano, nem tenho interesses particulares na Venezuela. Embora não negue a preocupação com a forma como os acontecimentos no país se podem reflectir em Portugal, o meu interesse com o que se passa na Venezuela é exclusivamente académico.

Analisei com interesse a tomada de posição do Governo português relativamente às eleições para a Assembleia Constituinte, na Venezuela, realizadas a 30 de Julho. Com a intensificação das pressões por parte de praticamente todos os quadrantes políticos nacionais, Augusto Santos Silva seguiu no sentido habitual de um Estado sem personalidade e autonomia, como é o caso de Portugal: recusar a oportunidade de fazer valer o bom senso e seguir a corrente da União Europeia.
Portugal não reconhece a Assembleia Constituinte da Venezuela e justificou-o com a necessidade de “regresso à normalidade constitucional, com pleno respeito dos poderes dos órgãos eleitos, pela separação de poderes”. Ora, a falácia nesta fundamentação começa no facto de o ministro dos Negócios Estrangeiros português desconhecer a Constituição da República Bolivariana da Venezuela, datada e referendada em 1999.
Se conhecesse, certamente saberia da existência de um tal Título IX com a epígrafe “Da Reforma Constitucional”, cujo Capítulo III, intitulado “Da Assembleia Constituinte”, dispõe, no artigo 348.º, que podem convocar eleições com vista à formação de uma Assembleia Nacional Constituinte, tanto dois terços do Parlamento, como dois terços dos Conselhos Municipais, 15% dos eleitores e, muito importante, o Presidente da República em Conselho de Ministros.
Paralelamente, dispõe o artigo 349.º que o Presidente da República não pode opor-se à nova Constituição e que “os poderes constituídos não podem de alguma forma impedir as decisões da Assembleia Nacional Constituinte”. Ou seja, a convocação de eleições para a Assembleia Constituinte cumpriu o disposto na Lei Fundamental. A presente Constituição venezuelana é o corolário do exercício da soberania pelo povo, reconhecimento este consagrado um pouco por toda a Constituição, em especial no artigo 347.º, que legitima a eleição de membros para uma Assembleia Constituinte.
Independentemente do resultado dos trabalhos da Assembleia Constituinte eleita — e eu acredito que o cenário mais provável passará por replicar na Venezuela algo semelhante ao que Fidel Castro promoveu em Cuba —, a oposição a Maduro conhece perfeitamente as disposições referidas, as quais, insisto, integram uma Constituição que está em vigor há 18 anos, após ter sido submetida a referendo. Se a oposição recusa participar no acto eleitoral convocado pelo Chefe de Estado, como forma de o descredibilizar, a responsabilidade é inteiramente de quem toma a decisão de não influenciar os trabalhos da futura Assembleia Constituinte. Mas que não se coloque em causa a legalidade da convocatória das eleições, porque estas cumprem estritamente o previsto na Constituição.
O MNE português não tem, assim, motivos para justificar a recusa de reconhecimento da Assembleia Constituinte, já que Nicolás Maduro exerceu poderes que lhe são constitucionalmente reconhecidos e é o Parlamento quem não está a respeitar os poderes do Presidente, enquanto, também ele, órgão eleito. Portanto, a “normalidade constitucional” está cumprida.
Desta falácia resulta, por parte de Portugal, uma violação do direito internacional, em particular, da Carta das Nações Unidas, nomeadamente o seu artigo 2.º, n.ºs 1 e 7, onde se reconhece o princípio da igualdade soberana entre todos os membros da ONU e, consequentemente, o princípio de não ingerência, que proíbe que qualquer Estado intervenha nos assuntos internos de outro Estado.
O Governo português, ao recusar reconhecer a Assembleia Constituinte da Venezuela que foi eleita no cumprimento da Lei Fundamental do país, está a cometer um acto de ingerência com o objectivo de pressionar o país a seguir um rumo diferente daquele que a própria Constituição admite como legal. À luz do direito internacional actual, Portugal só pode recusar reconhecer a Assembleia Constituinte venezuelana caso esta resulte de acção militar ilícita de uma organização que tenha tomado o controlo do país com o apoio de um Estado terceiro, tornando-se, assim, sua marionete, e caso a Assembleia Constituinte tivesse sido eleita em condições não democráticas — as eleições foram convocadas, a oposição é que se recusou a participar nelas. No final, poderemos ainda equacionar a sujeição da futura Constituição a referendo, como forma de reforçar a legitimidade da Assembleia Constituinte e do resultado do seu trabalho por via da soberania popular. Mas não é obrigatório que assim seja.
Em suma, Portugal não tem razões legais ou morais para recusar reconhecer a Assembleia Constituinte da Venezuela. Terá razões políticas, já que segue incondicionalmente a corrente maioritária da União Europeia. Mas estas razões já violam o direito internacional e até a própria Constituição portuguesa, cujo n.º 1 do artigo 7.º reitera o princípio da “não ingerência nos assuntos internos dos outros Estados”.
Como nota final, poderíamos ainda reflectir sobre a legitimidade de eleições que poderão ter sido manipuladas, tanto no número de votantes como no sentido de voto. É uma via possível, que merece uma investigação mais profunda do que a especulação que tem sido feita. Mas importa perguntar por que motivo este acto eleitoral seria inválido e o referendo da oposição, realizado semanas antes, já seria inteiramente transparente e fiel aos princípios democráticos ao ponto de ser cegamente aceite na Europa e noutros países do bloco Ocidental mesmo apesar de não ter sido sujeito a qualquer controlo.
E, indo por esta via, poderemos mesmo questionar por que motivo reconhecem Portugal e a União Europeia uma reforma constitucional na Turquia onde, pelo menos, mais de 1,5 milhões de votos foram, de forma comprovada, acrescentados de forma fraudulenta. E por que motivo foram reconhecidas a vitória de George W. Bush, em 2000, após a fraude eleitoral cometida na Florida, e a de Hillary Clinton nas primárias do Partido Democrata, em 2016, quando são públicas as provas de fraude para prejudicar Bernie Sanders.
Ou seja, Portugal e a União Europeia tomam uma decisão estritamente política ao não reconhecerem a Assembleia Constituinte, decisão esta violadora do direito internacional e do próprio direito interno. Provavelmente, citando Julian Assange, preferiam um modelo constitucional semelhante ao da Arábia Saudita, Estado em que, pelo menos, cinco membros da União Europeia votaram recentemente para integrar a Comissão dos Direitos das Mulheres da ONU. Da realidade venezuelana, já dificilmente se esperaria um futuro positivo. Mas esta tomada de posição de Portugal e da União Europeia só agrava mais um cenário catastrófico, faltando apenas as habituais sanções para acabar de vez com as escassas esperanças de vida do povo venezuelano.
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Jurista e investigador de questões internacionais


INCÊNDIOS E EUCALIPTOS



António J. F. F. Neto

O marketing da “floresta ordenada” e o direito fundamental a um ambiente equilibrado
Fala-se em proibir novas plantações de eucalipto. Mas de pouco servirá proibir quando se constata que a espécie é disseminada ou espalhada pelo próprio fogo.
7 de Agosto de 2017

A reforma florestal iniciada por Salazar através do Decreto 13.658 de 23 de Maio do longínquo ano de 1927 – vai para 100 anos – impunha uma distância de 20 metros entre as plantações de eucalipto e os terrenos de cultivo. Restrição que em 1937 foi ampliada pela Lei nº 1.951 de 9 de Março do mesmo ano, com a proibição da plantação ou da sementeira de eucaliptos ou de acácias a menos de vinte metros de distância de terrenos cultivados e a menos de quarenta metros de nascentes, terras de cultura de regadio, muros e prédios urbanos, salvo se entre umas e outras mediasse curso de água, estrada ou desnível de mais de quatro metros. Apesar dos vários diplomas posteriormente surgidos, estas restrições mantiveram-se até 2013, quando um decreto providencial – o Decreto-Lei nº 96/2013 de 9 de Julho – revogou todos os anteriores diplomas que previam distâncias de salvaguarda para o plantio do eucalipto e outras espécies, como a acácia mimosa ou ailanto.

Na altura, a preocupação era a protecção da produção. Mas a principal questão que hoje se põe é outra. Na verdade, ela prende-se com o direito de cada português a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, direito que é constitucionalmente tutelado no art.º 66 da CRP do seguinte modo: (Ambiente e qualidade de vida)
1. Todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender.
2. Para assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e com o envolvimento e a participação dos cidadãos:
a) […].
b) Ordenar e promover o ordenamento do território, tendo em vista uma correcta localização das actividades, um equilibrado desenvolvimento sócio-económico e a valorização da paisagem;
c) […]
d) Promover o aproveitamento racional dos recursos naturais, salvaguardando a sua capacidade de renovação e a estabilidade ecológica, com respeito pelo princípio da solidariedade entre gerações; […].
Fala-se agora em proibir novas plantações de eucalipto. Mas de pouco servirá proibir quando se constata que a espécie é disseminada ou espalhada pelo próprio fogo. A sua multiplicação faz-se por geração espontânea, pelo que, paradoxalmente, são os incêndios que têm ajudado decisivamente ao seu alastramento. Ou seja: trata-se de uma praga (tal como a acácia dealbata ou mimosa). Ora nunca qualquer praga poderá ser vista como uma riqueza nacional. Por ser uma praga é que acabou por dominar de forma quase absoluta e exclusiva as antigas áreas de pinhal do norte e centro do país que nas últimas quatro décadas foram fustigadas pelos incêndios. Além de vastas extensões do interior, ocupa hoje uma faixa praticamente contínua que começa ainda a norte do distrito do Porto e se prolonga até sul do distrito de Coimbra e que não andará longe dos duzentos quilómetros de comprimento. Ninguém contesta que alcança todas as reservas de água existentes no subsolo, havendo quem estime em dezenas de litros a quantidade de água que uma árvore adulta pode consumir diariamente. Não é preciso ser um grande matemático para calcular a água que já terá sido absorvida por cerca de um milhão de hectares de eucaliptos (número que, aproximadamente, constituirá já a área da sua implantação no nosso País). O seu crescimento nos solos mais húmidos e férteis do litoral é vertiginoso. Adivinha-se, assim, o que, com o aquecimento do clima, irá acontecer aos solos agrícolas adjacentes.
Uma outra consequência, que já pode ser confirmada por qualquer um, é a eliminação de toda a vida animal no interior dos povoamentos exclusivos de eucaliptos. Como está hoje cientificamente demonstrado – e é claramente explicado pelo Eng. João Camargo num assertivo artigo publicado na Revista Visão de 10.10.2013 – os químicos libertados pelas folhas desta árvore inibem o crescimento dos microrganismos que são suporte de toda a vida animal, bem como impedem o desenvolvimento de outras plantas, dessa forma actuando como um poderoso factor anti-vida. São, assim, afastados não só todos os pequenos invertebrados – que são a base de uma extensa cadeia alimentar do mundo animal – como também os insectos, sabendo-se como se sabe que estes que podem desempenhar uma função vital para a agricultura (p. ex. com a polinização).
Uma tal tragédia ambiental desenrola-se perante a apatia ou passividade de governantes, autarcas e populações. Com a cavalgada silenciosa da mancha florestal ocupada pelo eucalipto, p. ex., no distrito do Porto, concelhos como Gondomar, V. N. de Gaia, Maia, Valongo, Paços de Ferreira, Paredes, Lousada ou Santo Tirso viram plenamente consumada a hecatombe dos seus ecossistemas. Nesses concelhos, a mancha mais ou menos contínua de muitos quilómetros quadrados de eucaliptal que hoje muito facilmente pode ser observada dizimou toda a vida animal selvagem que ali pré-existia. Entre muitas outras, desapareceram do seu interior aves outrora aí vulgares como o papa-figos, o cuco, o pica-pau, a tordoveia ou o tentilhão. Porém, quem vive nos polos urbanos ou urbanizados só parece ter acordado para o impacto mediático dos incêndios, quando se apercebeu da omnipresença do eucalipto nos maiores fogos do país.
A ideia de um combate eficaz aos incêndios nas monoculturas de eucalipto é também uma falácia. Sabe-se com segurança – ainda de acordo com o autor acima referido – que, ao arder, a casca incandescente da árvore pode ser projectada até centenas de metros em função da intensidade do vento. Como é evidente, a ser exacta esta sinistra particularidade (que até agora ainda não vi negada), é também ilusória qualquer garantia de travagem do fogo que venha a ocorrer nas áreas de monocultura, sem embargo do uso dos mais sofisticados dispositivos de comunicação. Essas áreas, se alcançadas pelo fogo, ainda que limpas e ordenadas”, funcionarão sempre como grandes depósitos de gasolina. Não custa, portanto, admitir que, mais cedo ou mais tarde, um cenário de descontrolo total aí se possa verificar.
Está agora, no entanto, em fase de charme o apelo à chamada “floresta ordenada”. Mas é de temer que isso signifique sobretudo “eucaliptal ordenado”. O eucaliptal contínuo mais “bem ordenado” irá ser apenas o “grande deserto ordenado”, monocromático, agradável à vista porque inicialmente pintado de verde. Só que marcará, por certo, o fim da biodiversidade, e, mais tarde ou mais cedo, de muitas formas de vida. No Brasil, em regiões como Maranhão, Minas Gerais, São Paulo, Piauí, Bahia e Mato Grosso do Sul, são já visíveis os efeitos das gigantescas extensões de eucaliptal na agricultura, nomeadamente na escassez de água que delas resultou. O risco de incêndio no solo é aí “prevenido” mediante a utilização de perigosos herbicidas como o glifosato. Infelizmente, contribuindo para a desinformação geral, alguns técnicos ambientais, engenheiros florestais e até académicos – que poderiam colaborar com o Estado se a Direcção Geral das Florestas não tivesse sido extinta – não se coíbem de abdicar da sua honestidade intelectual, aparecendo agora a emitir juízos aparentemente científicos na defesa acérrima do dito “eucaliptal ordenado”. É hoje, finalmente, bem evidente que a estratégia económica salvadora do país passa antes pela escolha de modelos agro-florestais defensivos do aquecimento global, amigos da vida em geral, com culturas e espécies mais resistentes às elevadas temperaturas de que, no futuro, muito dificilmente escaparemos. Tem de centrar-se no apoio público ao conhecido mosaico agro-florestal mediterrânico que inclui corredores sem combustível, gerados por fogo vigiado durante o período invernal. É este um caminho alternativo aos modelos baseados no crescimento rápido e na produção intensiva. É certo que os incentivos a este modelo implicarão o empenhamento do Estado na canalização de estímulos económicos aos proprietários. O montante de tais estímulos será, contudo, bem inferior ao da despesa que o Estado suporta todos os anos com o combate aos fogos. E também por essa via o Estado realizará o direito fundamental de todos a um ambiente seguro e equilibrado, direito que, inscrevendo-se no âmbito dos denominados direitos difusos, não tem vedada a respectiva tutela no plano individual (art.º 40, nº 4, da Lei de Bases do Ambiente).
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Juiz desembargador