sexta-feira, 26 de setembro de 2014

NOTÍCIAS À ESQUERDA 8

Parece que se anda mas marca-se passo. Os últimos episódios à direita com o Menezes, o Passos mais o Jardim evidencia o estado de podridão a que se chegou.
Entretanto continua a destruição sistemática da saúde, do ensino e da justiça e o abocanhar desse espaço pela ganância privada.
E o que faz a oposição?
O PS em campanha para ver quem será o candidato a Primeiro-ministro, à americana, por vezes com a campanha a cair em ataques baixos e fratricidas. O Bloco a caminho do seu congresso, o LIVRE a convidar os outros para assistirem ao seu congresso e mesmo poderem lá botar discurso. Os grupos dissidentes do Bloco a convidar para encontros e conversas e o PCP que não vai em conversas.
Temos mais um congresso em marcha,  o das alternativas para  de Outubro. Saiu um Apelo para que a esquerda se una e mais um Manifesto. E pronto, mais uns papéis para lerem.

Apelo a unidade da esquerda enviado a nove partidos
Por 22/09/2014
Um movimento “pré-eleitoral de unidade ampla e concorrente às próxima s eleições legislativas” com todas as forças de esquerda é o desafio lançado por um grupo de 15 cidadãos não conhecidos publicamente e enviado a nove forças partidárias há alguns dias.
O texto do apelo, dirigido “à esquerda e a todos os que se abstiveram” - e a que o PÚBLICO teve acesso -, diz que nas eleições de Maio a “derrocada dos partidos de direita não foi compensada com a hegemonia eleitoral do PS” e que está mesmo ameaçada a alternância entre PS e PSD.
“Que ninguém duvide: esta é a oportunidade histórica para que a esquerda se una”, defendem os subscritores. E desafiam: “Formemos um movimento comum de esquerda, sem temer a diluição de cada força partidária dentro de uma acção mais vasta.” A intenção é formar um movimento pré-eleitoral que traga uma “real alternativa de governação” que cuide do “bem comum e da justiça” – o objectivo da política que a esquerda deveria reivindicar.
O apelo foi enviado às direcções do PS, PCP, PEV, BE, Livre, PCTP/MRPP, MAS, POUS e PH e é encabeçado por Pedro Ferreira e Tomás Maia.
Para além dos partidos políticos de matriz de esquerda, o chamamento estende-se aos abstencionistas. “A unidade da esquerda dirige-se [também] à maioria da população que se tem abstido: quando já pouco resta de democracia em Portugal, o direito de votar tornou-se num dever.”
O tempo urge, lembram os subscritores. “Não há muitas abertas na história para que um movimento popular dê voz a si mesmo pacificamente e com os meios vigentes. Não hesitemos – antes que seja tarde para a democracia. E está a ficar tarde em Portugal e na Europa.”


  
Manifesto por um país
26/09/2014
Urge efectuar uma ruptura em relação às actuais orientações e práticas políticas europeias e nacionais.
Quem assina este Manifesto expressa a sua indignação, seguramente partilhada por tanta mais gente, perante o aviltamento de Portugal e o empobrecimento da esmagadora maioria dos portugueses ao longo dos três anos da troika, e de então para cá. Esse aviltamento traduz-se no ousado enriquecimento de alguns, à custa da dignidade, dos direitos e do valor do trabalho, e consequente fragilidade e miséria na exploração de tantos.
Quem na(s) última(s) legislatura(s) governou e impôs as medidas de austeridade, na Europa e em Portugal, desfrutando de um aumento exponencial da dívida pelos altos juros lucrativos com que foi negociada, levou os povos a uma austeridade e precariedade sem precedentes que atingiu a maioria, permitindo um abuso sem controlo por parte das elites financeiras nacionais e internacionais bem como das instâncias financiadoras.
São evidentes as consequências: desrespeito pelas regras constitucionais, enfraquecimento da democracia nas suas responsabilidades sociais (justiça tributária, Segurança Social, escola pública, Serviço Nacional de Saúde, etc.) e ameaças ao próprio exercício dos direitos democráticos.
Depois destes três anos angustiantes para a maioria dos portugueses, há que recuperar o país. Há que descartar as dissensões de Esquerda desnecessárias, de modo a ser viabilizada uma convergência quanto ao rumo de Portugal e ao seu lugar na União Europeia. Há que combater todo o conformismo e subserviência para, em vez disso, serem desenhadas alternativas concretizáveis que respondam aos múltiplos problemas do país, que são alarmantes.
Da parte de todos os homens e mulheres, cidadãos e cidadãs conscientes do que significa a dignidade humana, impõe-se, pois, um levantamento de carácter ético e cultural, que afirme antes de mais em Portugal e na Europa uma democracia de alta intensidade: criticamente participada, socialmente mais justa, culturalmente mais criativa e aberta ao pluralismo, politicamente democrática no sentido próprio da palavra, ou seja, em que a cidadania seja efectivamente exercida. Tudo isto a substituir a fictícia União actual, que é, afinal, União a mando de um só país, e os interesses de empresas e bancos nacionais, com o poder de impor aos países mais frágeis um Tratado Orçamental que mantém nessas sociedades uma austeridade sem fim à vista.
Ora com um milhão de desempregadas e desempregados, com a finança a cobrar a Portugal um resgate galopante, com o enfraquecimento da contratação colectiva, e ainda com um novo risco, já anunciado, o da imposição de círculos uninominais (que por via administrativa perpetuarão o bloco central), não é possível ficarmos apáticos numa irresponsabilidade fácil perante o presente e o futuro de tanta gente. Urge mudar a vida. E, porque mudar a vida significa mudar o rumo, urge efectuar uma ruptura em relação às actuais orientações e práticas políticas europeias e nacionais.
Em Portugal, esta ruptura só poderá ser iniciada com um pólo do vontades que mostre uma alternativa concreta, um leque de governantes capazes de cumprir um compromisso para refundar a política em termos do bem comum, com uma governação plural na sua composição, partidária e também independente, com pessoas livres de interesses pessoais e de grupo, mas convergindo nesse compromisso.
De forma a poder pôr fim a esta forma de austeridade que atinge os mais frágeis e simultaneamente permite a poucos beneficiarem da crise (enriquecendo ainda mais), sugere-se que sejam tomadas medidas neste sentido:
- reestruturar a dívida em termos dos seus juros, prazos ou montantes, para alcançar o resultado útil de uma redução drástica da dívida externa de modo a que a actual situação de protectorado termine;
- definir como propósito governamental central a qualidade de vida e a resposta às necessidades básicas de todos, para isso implementando as medidas necessárias (na saúde, na habitação, na educação, no emprego, na recuperação do valor real dos salários e pensões de reforma, no acesso de todos à cultura, etc.);
- dar prioridade a programas para a eliminação da pobreza e da marginalização étnica;
- tributar os fluxos financeiros e, pelo menos nos próximos 10 anos, tributar os lucros que não sejam reinvestidos em áreas do bem comum e criação de emprego, sancionando por isso a fuga de capitais e o enriquecimento ilícito;
- punir todo o crime financeiro de forma efectiva e com resultados visíveis para o bem da comunidade nacional;
- imaginar e modelar outras formas de vida em sociedade que tomem em conta o desgaste do eco-sistema, a exaustão dos recursos não-renováveis, reduzindo drasticamente a produção de bens supérfluos e o desperdício;
- identificar o rumo e a rota para Portugal dentro da UE, recusando o Tratado Orçamental e discutindo se Portugal deve ou não manter-se no euro;
- fazer do bem comum o critério maior: conciliando a abertura e o investimento nas ciências e nas tecnologias de ponta (energias renováveis, robótica com aplicação na saúde, na investigação, no bem-estar e cultura de todos) com uma crescente frugalidade de vida;
- proporcionar um quotidiano em que – satisfeitas as necessidades básicas de todos – haja espaço para a elevação do sentido estético, da dimensão cultural, do pensamento, da sensibilidade e da alegria de todos.
Algo novo requer uma política nova. É exactamente isto que exigimos: uma refundação da política para responder aos problemas do país. Sem perdas de tempo, sem divisões, sem demagogia. Queremos soluções e contribuiremos activamente para o seu debate.
Queremos que a próxima governação seja uma frente plural de esquerda com um programa contratual (com o país) para a recuperação nacional. Veremos quem poderá dar sinais nesse sentido, de modo a merecer a confiança da maioria de aqueles e aquelas que aqui habitam.
Yvette K. Centeno. Lisboa. Escritora, prof. jubilada UNL
Teresa Vasconcelos. Lisboa. Prof. ESE
Teresa Toldy. Porto. Teóloga. Prof. U. Fernando Pessoa. Inv. CES
Teresa Sousa de Almeida. Lisboa. Prof. UNL
Teresa Sá e Melo. Lisboa. Investigadora IST
Teresa Cadete. Lisboa. Prof. FLUL
Rui Vieira Nery. Lisboa. Musicólogo, prof. UNL
Rui Namorado Rosa. Évora. Investigador, prof. jubilado U. Évora
Rodrigo Meireles. Caminha/Porto. Economista
Rita Bastos. Lisboa. Prof.
Richard Zimler. Porto. Escritor
Paulo Cruz. Aveiro. Economista
Patrícia Fernandes. Viseu. Jornalista
Padre João Rodrigues. Viseu
Olímpia Fonseca. Lisboa. Func. pública
Norberta Pinho. Lisboa. Engenheira, prof. IST
Marta Lima Basto. Lisboa. Enfermeira
Mário Brochado Coelho. Porto. Advogado
Maria Vitória Vaz Pato. Lisboa. Ex-investigadora IN de Saúde
Maria Velho da Costa. Lisboa. Escritora
Maria Teresa Castro Laranjeiro. Guimarães. Médica.
Maria José Magalhães. Porto. Prof. FC Edu-UP
Maria Isabel Barreno. Caparica. Escritora, ensaísta
Maria Irene Ramalho. Coimbra. Prof. jubilada FLUC
Maria Helena Mira Mateus. Lisboa. Linguista, prof. jubilada FLUL
Maria Florinda Gouveia da Costa. Lisboa. Prof.
Maria Fernanda Rodrigues. Coimbra. Prof.
Maria do Rosário Pericão. Coimbra. Bibliotecária FEUC
Maria do Carmo Mourão Lito. Lisboa. Terapeuta ocupacional
Maria do Carmo Vieira. Lisboa. Prof.
Maria da Graça Marques Pinto. Viseu. Prof.
Maria da Conceição Moita. Lisboa. Prof. ESEL
Maria Benedicta P. Bastos Monteiro. Lisboa. Prof. jubilada ISCTE-IUL
Maria Andresen. Lisboa. Poeta, prof. FLUL
Maria Alzira Seixo. Lisboa. Ensaísta, prof. FLUL
Margarida Martins. Lisboa. Pres. Junta Freguesia Arroios
Margarida Gil. Lisboa. Cineasta
Manuela Silva. Lisboa. Economista, prof. jubilada ISEG
Manuela Franco. Coimbra. Prof. Português
Manuel Silva Carvalho. Lisboa. Médico
Manuel Carvalho da Silva. Lisboa. Investigador do CES, prof. U. Lusófona
Manuel Brandão Alves. Lisboa. Economista, prof. ISEG-UL
Luís Quintais. Coimbra. Antropólogo, poeta
Luís Moita. Lisboa. Prof. U. Autónoma
Luís Lucas. Lisboa. Actor
Luís Filipe Rocha. Ericeira. Cineasta
Lídia Martins. Coimbra. Graal, CCDRC
Lídia Jorge. Lisboa. Escritora
Lídia Costa. Vila Real. Economista
Lucy Wainewright. Lisboa. ESE
José Ricardo Nunes. Caldas da Rainha. Jurista, escritor
José Reis. Coimbra. Economista, prof. FEUC
José Mattoso. Lisboa. Historiador, prof. jubilado UNL
José João Abrantes. Lisboa. Prof. FD-UNL
José Gabriel Pereira Bastos. Lisboa. Antropólogo, psicanalista. Invest. FCSH-UNL. UNL
José Castro Caldas. Coimbra. Investigador CES (Núcl. Ciência Econ. Sociedade; Observ.º Crises e Alternativas)
Jorge Bateira. Coimbra. Economista, prof. FEUC
Joaquim Osório. Lisboa
Joaquim Louro. Vila Nova de Famalicão. Advogado
João Sollari Lopes. Lisboa. Bio-informático
João Sedas Nunes. Lisboa. Sociólogo, prof. UNL
João Maria André. Coimbra. Prof UC; encenador teatral
João Fernandes. Porto / Madrid. Subdirector Museu Reina Sofía
João Duarte Rodrigues. Lisboa. Editor
João Cutileiro. Escultor
João Barrento. Lisboa. Ensaísta e tradutor
Joana Rigato. Lisboa. Prof. e doutoranda
Isabel Sousa Pinto. Porto. Prof. FCUP
Isabel Sollari Allegro. Lisboa. Prof.
Isabel Matos Dias. Lisboa. Prof. FLUL
Isabel Keating. Coimbra. Psicóloga
Isabel Hub Faria. Cascais, Prof. FLUL
Isabel do Carmo. Lisboa. Médica SNS
Isabel Allegro de Magalhães. Lisboa. Graal, UNL
Irene Flunser Pimentel. Lisboa. Historiadora
Hermano Carmo. Lisboa. Prof. ISCSP-UL
Helena Neves. Lisboa. Prof. universitária
Helder Costa. Lisboa. Encenador, actor
Guilherme Fonseca. Lisboa. Ex-juiz Supremo Tribunal Administrativo
Graciosa Veloso. Lisboa. Prof. ESE
Graça Morais. Bragança / Lisboa. Pintora
Gastão Cruz. Lisboa. Poeta, ensaísta
Frei Bento Domingues O.P. Lisboa
Filomena Cravo. Linda-a-Velha. Prof.
Filomena Barros. Lisboa. Prof. U. Évora
Fernando Pereira Bastos. Lisboa. (Estudos de mercado e opinião)
Fernando Martinho. Lisboa. Prof. FLUL
Fernando Gomes da Silva. Lisboa. Engº Agrónomo
Fernanda Rodrigues. Coimbra. Prof.
Fernanda Henriques. Vila Franca de Xira. Prof. U. Évora
Fernanda Branco. Vila Franca de Xira. Prof.
Fátima Proença. Lisboa. ACEP
Fátima Grácio. Lisboa. Graal, ex-pres. Fundação Cuidar o Futuro
Eugénia Vasques. Lisboa. Prof. Escola Superior Teatro
Elsa Lechner. Coimbra. Investigadora CES
D, Januário Torgal Ferreira. Bispo emérito
Cristina Loureiro. Lisboa. ESE
Constança Providência. Coimbra. Dirª. Dep.º Física FCTUC
Conceição Amaral. Lisboa. Dirª. Museu Artes Decorativas
Cláudio Torres. Mértola. Arqueólogo
Cláudio Teixeira. Almada. Prof. ISCTE-IUL
Clara Keating. Coimbra. Linguista, prof. FLUC
Celso Araújo. Lisboa. Engenheiro do ISQ
Celeste Lameira. Almalaguês. Ex-dirigente Sindicato Calçado Aveiro / Coimbra
Carmo Bica. Viseu. Engenheira agrícola
Carlos Albino. Lisboa. Jornalista
Bernardo Colaço. Lisboa. Juiz conselheiro jubilado
Assunção Folque. Lisboa. CNE. Prof. U. Évora
Armando Silva Carvalho. Peniche. Escritor
António Vieira. Lisboa. Escritor
António Pereira Bica. Lisboa. Advogado
António Neto Brandão. Aveiro. Advogado
António Machado Lopes. Lisboa. Economista
Ana Vidigal. Lisboa. Artista plástica
Ana Maria Pereirinha. Lisboa. Editora
Ana Maria Almeida Serôdio. Lisboa. Prof.
Ana Luísa Amaral. Porto. Escritora. FLUP
Ana Henriques. Alverca. Médica SNS
Ana Drago. Lisboa. Socióloga
Almerinda Teixeira. Almada. Geógrafa
Alice Caldeira Cabral. Évora. Trabalhadora Social
Alfreda Ferreira da Fonseca. Lisboa. Prof.
Alda Maria Sucena Couceiro. Coimbra. Farmacêutica
Alexandre Quintanilha. Porto. Cientista IBCM-UP
Adel Sidarus. Évora. Orientalista. Prof. jubilado U, Évora. MPPM, Metanoia
Alberto Melo. Faro. Associação in Loco. U. Algarve
Alan Stoleroff. Lisboa. Prof. ISCTE-IUL
Adelino Gomes. Lisboa. Jornalista
Abdool Magid Vakil. Lisboa. Economista

sábado, 13 de setembro de 2014

SOAM DE NOVO TROMBETAS DE GUERRA!

Dois artigos que ajudam a pensar e a compreender o tempo presente.

Crítica da razão impura
JOÃO CARAÇA 
12/09/2014
Esta ‘crise’ é civilizacional. O período à nossa frente é de luta sem quartel.
Não se pode duvidar de que todos os nossos conhecimentos começam com a experiência, são as palavras com que Immanuel Kant inicia o seu monumental tratado publicado em 1781. «A experiência é madre das cousas…» já lembrava o grande universalista Duarte Pacheco Pereira nos dias venturosos de 1508.  Devemos pois considerar seriamente a experiência.
De facto, a experiência que estamos a viver nesta crise prolongada tem-nos ensinado e feito reflectir muito sobre o estado das coisas neste mundo. Um estado a que presentemente assiste uma razão muito impura. Porque não acredito que os males que nos afligem sejam apenas obra e graça dos Espírito Santos.
Fomos fracos. Ano após ano, década atrás de década de propaganda sistemática e envolvente levaram-nos a não querer ver nos Estados Unidos o centro de uma organização hegemónica quase-imperial -- que ordenou o sistema-mundo durante a maior parte do século XX -- e a não aceitar os europeus ocidentais como seus satélites. Não, nós éramos os ‘aliados’. Satélites eram os países do leste europeu em relação à União Soviética. E como num filme, assistimos de olhos esbugalhados à implosão do ‘império’ soviético, de cujo fragor ideológico a esquerda ainda não se recompôs. Porém a Rússia continua a desempenhar um papel de peso na cena internacional, embora com outros contornos.
Apelidar as nossas sociedades de capitalistas era coisa que parecia mal, que só podia significar apoio à causa do comunismo internacional, enfim, ao diabo! Era uma traição à ordem democrática do nosso mundo. E, no entanto, o capitalismo não é apenas um regime do poder económico como nos quiseram impingir mas sim uma verdadeira ordem social institucionalizada, tal como o feudalismo de outos tempos. Tanta foi a propaganda e a desinformação que ainda nos custa admitir que o sistema-mundo em que vivemos desde o século XVII e que tantas glórias (e desgraças) trouxe às Europas foi impulsionado pela acumulação consentida de capital. O capitalismo é um produto histórico, como todas as outras estruturas e instituições que os humanos criaram e utilizaram. Assim como teve um começo, terá um fim.
O problema é que o fim do capitalismo tem sido anunciado desde há mais de um século a esta parte. E ainda que a morte do capitalismo será o ponto de partida para uma sociedade mais justa e melhor. Mas nada disto parece ter acontecido. Ou seja, provavelmente teremos de deixar de pensar nestes termos.
A última transição histórica, do feudalismo para o capitalismo, demorou uns duzentos anos, dois longos séculos de grandes incertezas e complexidade. Ninguém adivinharia que uma sociedade capitalista ia surgir dos escombros do mundo feudal. Assim deveremos pensar hoje. O fim do capitalismo corresponde a uma época de fragmentação, de descoordenação, de retorno a um capitalismo selvagem que só ajuda à desordem instalada. O seu estertor não resulta de uma decisão colectiva em direcção a um futuro melhor. Antes fosse… pobre Ocidente, que inventou a história como base para compreender a transformação social, que agora vê a evolução não ter sentido e os valores que apregoou como universais serem pisados e abusados.
Um projecto de investigação plurianual coordenado por Immanuel Wallerstein, apoiado pela Fundação Calouste Gulbenkian e cujos resultados são publicados neste mês de Setembro num livro com o título “The Time is Out of Joint” (O Tempo está Desconjuntado -- uma citação bem conhecida doHamlet) ao analisar a evolução do sistema-mundo nos últimos quatrocentos anos conclui exactamente que o efeito das sucessivas e sistemáticas polarizações induzidas pelo funcionamento capitalista das nossas sociedades gerou uma situação de enormes incertezas e onde a complexidade impera.
É este o mundo em que vivemos. Porque durou tanto (ou tão pouco) esta situação a manifestar-se? O capitalismo, que no topo privilegia apenas um pequeno número de seres humanos, precisa para sobreviver da cumplicidade activa da sociedade que domina, como muito bem explicou Fernand Braudel. O Estado-nação moderno não criou o capitalismo, mas herdou-o. E o capitalismo triunfou porque conseguiu identificar-se com o Estado no processo de expansão das nações europeias pelo mundo. A acumulação indefinida de capital ‘casava’ bem com a noção de progresso iluminista de que ‘mais é melhor’.
Por outro lado, os Estados-nação liberais – impondo por intrínseca necessidade uma divisão dos poderes por diferentes órgãos de soberania – tornaram mais fácil a sua captura por parte do poder financeiro. O recurso periódico a eleições obriga os representantes políticos a apresentarem-se para escrutínio pelo povo todos os 4 ou 5 anos – criando a oportunidade de uma avaliação primária regular dos seus préstimos pelas elites do capital, que não se coíbem de interferir nas campanhas eleitorais quando os seus superiores interesses estão em causa. O prazo é curto: a rédea também.
O capitalismo adaptou-se bem à luta pela vida no mundo moderno. Recorre e provoca sistematicamente crises, no decorrer das quais se metamorfoseia e apura, eliminando as peles mortas. Mas é condicionado pelas oscilações e roturas que limitam o sistema-mundo.
Na primeira metade do século XX o centro do sistema-mundo deslocou-se de Londres para a costa leste dos Estados Unidos, no rescaldo das guerras mundiais que derrotaram a Europa. As sociedades capitalistas modernas americanizaram-se – a maior ou menor contragosto – e o capitalismo adoptou como figura central a grande empresa industrial, hierarquizada e integrada. Contudo, a dinâmica da sociedade industrial estava esgotada, já dera os seus frutos, e o mecanismo ‘gripou’, com a abertura da China à economia mundial e a nova demografia do globo, com as ‘crises do petróleo’ e as novas tecnologias da informação. O capitalismo financeiro reagiu, transmutou-se em ‘informacional’, tomou a liderança do sistema e continuou a fazer mais do mesmo: acumular até não poder mais, agora através da globalização das finanças, da deslocalização da indústria, dos direitos da propriedade intelectual e do crédito barato – uma ‘perestroika’ à americana. Os paraísos fiscais multiplicaram-se… e as grandes fraudes também.
E nós, crédulos, acreditámos na propaganda do grande sucesso americano, que tão somente ocultava a enorme ineficiência e desperdício da economia no centro do sistema-mundo. Alguém teria finalmente de pagar a factura: caiu em sorte (ou melhor dizendo, azar) aos suspeitos do costume: aos ‘aliados’ da Europa e aos mais ou menos dependentes latino-americanos e asiáticos. Iludidos ou não com o génio, o conhecimento e a audácia dos financeiros globais dos reinados de Bush, Clinton & Bush, os povos da periferia têm de pagar sempre, e com juros… a dívida da cupidez privada do centro deve ser irrevogavelmente transferida para a esfera da responsabilidade pública indígena. Está nos manuais. E a razão - impura – impera: a punição é devida por uma ‘vida acima das possibilidades’.
Só que o tempo joga contra o capitalismo financeiro: assim como o feudalismo foi destruído pelo aparecimento da artilharia, o capital sem fronteiras já foi vencido (embora se recuse a admiti-lo) pela introdução das armas nucleares, que funcionam como a garantia final da soberania territorial. Afinal, este é um segredo de Polichinelo: nenhuma potência nuclear vai admitir que as suas fronteiras sejam violadas através de operações que não controlem ou que as destabilizem. Por enquanto isso poderá não parecer evidente, pois a Índia e o Paquistão ainda não emergiram completamente do 3º mundo e as ogivas nucleares das forças inglesas são americanas. No continente europeu apenas os russos e os franceses possuem um poder nuclear autónomo (estes, graças ao general de Gaulle); o resto ‘repousa’ maioritariamente sob a égide da aliança atlântica ou mesmo na existência de bases militares americanas, como acontece em solo alemão. Mas o mundo não pára - talvez nesta perspectiva melhor se percebam os porquês da questão nuclear iraniana e porventura se entenda como a guerra no Médio Oriente traz um tão perigoso potencial de disrupção.
Creio que o capitalismo como sistema histórico encontrou o seu fim (o que não quer dizer que desapareça de hoje para amanhã) e que Francis Fukuyama se enganou redondamente ao não qualificar o seu “fim da história” como “o fim da história moderna”. A acumulação (pretensamente) infinita de capital financeiro intangível já não engana nem seduz ninguém – é apenas mais um Eldorado estafado cujos destroços atravancam o caminho do futuro. Futuro esse que aos olhos de hoje parece tão incerto e complexo como o ‘Destino’ que assombrava as mentes dos nossos antepassados de Quinhentos. A crise revela apenas a transição; a complexidade traduz a magnitude da transformação. Estacrise’ é civilizacional. O período à nossa frente é de luta sem quartel. Há que estar equipados, intelectual, material e fisicamente para a travar.
No meio disto tudo, quem eram os Espírito Santos? Ninguém, tal como o romeiro da célebre peça de Almeida Garrett. Uns desenraizados, vivendo (estes sim) acima das suas possibilidades, apenas porque nos anos 1980 a CIA e um ex-embaixador americano entenderam que o governo português devia trazer uns cacos das antigas elites financeiras da paróquia para legitimar a reprivatização da banca. Sem controlo de qualidade. Claro que ia dar asneira. Uma má educação sai sempre cara.
O que poderemos então antever? O século XVII viu o aparecimento da ciência moderna – e todo um mundo novo começou a fazer sentido. Assim esperemos que aconteça, no decurso mais ou menos longínquo deste século. Só podemos aspirar a que a bifurcação por onde estamos a enveredar seja a de uma nova ciência e a de uma nova educação que nos voltem a encantar com o que descobrirmos no universo e na vida.

Físico e professor universitário

Privatização da guerra, já!
MÁRIO VIEIRA DE CARVALHO 
11/09/2014
A situação caótica a que chegámos na Europa não é separável da situação caótica da economia mundial ou dos interesses e princípios que a desgovernam desde o início dos anos 80.
A gestão desastrada da crise da Ucrânia teve a sua origem na sofreguidão com que a União Europeia quis roubar à esfera de influência da Rússia um enorme pronto-a-usar de matérias-primas e mão-de-obra barata. Para animar o mercado único europeu, tão definhado, um balão de oxigénio assim vinha mesmo a calhar. Os “investidores” (leia-se: especuladores) já salivavam com a perspetiva das “pipas de massa” com que iriam cevar a sua insaciável gula. Coisas demasiado apetecíveis para continuarem somente a saque das oligarquias do Leste.
Tudo começou com La Grande Bouffe servida por Ieltsin, a qual, porém, não passou de um pequeno episódio desse outro saque de dimensões outrora inimagináveis que tem vindo a exaurir os recursos materiais e humanos à escala planetária e acabou por atingir, para surpresa de muitos, o coração da própria Europa Ocidental. Nada nem ninguém parecem hoje a salvo do ímpeto destruidor da nova ordem económica mundial. Esta transformou-se numa verdadeira “arma de destruição maciça”. O grau de destruição mede-se não só em milhões e milhões de pessoas condenadas ao desemprego, à pobreza, à fome, à doença, ao analfabetismo, à iliteracia, à exclusão social, à escravidão, à morte prematura (não esqueçamos a mortalidade infantil), mas também em catástrofes ambientais de dimensão e consequências cada vez mais assustadoras. Que nome merecem aqueles que instituíram e gerem esta nova forma totalitária de “banalidade do mal” – seja como seus beneficiários diretos, seja como seus agentes? “Terroristas” não será um nome apropriado? Numa época marcada pelo “relativismo” ou “contextualismo”, aceitemos que também em matéria de “terrorismo” tudo depende, afinal, do ponto de vista!
Passando das “armas de destruição maciça” da guerra económica para as “armas convencionais” (por enquanto!) da esfera militar, quem será mais “terrorista” do ponto de vista da vítima: O lançador de rockets de Gaza que ameaça a segurança dos vizinhos e causa aleatoriamente algumas mortes, ou o Estado de Israel que bombardeia com a mais apurada precisão tecnológica casas e bairros de habitação, exterminando famílias inteiras que lá vivem encurraladas? Os jihadistas, que fazem exposição pública mediática das suas atrocidades, ou os militares argentinos e chilenos que as perpetravam à porta fechada, durante a ditadura, sob a cândida indiferença da CIA? Os rebeldes de Donetsk que lutam de armas na mão para impor negociações sobre o estatuto do território, ou o governo de Kiev que não os reconhece como interlocutores e insiste em resolver o conflito à bomba?
Nem mesmo um observador de segunda ordem conseguirá dar uma resposta satisfatória a estas questões. De qualquer modo, parece ser hoje óbvio que a situação caótica de conflitos armados a que chegámos na Europa e imediações não é separável da situação caótica da economia mundial ou dos interesses e princípios que a desgovernam desde o início dos anos 80.
No entanto, aqueles que demonizam o investimento público e pretendem levar até ao fim o seu projeto de desmantelamento do Estado são os mesmos que já acenam de novo com o espetro duma guerra na Europa. Talvez vejam nela uma solução caída do céu para o desemprego em massa.
Mas, que pretenderão eles exatamente: reabilitar agora, para fazer a guerra, as virtudes do investimento público que sempre renegaram na paz? Acabar com a austeridade, para armar exércitos, enquanto recusam suspendê-la para gerar emprego, desenvolvimento humano e coesão social?
Se a austeridade é para manter, há que extrair as consequências. Privatize-se também a máquina militar, já que não há pátrias a defender, mas sim apenas poderosos interesses  privados – transnacionais e transterritoriais – dissimulados sob diferentes máscaras.
Professor Catedrático Jubilado (FCSH-UNL)