quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

1º de Dezembro


https://www.youtube.com/watch?v=CX2roSxua3k



https://youtu.be/et7htg-wHZA?t=14



https://youtu.be/HmSh5iBW9rI?t=22



O Hino da Restauração , foi criado, em 1861, por Eugénio Ricardo Monteiro de Almeida (1820-1869) para uma peça teatral – 1640 ou a Restauração de Portugal. dedicada ao rei D. Pedro V e estreada no dia de aniversário do rei-viúvo D. Fernando II. O Hino da Restauração era o tema que acompanhava a apoteose final de coroação de D. João IV. Criado em plena Monarquia, a letra deixava de poder ser cantada após a proclamação da República.  Porém, a grande popularidade do Hino, permitiu-lhe sobreviver ao repúdio que maioritariamente os símbolos monárquicos provocavam e a letra terá sido adaptada, tanto mais que foi o regime republicano que determinou que o dia 1º de Dezembro fosse feriado nacional. O hino foi amplamente utilizado pelo regime ditatorial que de Maio de 1926 a Abril de 1974 ocupou o poder. Eis algumas das alterações feitas à letra. A letra original dizia:

Lusitanos é chegado o dia da redenção. /Caem do pulso as algemas. /Ressurge livre a Nação.

Sendo substituída por:

Portugueses celebremos o dia da redenção/em que valentes guerreiros/nos deram livre a Nação.

 Onde se dizia: 

O Deus de Affonso, em Ourique/Dos livres nos deu a lei:/Nossos braços a sustentem,/Pela pátria, pelo rei

Passou a dizer-se:

A Fé dos Campos d’Ourique/Coragem deu, e Valor,/Aos famosos de quarenta,/Que lutaram com ardor.

 Foram também da letra original retiradas as referências à Casa de Bragança. Tudo isso é natural. Registe-se que o hino sobreviveu à febre antimonáqrquica e sobreviveu ao aproveitamento que o regime salazarista dele fez. Os portugueses, em geral, não conhecem a letra, mas sabem de cor a música. Veja-se com que entusiasmo o cantam em Elvas.

O governo Passos/Portas com a aprovação do Parlamento e o silêncio do Cavaco na altura Presidente da República, extingue um feriado que a I República criou, conservando feriados religiosos que só os crentes (talvez) saibam o que significam. Um feriado, que, símbologia monárquica aparte, possuem um alto significado patriótico. Mas as datas significativas para os patriotas, nada significam para quem tem outras fidelidades a respeitar. O Hino da Restauração entra na categoria das «canções de intervenção».





O FERIADO RECUPERADO

Mais do que um simples feriado o 1º de Dezembro tem uma simbologia marcante. Hoje não é contra Espanha, mas sim a memória da recuperação de uma identidade histórica, cultural e linguística que já tinha séculos de existência.

A diversidade peninsular é uma riqueza e seria ainda maior se a Catalunha, o País Basco e mesmo a Galiza tivessem  organização política num grau superior às actuais autonomias. A Ibéria que foi durante séculos objectivo de hegemonização castelhana (que ainda perdura nos nacionalistas reaccionários espanhóis), o qual causou inúmeras guerras e batalhas, deixando um lastro de destruição, violência e atraso.

Sem o 1º de Dezembro de 1640 estaria neste momento a escrever em castelhano e a nossa língua seria uma recordação histórica só estudada e conhecida por historiadores e linguistas interessados, e perdido um conjunto de sons e gestos com os quais comunicamos sem qualquer ganho para a humanidade.

Vem isto a propósito de um livro que leio nesta tarde chuvosa, de Thomas Piketty (alguns o consideram exageradamente o novo Marx), que se intitula "Podemos salvar a Europa?"

Livro para se ler devagar e pensar sobre o que se lê. A Europa e não só a UE atravessa uma crise que assusta, vemos como regressam e ganham espaço as ideias fascistas que dominaram parte da Europa no Secº XX, que provocaram guerras civis, duas guerras mundiais destruindo países, enchendo os cemitérios com dezenas de milhões de mortos e dezenas de milhões de refugiados vagueando sem futuro fora das suas zonas de origem.

- Qual a causa?

A principal do mal estar europeu é a economia ao serviço do lucro, da ganância impune, e não ao serviço das pessoas.

Durante a maior parte da minha vida, raiano como sou, ir a Espanha era um problema apesar dos regimes semelhantes dos dois lados da fronteira. Esta era mais do que um limite geográfico, era um muro muito mais forte e eficaz do que o muro do Trump. Era o muro do silêncio.

Não quero regressar a esses tempos, de nacionalismos excluindo os outros, de fronteiras físicas, políticas e culturais fechadas a cadeado. Quero a diversidade europeia que enriquece e na qual posso viajar com a mesma moeda, passando fronteiras respeitando quem lá está.

Temos é de combater as ideias do retorno às fronteiras, ensimesmadas em si mesmo, de nacionalismos violentos sem futuro no mundo que se globaliza ao toque dos interesses da exploração do trabalho. Sim, acredito que Podemos salvar a Europa.

MCoelho











Para terminar junto um artigo esclarecedor sobre o folhetim da Caixa Geral de Depósitos.



Ricardo Cabral



O pânico é mau conselheiro

1 de Dezembro de 2016

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Em matéria financeira e de banca a percepção importa mais do que os factos, para o bem e para o mal. Por essa razão, sobretudo após a apresentação, imperfeita e “às pinguinhas” do plano de recapitalização da Caixa Geral de Depósitos (CGD) proposto por António Domingues, passou a ser facto assente que a CGD necessita de um muito significativo aumento de capital, que o Ministério das Finanças informa será de cerca de 5,2 mil milhões de euros.

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A CGD, de acordo com a informação disponível, cumpre os requisitos legais exigíveis mas, segundo a imprensa, terá falhado o teste de stress no cenário adverso em 2 mil milhões de euros. Mas vejamos.

Os rácios de capital da CGD estão confortavelmente acima dos rácios mínimos obrigatórios. O rácio de capital que se afigura mais importante, o rácio de alavancagem financeira, era de 5,7% no final de 2015, quase o dobro do valor mínimo recentemente proposto pela Autoridade Bancária Europeia (3%).

Em contraste, o Deutsche Bank e o Santander declaram possuir rácios de alavancagem financeira de 3,4% e 4,9% respectivamente. Acresce que a CGD, é um dos bancos nacionais que menos depende do financiamento do Eurosistema e possui uma posição de liquidez robusta.

O anterior Governo e o Banco de Portugal negociaram com a Comissão Europeia um acordo de recapitalização da CGD desastroso para a Caixa e para o País. Entre outras coisas obrigou à venda da posição na Caixa Seguros (que incluía a Fidelidade) e de participações consideradas não estratégicas pelo anterior Governo, como a Cimpor e a PT, com as consequências que são hoje conhecidas (desmantelamento da Cimpor e da PT, venda da Fidelidade à Fosun).

Além disso a “recapitalização” da banca, em 2012, foi insatisfatória porque realizada em larga medida através de empréstimos subordinados (os chamados “CoCos”). Em resultado, a CGD está obrigada a devolver 960 milhões de euros de CoCos ao Estado e essa é, no presente, uma das principais dificuldades enfrentadas pela CGD.

Finalmente, o principal desafio é o crédito em risco (12,3% do total) e o crédito vencido (7,2% do total). Mas, o primeiro está coberto por imparidades ou provisões a 63% e o segundo a 103%. Insuficiente, argumentarão alguns.

Mas, considere-se, por exemplo, o caso do Nord/LB, que é um dos maiores bancos públicos e um dos maiores bancos comerciais da Alemanha. É certo que o crédito vencido desse banco representa apenas 4,8% do crédito total (em comparação com os 7,2% da CGD), mas o crédito em risco representa 11,2% do crédito total (CGD 12,3%). E além disso as provisões do banco relativas à carteira de crédito são diminutas, se compararmos com a CGD: representam 17% do crédito em risco e 40% do crédito vencido.  O rácio de alavancagem financeira desse banco era de 4,3% no final de 2015. Muito abaixo, por conseguinte, do rácio de alavancagem da CGD.

Sendo assim, porque é que se está em pânico acerca da CGD e não acerca do Nord/LB? O medo é mau conselheiro. E as autoridades portuguesas competentes fariam bem em proceder com muita cautela e de modo muito seguro, à semelhança do que fazem a Alemanha e a Itália com os seus maiores bancos.

António Domingues e a sua equipa demitiram-se. O Governo pretende agarrar-se ao plano de António Domingues para a CGD e obrigar a futura administração a segui-lo à risca. Compreende-se que não queira pôr em causa o “pré-acordo” com Bruxelas. Mas faria bem em recomeçar de novo, não só em relação à administração da CGD, como também em relação ao plano de recapitalização e de reestruturação da CGD.




sábado, 12 de novembro de 2016

ELEIÇÕES TRUM(CADAS)P...



As eleições nos USA coincidiram com três dias de grande balbúrdia na minha vida pessoal e familiar. Fui acompanhando pelo canto do olho o acontecimento e na noite de terça para quarta, pelas 2H da noite quando me fui deitar ia já convencido da vitória do Trump.

Mais uma vez as sondagens falharam, ou porque perguntaram às pessoas erradas para obter as respostas que queriam para manipular a opinião pública, ou porque  jornais e jornalistas vivem também em mundos viciados e contaminados pelo poder político e económico.

Hoje é que tive tempo para ler os jornais acumulados, e fiquei espantado como tanta gente sabia as causas e os efeitos da vitória Trump mas depois de encerradas as urnas. Diagnósticos depois do jogo é fácil, mas não me recordo de antes ter lido estas profundas análises políticas, sociológicas e até psicológicas do candidato e do povo americano.

É a terceira vez que nos USA "ganha" o candidato que menos votos obteve, neste caso a Clinton teve mais 395 votos.

Mas, nuns com mais clareza, em outros de forma mais camuflada, o denominador comum começa a responsabilizar a política económica e financeira do liberalismo (uso este termo para simplificar) como a causa fundamental da crise de 2008 e do fenómeno Trump, o empreiteiro vigarista da especulação imobiliária que durante 18 anos não pagou impostos e depois de eleito presidente fala só em reconstruir estradas, pontes, cidades etc.

Foi uma campanha Trump baseada nos medos das vítimas do liberalismo, cada vez mais desorientadas com o declínio e degradação da democracia, que olham em volta e não encontram alternativas partidárias que os representem e nas quais acreditem quer nos USA quer em muitos países da UE e não só. Num país de emigrantes, no começo só existiam os índios, assistimos a um ataque xenófobo contra o outro, o "invasor criminoso!". Nada aprenderam com o Brexit, com a Le Pen, com Orban, os polacos, o Duterte, o Farage, o Geert Wilders, o Temer, a extrema direita que se fortalece na Finlândia, Áustria, Itália, Alemanha e mesmo os Erdogans e Putins deste mundo, ou como um Junker que preside à Comissão da UE depois de andar anos e anos a transformar o Luxemburgo num paraíso fiscal, sonegando dinheiro para ele de impostos que deveriam ser pagos em Portugal, ou dessa Holanda do holandês de nome esquisito que preside ao Eurogrupo e que se converteu também em paraíso fiscal para os "belmiros e santos" portugueses, ou dos "durões" que transitam alegremente de cargos políticos importantes para as cadeiras estofadas de bancos odiados pelo seu papel na destruição da vida de milhões de pessoas.

O envergonhado diagnóstico da causa propõe, para tratar o doente, mais do mesmo veneno, mais CETA, mais TTIP, mais punições a países forçados a endividarem-se para conseguirem atenuar a irresponsabilidade de "ceos" pagos a preço de ouro que arruinaram a economia mundial, continuação dos paraísos fiscais, degradação ou eliminação dos serviços públicos (saúde, educação), privatização da justiça e mesmo da polícia e forças armadas, fim dos direitos sociais e laborais, imprensa "domesticada", manutenção das guerras de "baixa intensidade" etc.

Caricato e que deve regozijar muita gente é vir de Trump a classificação da NATO como coisa obsoleta a pôr fim. Quem diria!

O medo tem cheiro, acho que já se sente o enxofre.

MC
Junto dois textos que na minha opinião são oportunos e esclarecedores.


Agora é mesmo a sério
12/11/2016
Substituindo “migrações” por “judeus”, parece que estamos em 1933: o que os nazis pretendiam fazer com os judeus era, também então, “vital” para a Europa e para a Hungria, que em 1938 adotou legislação própria para os discriminar; em 1942-44, 600 mil judeus húngaros foram mortos.
1. A vitória de Trump normaliza a extrema-direita. Trump passará a ser tratado com toda a normalidade pelos media e pelos governos. Como se um novo tempo tivesse começado – ou regressado... O primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, acha que, com a vitória de Trump, a “civilização quebrou uma barreira ideológica para regressar à verdadeira democracia”. Somando o que tem sido o governo de Orbán e as propostas de Trump, a “verdadeira democracia” que aí vem é feita de policiamento e militarização generalizados, controlo dos media, racismo e intimidação das minorias, manipulação das maiorias. Que a extrema-direita tenha conseguido convencer grande parte da opinião pública de que estas são opções necessárias para resolver os nossos problemas, que se trata de bom senso depurado de politicamente correto, é porque uma grande parte do espaço mediático e de quem domina politicamente o Ocidente assumiu as mesmas bandeiras e práticas. É por isso que, para Marine Le Pen, a vitória de Trump “não é o fim do mundo [mas] apenas o fim de um certo mundo” - por outras palavras, o fim de um regime. E a promessa de um novo.
2. Uma sociedade que sacraliza a riqueza escolhe ricos para a representar. Trump, como já Berlusconi o foi, é um símbolo da suprema aspiração do capitalismo: transformar o dinheiro em exercício de poder e domínio sobre os outros. Para esta gente, quem é rico é-o por mérito próprio - o mérito de manipular o mercado, da lei do mais forte e da conquista de espaço mediático. Trump e Berlusconi fizeram fortuna à custa de ligações com o mundo político e judicial, esfregando nos olhos do boquiaberto espetador de TV a sua riqueza e os produtos dela.
Um dia, ou porque os seus emissários no poder político caem em desgraça (caso de Berlusconi nos anos 90), ou porque o ego os empurra para a aventura, lançam-se diretamente na arena política e apresentam-se como campeões da mesma retórica anti-plutocrática do fascismo dos anos 30: um dos homens mais ricos dos EUA, que está no centro da oligarquia americana, denuncia as maldades do sistema e promete vingar as vítimas do empobrecimento.
Há 80 anos, os nazis diziam exatamente a mesma coisa – mas, salvo os judeus cujos bens foram expropriados, nunca os grandes patrões alemães ganharam tanto dinheiro como sob o nazismo, guerra incluída. Pelos vistos, não há nada de mais convincente que um rico que, em nome dos pobres, se queixa dos outros ricos. “Quem criou este pesadelo em que nos encontramos  foi o neoliberalismo”, cuja “mundividência é plenamente corporizada por Hillary Clinton e a sua máquina”, lembra Naomi Klein. “O que é preciso entender é que há um monte de gente em sofrimento. Sob políticas neoliberais de desregulação, privatização, austeridade (...), os seus padrões de vida caíram a pique. Perderam empregos, pensões, muita da rede de segurança que costumava tornar menos assustadoras as suas perdas. Anteveem o futuro dos seus filhos ainda pior do que o seu presente precário.” Se a sua resposta é “atacar imigrantes e negros, insultar muçulmanos e humilhar mulheres”, limitam-se  a reproduzir os comportamentos de quem manda (Guardian, 10.11.2016).
3. O racismo à solta. Orbán já em julho dissera que “a política externa e de migrações defendida [por Trump] é boa para a Europa e vital para a Hungria”. Substituindo “migrações” por “judeus”, parece que estamos em 1933: o que os nazis pretendiam fazer com os judeus era, também então, “vital” para a Europa e para a Hungria, que em 1938 adotou legislação própria para os discriminar; em 1942-44, 600 mil judeus húngaros foram mortos. A euforia da extrema-direita sente-se já todos os dias na rua, nas agressões a negros, a latino-americanos e a muçulmanos nos EUA, na caça ao estrangeiro na Grã-Bretanha, na perda total da vergonha racista em França, na Alemanha, na Europa Centro-Oriental.
A vitória de Trump confirma (como antes as de Berlusconi) que é perfeitamente possível assumir um programa desavergonhadamente racista contra uma parte dos subalternos (muro contra mexicanos=violadores e criminosos; expulsão de refugiados sírios; intimidação dos afroamericanos; humilhação de mulheres e de minorias sexuais) e ganhar-se a condescendência da maioria: “ele não fará nada do que diz...”, é o que julgam muitos dos que nele votaram. Os livros de História estão cheios de citações de quem, com Hitler, julgava exatamente o mesmo. A extrema-direita ainda pode ser travada. Mas só se levada a sério e a sério combatidas as condições que permitem o seu avanço.


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Trumpificação e o que de pior poderia haver em 2016
Por Francisco Louçã
12/11/2016
Tome nota, por favor: o centro deste risco é a Europa, que acumulou os maiores erros ao longo da década e os vai pagar agora com a trumpificação da sua política na França e na Alemanha.
No final de 2015, diversas instituições publicaram as suas listas de pesadelos sobre tudo o que de pior poderia acontecer em 2016. Em resumo, temiam três famílias de riscos, a que chamam os “cisnes negros” ou o improvável mas que pode ocorrer: Brexit e crise europeia, acidentes financeiros e degradação económica, eleição de Trump e crise da globalização. Admitia-se então que estes seriam cenários extremos e pouco prováveis. Ora, só com mês e meio para ver o que mais virá neste ano, o quadro já não é simpático.
A Bloomberg, baseada em inquéritos a empresários de topo, fez então um ranking dos pesadelos e apresentou um gráfico com o cálculo dos seus efeitos. Os três piores seriam um ataque do Daesh aos pipelines do Médio Oriente fazendo subir o preço do petróleo, o Brexit e um ciberataque destrutivo contra a banca internacional.
A eleição de Trump, em contrapartida, só seria viável se Clinton desistisse. Provocaria uma grande incerteza que favoreceria a indústria militar, um arranjo com a Rússia para uma nova Guerra Fria deslocada para o Pacífico e impactos imprevisíveis na ordem internacional, mas seria do domínio dos impossíveis. Na União Europeia, o pesadelo seria a saída do Reino Unido, o enfraquecimento de Merkel e o recuo do BCE na política de expansão monetária. Na economia, os piores cenários seriam um fraco crescimento chinês ou a aceleração do aquecimento climático com efeitos devastadores na agricultura e acesso a água. Outro focos de tensão poderiam ser o Brasil se Dilma fosse afastada e a Venezuela se a crise se prolongasse. Como é bom de ver, os pesadelos chegaram pela calada do dia.
Outra instituição que apresentou os seus cenários foi o The Economist: o pior, embora com baixa probabilidade, seria a eleição de Trump, que destabilizaria a economia global. A União Europeia poderia fracturar-se se o Reino Unido saísse, se a crise dos refugiados criasse novas tensões internas e atingisse Merkel e se a Grécia fosse empurrada para fora do euro.
De tudo isto, já temos quanto baste – mas só pode piorar.
Primeiro, a crise europeia: muros contra os refugiados e ascenso da xenofobia, aventura de Cameron no referendo britânico, sangria da Grécia. Mas vem mais: referendo em Itália e eleições austríacas em Dezembro e depois eleições francesas e alemãs em 2017. Cada um destes processos só pode acentuar a crise europeia.
Segundo, a vitória de Trump. Ameaça imediata, renegar o Acordo de Paris sobre alterações climáticas. Mas olhe para o governo que se perfila, com o peso dos tubarões de Wall Street e a ressurreição dos profetas conservadores, e percebe-se o que está a chegar: maná dos céus para a finança e o neoliberalismo casado com o autoritarismo, como nos seus mais esfusiantes momentos.
Há no entanto um pesadelo de que ainda não acordámos, uma nova crise financeira. A pergunta, aliás, não é se ocorrerá, é quando ocorrerá. O aumento da volatilidade nos mercados financeiros e a acumulação de dívidas são as consequências de uma política ameaçadora: o BCE espalhou dinheiro que valorizou as acções mas não o investimento, enquanto as taxas de juro negativas comprimiam as margens bancárias e estimularam novas operações financeiras de risco, de que o Deutsche Bank é o exemplo mais conhecido (o valor nocional dos seus derivados é superior ao valor do PIB mundial). Ou seja, o nosso problema são as soluções para o problema.
Chegados ao fim de 2016, temos então uma crise da procura mundial e zero capacidade para responder a uma recessão, porque os bancos centrais não podem fazer nada. Tome nota, por favor: o centro deste risco é a Europa, que acumulou os maiores erros ao longo da década e os vai pagar agora com a trumpificação da sua política em França e na Alemanha.


domingo, 30 de outubro de 2016

POPULISMO



A lengalenga do “populismo”


29/10/2016



·        Já está! Depois de duas eleições consecutivas que o deixaram em irremediável minoria, Mariano Rajoy será confirmado hoje à tarde como primeiro-ministro de Espanha pela mão dos novos dirigentes do PSOE. Uma das elites políticas mais corruptas que se conhece no Ocidente continuará aos comandos do Estado, pode obstaculizar a justiça, controlar o Tribunal Constitucional, gerir os orçamentos por mais que a oposição lhos queira alterar. No Parlamento, os socialistas estarão sempre a meio da ponte, entre o medo de abandonar mais vítimas do sofrimento social às mãos da esquerda que não se rende e o medo de que Rajoy amue e, achando que se o não deixa governar, force novas eleições que agravem a pasokização do PSOE.

Dividido como em poucas ocasiões, o PSOE tem justificado com o perigo do “populismo de esquerda” a sua recusa em convergir com a frente Unidos Podemos, descrevendo-a como versão ibérica do chavismo, verdadeiro “inimigo da democracia”. Este recurso facilóide ao populismo como ideologia daqueles que, basicamente, se opõem a Bruxelas, ao consenso neoliberal de uma certa interpretação da globalização e à hegemonia norte-americana no mundo, reedita, afinal, a velha lengalenga de que “os extremos se tocam”, como se as extremas-direitas e as esquerdas que se não rendem defendessem as mesmas coisas.

Sempre que as crises económicas - as inesperadas ou as deliberadas - propiciam esta economia de tubarões em que vivemos, e em que a exploração e o abuso atinge no mundo do trabalho proporções insuportáveis, o stress social produz stress político e força à polarização. No campo eleitoral, são os partidos do poder (as direitas liberal-conservadoras e/ou democratas-cristãs, e a social-democracia) que pagam o preço de terem produzido (ou deixado que se instalassem) as lógicas económicas que propiciaram a crise, e que, pior ainda, a gerem dentro dos governos, em Bruxelas e nos megabancos internacionais, de forma tão injusta que lhe chamam “reformas estruturais” e outros eufemismos do estilo. Em perda rápida de representatividade, as forças políticas deste centrão queixam-se daqueles a que, para sua conveniência, chamam os “populistas”, com a mesma deliberada ligeireza com que habitualmente falam do “terrorismo” dos outros. Como se, cavaleiros impolutos da democracia, não se tivessem comprometido já com um dos lados da contestação, justamente o lado (extremo-)direito. Se hoje muita direita se diz chocada com Trump, quanto tempo demorou a chocar-se com Berlusconi, o seu alter-ego italiano? De que partido é candidato Trump? O dos dois Georges Bush. De que partido europeu faz parte Berlusconi? O de Merkel, Passos Coelho ou Rajoy.

Repassemos o mapa europeu. A extrema-direita é hoje a força política mais votada em três países da UE (Hungria, Polónia e Bélgica) e na Suíça, onde, escusado será dizer, está no governo com partidos da direita clássica. É o segundo partido mais votado na Dinamarca e na Croácia. Com mais de 10% dos votos, governa com outros partidos civilizados de direita na Finlândia, Letónia, na Bulgária e, fora da UE, na Noruega. Na Eslováquia, melhor ainda, está dentro de uma coligação dirigida por um social-democrata! Hoje com cerca de 1/6 dos votos, a extrema-direita já esteve no governo com democratas-cristãos e/ou liberais na Áustria (onde pode vir a obter a Presidência da República) e na Holanda. Fora do governo, ela é hoje a força mais votada em França, a terceira na Grã-Bretanha, na Suécia e, segundo as sondagens, na Alemanha. E vamos em 15 dos 28 países da UE! Por todo o lado, partidos da chamada direita clássica incorporaram um discurso nacionalista, xenófobo/anti-imigrantes, racista. A sua escolha está feita. Com a extrema-direita pode-se sempre falar de austeridade desde que ela afete apenas as minorias e se se negue a Bruxelas o acolhimento de um só refugiado que seja.

Só na Europa do Sul (e, talvez, na Bélgica, França, Alemanha, República Checa) a resposta social à crise reforçou alternativas políticas à esquerda, produzindo, ainda assim, todas as contradições do caso Syriza, forçando o PS português a uma solução que, apesar das suas evidentes limitações práticas, em 40 anos ele sempre recusara. A mesma que o PSOE continua a recusar. Como aconteceu nos anos 30 e, depois, na II Guerra Mundial, é deste lado que se tem repetido que a democracia se defende promovendo a igualdade, e não propriamente esperando que quem vota Trump “volte à razão”. Mas qual razão?


domingo, 23 de outubro de 2016

VIVA A VALÓNIA!


VIVA A VALÓNIA!



Após sete anos de negociações entre a UE e o Canadá estava tudo a postos para ser assinado o CEPA, tratado semelhante ao TTIP tantas vezes publicamente denunciado como um retrocesso civilizacional.

Assinado o CEPA o caminho ficava aberto para o TTIP, aceite um qual a razão para justificar não assinar o TTIP?

Na linguagem comunitária de pau habitual o CEPA trará mais 12 mil milhões de euros para a economia aumentado em 12% as trocas comerciais. Estamos fartos destes estudos e promessas que, pouco a pouco, ao contrário do prometido, em lugar do mel trazem o fel da austeridade. Quem se lembra hoje, por exemplo, do famoso relatório Cecchini de 1998 que contabilizava o "custo da não Europa" para pressionar o avanço para a situação em que hoje nos encontramos.

Nestas coisas os principais interessados, as pessoas que habitam a UE, pouco ou nada conhecem destes sete anos de negociações, nem imaginam o que está nesse CEPA que se preparavam para assinar. Nem neste nem no TTIP.

Dada a importância destes "tratados?" é espantoso o silêncio da imprensa sobre os mesmos, assim como o dos governos e da oposição política, ou dos sindicatos. Não há debate sobre eles, nem manifs, protestos, abaixo-assinados etc.

Mas como disse o poeta, há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não. No caso presente foram os valões, uma espécie de aldeia gaulesa no meio do império de "césares" mais servos das multinacionais e do poder económico do que governantes, que vieram afirmar pelos seu Presidente Paul Magnette, chefe do governo regional valão, "que apesar das modificações introduzidas, o CETA continua a abrir brechas que prejudicarão a agricultura, o modelo social europeu e a autonomia política dos Estados".
E as modificações introduzidas, é bom que se saiba foram-no graças aos valentes valões


O Srº Junker, o tal que transformou o Luxemburgo num paraíso fiscal, pesaroso veio a terreno lamentar que os valões estão a " descredibilizar" a UE.

É devido precisamente ao comportamento de burocratas armados em reis absolutos que decidem a vida dos europeus sem lhes passar cavaco (salvo seja!), que a UE está descredibilizada perante os seus povos.

Vão tentar vergar os valões, mas o que eles já fizeram por todos nós merece o nosso respeito e agradecimento.

terça-feira, 4 de outubro de 2016

E AGORA?


Aqueles que põem o seu dinheiro a bom recato


04/10/2016

Transferir a fortuna é muitas vezes um crime e quase sempre uma imoralidade que penaliza os cumpridores.

1. Há quem defenda que, em Portugal, não vale a pena tentar taxar os ricos porque há muito que os ricos portugueses tiraram toda a sua fortuna do país.

A expressão usada costuma ser “os que têm dinheiro já o puseram a bom recato” e é dita em geral não só em tom compreensivo mas com uma indisfarçável admiração pela habilidade demonstrada. Quanto ao “bom recato” é, evidentemente, um sítio onde o fisco não consiga chegar, um paraíso fiscal. A expressão revela uma ideia do fisco como uma entidade usurpadora, a par de um total alheamento do que seja a noção de bem público e um quadro conceptual onde os ricos possuem, talvez por direito divino, o privilégio de beneficiar do trabalho dos outros e dos serviços públicos pagos exclusivamente pelo dinheiro dos trabalhadores. É a posição dos que, no fundo, pensam, como Donald Trump, que os impostos são para os parvos e que fugir ao fisco é sinal de esperteza.

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O mais espantoso é que, quem ouve, assente muitas vezes com compreensão, esquecendo que essa colocação do dinheiro a “bom recato” é muitas vezes um crime e quase sempre uma imoralidade, que obriga os que não fogem ao fisco a suportar um esforço fiscal desproporcionado, pagando as estradas onde circulam os ricos.

O pensamento desses críticos da taxação dos ricos é que, se se taxarem os ricos eles fogem com os seus capitais e, sendo assim, é melhor deixá-los em paz sem os incomodar com o fisco, já que o resultado será o mesmo. Mas, mesmo que fosse assim (e não é) haveria a considerar a pequena questão da justiça fiscal. De facto, a política fiscal não serve apenas para financiar o Estado e deve ter uma função redistributiva, de forma a contrariar a acumulação crescente de toda a riqueza num número cada vez mais reduzido de mãos e a permitir que os mais desfavorecidos à partida possam ter a possibilidade de melhorar as suas condições de vida, nomeadamente através do sistema público de educação.

Como diz um dos homens mais ricos do mundo, o americano Warren Buffett, não suspeito de bolchevismo, o mercado pode ser “o melhor mecanismo para garantir que os recursos são usados da forma mais eficiente e produtiva (...) mas não é muito bom a garantir que a riqueza produzida é distribuída de forma justa ou sensata”. Porquê? Porque a riqueza passa de pais para filhos e acaba nas mãos de pessoas que não contribuíram de forma alguma para a produzir nem mostraram possuir, mesmo segundo o pensamento neoliberal, qualquer mérito que deva ser premiado. Para regressar às palavras de Warren Buffett, o que fazemos quando deixamos de taxar o património dos mais ricos de forma mais pesada, é como se “seleccionássemos para os Jogos Olímpicos de 2020 os filhos dos atletas que foram seleccionados nos Jogos Olímpicos de 2000”.

2. A propósito da taxação dos patrimónios imóveis mais valiosos, anunciada para o orçamento de 2017, ouvimos muitas das críticas referidas acima e, de uma forma geral, propagandear a ideia de que “a esquerda está contra os ricos”. De facto, haveria muitas boas razões para estar contra “os ricos”. A História não é avara em exemplos. Mas, pessoalmente, situado como estou na grande área política das esquerdas, onde confluem muitas ideias e muitas tradições diferentes, não me sinto especialmente contra os ricos. Se há uma coisa que acho admirável é correr o risco de investir, de criar uma empresa, criar emprego e produzir coisas úteis. E acho da mais elementar justiça que uma pessoa dessas enriqueça, desde que pague os seus impostos, respeite as leis e trate os trabalhadores de forma digna. O que acontece e é lamentável é que os ricos que merecem o nosso respeito são escassos. O que merece o meu antagonismo declarado são aquelas pessoas que enriquecem de forma incompreensível e que, para mais, se recusam a fazer a sua quota-parte na sociedade. Ou aquelas que, em vez de pagar impostos em Portugal, registam as suas empresas na Holanda ou no Luxemburgo para pagar menos e decidem pôr o seu dinheiro ”a bom recato” para que sejam apenas os que têm menos dinheiro a pagar as escolas e os hospitais.

JVM



Trump justifica-se: apenas usou “brilhantemente” as leis fiscais para pagar menos

Por PÚBLICO

04/10/2016

Fundação do candidato presidencial republicano foi proibida de angariar mais fundos. Trump usou expediente fiscal para escapar aos impostos durante 18 anos.



O actual presidenta da Comissão Europeia ajudou o Luxemburgo a transformar-se num paraíso fiscal. O Durão Barroso sai da Comissão e vai para dirigente do banco mais odiado do planeta.

O Belmiro do Continente e o Soares do Pingo Doce usam também "brilhantemente" as leis holandesas para não pagarem os impostos em Portugal devidos aos lucros com o nosso dinheiro.




"Não sei se ria ou se chore", diz vice de Merkel sobre o CEO do Deutsche Bank


03/10/2016

O ministro da Economia não gostou das declarações do responsável pela instituição bancária, que atribui os recentes problemas que o banco enfrenta à especulação bancária.

O vice-chanceler alemão e ministro da Economia, Sigmar Gabriel, não gostou dos mais recentes comentários do presidente executivo do Deutsche Bank, John Cryan, sobre a actual situação do banco alemão. O vice-chanceler acusa o CEO de má gestão.

O ministro da Economia respondeu este domingo às declarações de John Cryan de sexta-feira, que em nota interna lembrava que a “confiança é a base do sector financeiro”. “Algumas forças do mercado estão a tentar prejudicar esta confiança”, escreveu o CEO do banco alemão, citado pela Bloomberg. John Cryan insistiu que “o Deutsche Bank tem muitos problemas, mas a liquidez não é um deles”.

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A resposta de Berlim chegou dois dias depois. "Não sei se ria ou se chore com o facto de o banco que teve um modelo de negócio baseado na especulação diga, agora, que é vítima de especulação", afirmou o vice-chanceler de Merkel, durante uma viagem de avião para o Iraque.

Citado pela Reuters e pelo Financial Times, o ministro da Economia sublinhou ainda a sua preocupação com os 100 mil trabalhadores do banco alemão. "O cenário são milhares de pessoas que vão perder o seu trabalho. Vão pagar o preço da loucura dos dirigentes irresponsáveis", disse Sigmar Gabriel.



NOTA : E eu sei que milhões choram e outros milhões estão a caminho de chorar pelo sofrimento das suas vidas fora os que se suicidaram. E os responsáveis "brilhantes" pela especulação insensível e desumana o que sofreram?

MC




quinta-feira, 29 de setembro de 2016

A AMNÉSIA DA DIREITA


Sobre a amnésia da direita

 Após umas semanas de férias da internet regresso ao blogue. Nada melhor do que recomeçar com este texto  oportuno.                                                                                                                                                                                                            Sobre a amnésia da direita

Por Alfredo Barroso

28/09/2016

Infelizmente, o imobilismo neoliberal gerou um assustador e indesejável subproduto: uma cidadania despolitizada.

1. Sem passado, não há presente nem futuro, e o passado mais próximo que tivemos foi o do governo de direita chefiado por Pedro Passos Coelho (PPC) acolitado por Paulo Portas (PP). A comando da troika, e para além dela, os chefes da coligação entre PPD/PSD e CDS/PP decidiram empobrecer deliberadamente os portugueses durante mais de quatro anos. E não foi coisa que boa de se ver, tantos foram os sacrifícios brutais impostos às classes populares e a boa parte das classes médias, em benefício exclusivo dos mais ricos e poderosos.

Como alguns se lembrarão, não têm conta as falsas promessas proferidas por PPC para conseguir ganhar as eleições e alcançar o poder – onde, aliás, continuou a mentir sistematicamente. Lembramo-nos de muitas das suas falsas promessas. Mas há uma, proferida por PPC quando já estava no poder, que constitui como que uma “marca de fábrica” deste político amoral e sem escrúpulos.

No dia 5 de Abril de 2011, PPC fez uma extraordinária afirmação – hoje certamente esquecida – reveladora da sua incapacidade e incompetência políticas. Numa das suas habituais sessões de ilusionismo político, neste caso no chamado Clube dos Pensadores, disse PPC: “É decisivo um crescimento económico de pelo menos 3 a 3,5% nos próximos dois ou três anos, ou então a austeridade não valeu de nada”. Referia-se aos anos de 2012, 2013 e 2014. Ora, chegados a 2015 com uma baixíssima taxa de crescimento, a conclusão que então se impunha era óbvia: “a austeridade não valeu de nada”, segundo as palavras do próprio PPC.

É certo que, hoje, as notícias sobre o crescimento continuam a não ser boas. Mas é no mínimo escandaloso que PPC, para criticar o actual Governo, se tenha esquecido do seu monumental fracasso, ao ficar bem longe do crescimento prometido por ele próprio em 2011 – os tais 3 a 3,5%, nos três anos seguintes – sem o qual nunca haveria (e não houve!) “pacotes de austeridade” que lhe valessem e nos valessem. E não foram poucos os “pacotes de austeridade” que flagelaram sem piedade as populações, aumentando a pobreza e encolhendo o país.

2. Um dos argumentos mais aviltantes recorrentemente utilizados pela direita ultra-liberal e reaccionária, frustrada por já não exercer o poder, é o de que os pobres e os remediados – impiedosamente sacrificados pelos “pacotes de austeridade” – querem agora passar a viver à tripa-forra.

Que vergonha! Quem vive à tripa-forra e beneficiou imenso com a austeridade e os sacrifícios impostos aos trabalhadores pelo governo de direita, foram os ricos e poderosos, os grandes empresários, os plutocratas e os “tecnocratas sem pátria” (ou “apátridas”, como lhes chamava De Gaulle) ao serviço do capital financeiro.

Esta gente constitui um poder não democrático (e por isso ilegítimo) difícil de conter e erradicar – que existe não apenas em Portugal mas também na União Europeia, no Banco Central Europeu, no Fundo Monetário Internacional e nas outras instâncias internacionais que comandam a globalização.

Convém lembrar que, nos quatro anos do governo de direita, o emprego caiu a pique; foram destruídos cerca de 400 mil postos de trabalho; o desemprego cresceu; os salários diminuíram; a precariedade aumentou; os direitos dos trabalhadores e dos desempregados encolheram.

PPC insiste em afirmar que o seu governo andou a “pagar as dívidas dos outros”, mas o certo é que, com o governo PPD/PSD-CDS/PP, a dívida do país chegou aos 290 mil milhões de euros em Julho de 2015. Representava cerca de 90% do PIB quando a direita chegou ao poder. Passou a representar cerca de 130% do PIB quatro anos depois, tendo aumentado 106 mil milhões de euros.

Com a direita no poder, Portugal passou a ter uma das maiores desigualdades sociais da União Europeia e uma das maiores taxas de pobreza da OCDE. Mais: Portugal encolheu, tornando-se o quinto país do mundo em que a população mais decresceu durante 2014. Segundo o Banco Mundial, só Porto Rico, Letónia, Lituânia e Grécia tiveram um declínio populacional maior. Durante quatro anos, a emigração de portugueses foi mais elevada do que na década de 1960 (marcada pela ditadura de Salazar e pela guerra colonial), mas agora passando a emigrar tanto os menos como os mais qualificados. Em quatro anos, emigraram quase 500 mil portugueses.

3. Seguindo a agenda e a doutrina neoliberal dominantes, o governo de Pedro Passos Coelho e Paulo Portas submeteu-se completamente aos ditames da Comissão Europeia, do FMI e do governo alemão; impôs o domínio do capital financeiro sobre a economia (em cerca de seis anos, os bancos portugueses beneficiaram de apoios do Estado num montante superior a 36 mil milhões de euros); instaurou a concorrência sem freios em quase todos os domínios, por via da desregulação, das privatizações, dos ataques ao Estado Social (SNS, escola pública, Segurança Social), dos cortes brutais nos salários, pensões e prestações sociais de todo o tipo; e aprovou políticas fiscais em escandaloso benefício das grandes empresas e dos plutocratas.

O objectivo prosseguido por PPC e PP foi o de reforçar o poder das elites económicas dominantes, recorrendo ao poder do Estado para proteger e defender os interesses dessas elites e criar um ambiente institucional e um clima favoráveis ao lucro.  O seu projecto de redistribuição das riquezas nada teve a ver com a protecção e bem-estar da colectividade nacional. Baseou-se, isso sim, na acumulação por desapossamento, espoliação e esbulho de grande parte das classes médias e das classes populares – reencaminhando essas riquezas da base para o topo da hierarquia social.

Não tenhamos ilusões. Políticos defensores da via neoliberal e tecnocratas ao serviço do poder do dia ocupam hoje posições estratégicas que lhes permitem exercer uma influência considerável, quer nas universidades e grupos de reflexão; quer nos órgãos de comunicação social; quer nos conselhos de administração das empresas e das instituições financeiras; quer no aparelho de Estado; quer no Banco de Portugal.

O domínio exercido durante décadas pelos partidos do “bloco central” – ou os do chamado “arco da governação” – sobre a sociedade e o Estado é quase total, e são eles os principais responsáveis pelo lamentável estado a que este país chegou.

4. Infelizmente, o imobilismo neoliberal – imposto pelos eurocratas e pelos políticos ao serviço do poder económico e financeiro – gerou um assustador e indesejável subproduto: uma cidadania despolitizada, caracterizada pela indiferença e a resignação. O neoliberalismo tornou-se o principal inimigo de uma genuína democracia participativa e acabou por instalar progressivamente na sociedade um estado de excepção permanente e uma economia do medo dominada pelos mercados financeiros. E é este muro que a esquerda tem de derrubar.

Não podia ser mais negativo o balanço dos quatro anos em que a direita (des)governou Portugal, recorrendo à mentira compulsiva que caracterizou os discursos dos seus chefes, à amnésia que estes inocularam na maioria dos seus apoiantes e à resignação que instilaram em boa parte da população, insistindo em que não havia alternativa às políticas de austeridade que puseram em prática.

Por falar em amnésia, vale a pena rematar este texto com uma anedota. Durante a última campanha eleitoral para a Assembleia da República, o vinho tinto alentejano servido em Beja no almoço da coligação “Portugal à Frente” chamava-se, nada mais nada menos do que, “Amnésia”… Fez-me lembrar aquela anedota do alcoólico que confessa: “Bebo para esquecer”. Um amigo pergunta-lhe: “Mas esquecer o quê?”. E o alcoólico responde: “Já não me lembro”

Cronista


sexta-feira, 9 de setembro de 2016

OLIMPíADAS 2016

Um olhar sobre o desporto em Portugal que explica as causas de falta de resultados e a pobreza de medalhas olímpicas.

Rio 2016: Exigir sem bases
Rio 2016: Exigir sem bases
Por João Paulo Bessa
08/09/2016
O desporto em Portugal assenta num sistema caduco, desorganizado, sem objectivos e sem estratégia.
Existe uma enorme tendência de uma boa parte dos portugueses para colocarem infundadas expectativas sempre que há representações desportivas nacionais em confronto internacional. Seja pela iliteracia desportiva que nos caracteriza, pelo mero desconhecimento da relatividade das coisas ou por um qualquer aproveitamento interesseiro, as representações desportivas nacionais são analisadas pelas aparências, sem qualquer objectividade e ignorando o seu meio de inserção. Como se tivéssemos um sistema desportivo exemplar.
Se as esperanças em notáveis resultados podem resultar da vontade de nos fazermos valer, a sua transformação nas elevadas expectativas de quase certezas só serve para abrir o campo à desilusão. E, portanto, não havendo vitórias de arraso e independentemente da qualidade dos diversos resultados, tudo é mau ou desastroso, seja qual for o ponto de vista da análise, diz-se e escreve-se. Ou seja: bestiais na formatação das expectativas a bestas perante a aparência dos resultados. Tudo num salto palavroso de nota 10.
E mais uma vez assim foi no regresso da Missão portuguesa dos Jogos Olímpicos Rio 2016. Elevadas expectativas fundadas em irrealismos – como se não se tratasse de uma competição desportiva de altíssimo nível em confronto com os melhores e adequadamente preparados para tentar a vitória e onde só 8% dos 11 544 atletas presentes podem regressar com medalhas conquistadas – marcam o adjectivo da análise. Uma só medalha? E apenas bronze?! Um desastre!
Terá sido?!
Ao longo de 24 presenças olímpicas, o desporto português conseguiu 24 medalhas – quatro de ouro (Carlos Lopes, Rosa Mota, Fernanda Ribeiro e Nelson Évora), oito de prata e 12 de bronze – numa média de uma medalha por cada participação. O que significa que Portugal está longe de campeões como os Estados Unidos com as suas 2546 medalhas. E tão pouco se aproxima dos países latinos europeus como a França (1169 medalhas), Itália (605), Espanha (148), Roménia (306) ou ainda da Holanda (195) ou Bélgica (164) – estes dois últimos com populações próximas da portuguesa.
Com a medalha conseguida pela notável e persistente Telma Monteiro, Portugal ficou dentro da sua média e colocou-se, com as 16 modalidades, entre as 28 possíveis, em que participou, em 78º lugar no Medalheiro – o que significa que conseguiu melhor do que os 119 países participantes que não obtiveram qualquer medalha – apenas 42% dos 205 países presentes obtiveram uma ou mais medalhas.
Lembre-se que todos os atletas portugueses presentes se qualificaram – obtendo as marcas estabelecidas – para poderem competir nos Jogos. Ninguém foi, portanto, sem mérito ou apenas para participar – atribuição de espectadores – mas sim para competir, embora e naturalmente, balizados pelas marcas conseguidas. Balizas que devem, desde logo, limitar as expectativas. Dando-lhes realidade – pensar, por exemplo, que as notáveis prestações de Nelson Évora com a melhor marca pessoal do ano e Patrícia Mamona com novo recorde nacional, poderiam garantir a certeza de medalhas é ignorar a existência de outros atletas com as competências e capacidades adequadas à vitória. Ignorar portanto que estamos integrados numa competição do mais elevado nível e de particulares características.
Os resultados globais da Missão foram maus? Não, não foram. E foram melhores do que o contexto onde se prepararam. Na sua enorme maioria – excepção feita a um ou outro erro, a um ou outro falhanço, a uma ou outra menor atitude – os atletas portugueses bateram-se com grande dignidade e tudo tentaram para honrar a responsabilidade da representação em que estavam investidos.
Os Jogos Olímpicos constituem a melhor e maior montra mundial de demonstração de capacidade desportiva de cada país e permitem uma análise comparativa global. A juntar a esta medalha de bronze, os atletas portugueses conseguiram dez Diplomas olímpicos, isto é, obtiveram dez classificações entre os 4.º e 8.º lugares classificando assim 12% do total dos seus atletas em finais. Entre os 9.º e 16.º lugares – habitualmente designados por semifinalistas – a Missão portuguesa contou com 16 posições. E colocou ainda seis atletas no 17.º lugar. Ou seja: Portugal conseguiu 33 classificações – 36% do total dos seus atletas – abaixo do 20.º lugar nas 57 provas em que teve a participação de seus representantes. Refira-se ainda que dos 92 atletas portugueses presentes – 32 mulheres e 60 homens – 54 deles não tinham qualquer experiência olímpica. Tratando-se da competição desportiva entre as competições desportivas, os resultados conseguidos apresentam-se com mérito que baste e não são compatíveis com o que se escreveu, disse ou colocou nas redes sociais.
Poderiam os resultados serem melhores? Claro! Podem sempre. Desde que haja a adequada aproximação de condições aos melhores competidores.
A realidade do sistema desportivo português é fraca e encontra-se muitos furos abaixo dos padrões europeus. Nas modalidades olímpicas temos cerca de 400 mil inscritos nas respectivas federações desportivas nacionais (últimos dados oficiais referentes a 2014), o que representa um número ridículo, impeditivo de competições internas de elevado nível, quando comparado com outros países europeus e que está longe das potencialidades de um país com 10 milhões de habitantes.
O desporto em Portugal assenta num sistema caduco, desorganizado, sem objectivos e sem estratégia, com uma mistela de conceitos confusos e pouco clarificadores onde abundam as frases feitas do desporto para Todos – e o desporto não é para todos: é para quem pode e, dentro destes, para quem quer – e de que o desporto dá saúde – o desporto é para quem tem saúde – confundido uma actividade de exigência, superação e responsabilidade de resultados com actividade física, essa sim, para todos, adaptável ás necessidades e que se pretende praticável para uma vida inteira. Curiosamente a actual Lei de Bases (Lei 5/2007) é designada por Lei de Bases da actividade física e do Desporto, designação que não parece preocupar ou induzir seja quem for.
Com um Desporto Escolar que não produz efeitos visíveis – andebol, basquetebol e voleibol estão inseridos no sistema escolar desde os anos 30 do século passado e nunca se qualificaram para os Jogos – quer na detecção de talentos, quer no aumento de inscrições federadas e que desde há muito deveria ter passado para o estádio de desporto em idade escolar articulado com clubes locais e federações de utilidade pública desportiva. Com um objectivo claro: introdução dos modelos desportivos das várias modalidades e detecção de talentos com o devido encaminhamento.
Não há dinheiro disponível para financiar as necessidades desportivas diz o Governo através do seu Secretário de Estado (RTP Notícias, 18 de Agosto de 2016). Mas muitas das mudanças necessárias que permitirão adaptar o desporto português às necessidades competitivas actuais, não custam dinheiro. Exigem apenas transformações. De conceitos, de mentalidades, de estruturas.
Desde logo estabelecendo como Missão das federações de utilidade pública desportiva a criação de condições para que os nossos atletas possam competir internacionalmente em termos de igualdade, nomeando a sua dimensão rendimento como prioritária para assim lhes exigir programas qualificados – e não numéricos – de formação e desenvolvimento, com índices de competitividade elevados e afastando-as das tentações das imensas exigências que se lhes pretende sempre colocar para iluminar fogachos políticos. Também sem custos será a revisão das actuais leis federativas, retirando a mesma medida de fato a corpos com dimensões diferentes e adequando-as e articulando-as, de acordo com as nossas especificidades, com as necessidades do confronto internacional – a definição oficial e legal das modalidades colectivas e individuais (a canoagem é, legalmente, uma modalidade individual!) é, no mínimo, inaceitável e umas e outras não podem reger-se pelas mesmas regras. O mesmo se dirá com o sistema escolar dos atletas que, apesar de um quadro legal facilitador, só enfrentam dificuldades e abusos quer da dupla actividade, quer na forma como são escolarmente tratados. A revisão do actual sistema de formação de treinadores exige também uma radical e urgente transformação sob pena de diminuição do seu número e da sua qualidade. O próprio estatuto do Alto Rendimento necessita de transformação e adequação, ampliando-se, às exigências actuais.
Para que as exigências por melhores resultados possam ter razão de ser – os obtidos no Rio 2016 se são bastante bons dentro do sistema que condiciona o desporto português, não podem ser meta – é absolutamente necessário proceder às transformações que o enquadramento internacional nos exige. Começando por estabelecer os objectivos pretendidos e construindo uma estratégia adequada. No quadro do desporto de rendimento.
Arquitecto e antigo seleccionador nacional de râguebi