segunda-feira, 6 de outubro de 2014

INTERVENÇÃO DE CARLOS BRITO EM VRSA

Revoltosos no 5 de Outubro de 1910 com a Bandeira da Carbonária.
Divulgamos pelo seu interesse esta palestra de Carlos Brito.


Os 104 anos do 5 de Outubro
no 40ª aniversário do 25 de Abril *


Senhoras, Senhores
Caros amigos

Sou de um tempo em que o 5 de Outubro era uma jornada de luta. Era o tempo da ditadura fascista., das liberdades sufocadas, especialmente, os direitos de reunião e de manifestação.
O aniversário da Revolução que derrubou a monarquia, em 1910, era pretexto para a resistência democrática tentar impor esses direitos a coberto de «inofensivas» romagens de saudades aos túmulos e às estátuas dos grandes vultos do regime republicano.
No entanto, a PIDE e as outras forças repressivas, estavam alerta como sempre, reforçavam o policiamento e à menor tentativa de manifestação carregavam com toda a violência sobre os manifestantes, que respondiam com gritos de «Viva a República!», «Abaixo o fascismo!» «Queremos liberdade!».
O dia ficava marcado por cargas de bastonada, perseguições, outras brutalidades policiais, correrias e, às vezes, muitas prisões.
No dia seguinte, entrava censura, os jornais nada diziam: o fascismo reprimia ferozmente e ao mesmo tempo silenciava a repressão.

Mas esta implacável repressão nunca conseguiu acabar com a corrente combativa representada pela comemoração do 5 de Outubro que se aguentou, ano após ano, ao longo dos 48 da ditadura, até entroncar no 25 de Abril.
Achei por isso muito feliz a iniciativa da Liga dos Amigos do Mestre Manuel Cabanas, bem à altura do republicanismo do seu patrono, esta de promover uma comemoração dos 104 anos do 5 de Outubro no 40º aniversário do 25 de Abril. E assim, aceitei com todo o gosto o convite que foi me feito pelo Dr. Caldeira Romão para me associar a esta comemoração, que vivamente saúdo.

A ditadura odiava, naturalmente, o 5 de Outubro, mas o seu simbolismo patriótico é tão forte que nunca se atreveu a acabar com o feriado na data histórica da implantação da República em Portugal.
Foi preciso chegarmos a 2012 para que actual Governo, desprovido de sentido republicano, sob a pressão dos credores estrangeiros, através da «troica», invocando pueris argumentos economicista e o alegado excesso de feriados, ousasse decretar a suspensão do feriado que assinalava esta data histórica.
Sou dos que não me conformo! As palavras que se seguem representam, a este propósito, indignação, protesto e reclamação.
O 5 de Outubro pelo longo período de propaganda patriótica e republicana que o precedeu, pelo regime democrático que instaurou –a 1ª República – pelo papel de resistência à ditadura que constituiu,  tem um simbolismo muito especial na nossa história: representa o entranhamento do apego à liberdade na consciência nacional.

O acto revolucionário que ocorreu nos dias 4 e 5 de Outubro de 1910, não teve expressão comparável com a das tropas sublevadas em movimentação por todo o país, como aconteceu no 25 de Abril. Foi circunscrito a Lisboa, mais precisamente à Rotunda, que depois se chamou de Marquês de Pombal, onde se concentraram os revoltosos, civis e militares, dispostos a tudo para derrubar a monarquia. Tinham o apoio de algumas unidades do exército, do quartel dos marinheiros e a intervenção activa de alguns navios da Armada, surtos no Tejo. As poucas forças armadas que se manifestaram fiéis à monarquia, depois de algumas tentativas inconsistentes de ataque aos revolucionários da Rotunda, reconheceram que não tinham força para os enfrentar e renderam-se ao segundo dia. A Revolução triunfou. Foi então proclamada a implantação da República, pelos líderes republicanos, das janelas da Câmara Municipal de Lisboa. No resto do país, a República foi implantada por telégrafo, como se dizia então, sem a menor resistência ou oposição, de tal maneira a monarquia estava moribunda e o heroísmo dos
republicanos revoltosos interpretava a vontade nacional.

Duas décadas antes, o movimento republicano tinha crescido exponencialmente e ganho raízes no país nas grandes lutas contra a vergonhosa rendição da monarquia ao Ultimato inglês sobre as colónias. Nasceu então a Portuguesa tornado Hino Nacional depois do 5 de Outubro e até hoje. Na sua letra original dizia:
Às armas! Ás armas!
Sobre a terra sobre o mar.
Às armas! Ás armas!
Contra os bretões
Marchar, marchar.
Os bretões eram, é claro, os ingleses, o que foi substituído por canhões ao tornar-se o Hino Nacional.
Com este mesmo espírito, os propagandistas identificavam a República com a Pátria.
O poeta Guerra Junqueiro proclamava:
«Republicano e patriota tornaram-se sinónimos. Hoje quem diz pátria, diz república. Não uma república doutrinária, estupidamente jacobina, mas uma república larga, franca, nacional, onde caibam todos.»
 O Professor Teófilo Braga, que veio a ser o chefe do Governo provisório saído do 5 de Outubro, sustentava então que a República seria o «chamamento geral do povo a uma intervenção imediata, eficaz, constante, na direcção dos seus destinos»
O filósofo, Sampaio Bruno, asseverava:
«A República é sobretudo uma regeneração moral.»

O novo regime procurou corresponder aos votos dos seus teóricos. Há um consenso entre os historiadores de que a primeira grande inovação que a República de 1910 trouxe aos portugueses foi «a restauração da moralidade»
A monarquia tinha-se afundado, nos últimos anos, em sucessivos escândalos financeiros, a promiscuidade entre a política e os negócios tinha chegado e envolvido a própria casa real.
A governação republicana foi generosa para os adversários políticos derrotados, mas foi implacável contra a corrupção, os negócios sujos apoiados pelo Estado, o favoritismo e o compadrio em matéria financeira.
A sua orientação e prática pautaram-se pelo rigor e a transparência na gestão dos dinheiros públicos. Seria impensável que um ministro da República pudesse dizer «Não me lembro!», tratando-se de contas que tivessem implicação com Estado.
O activista republicano era formado na sobriedade de vida, na honradez e no absoluto respeito pela palavra dada. Ainda conheci um ex-governante da República de quem se dizia: «A sua palavra vale mais do que um assento no notário.» É, também, sempre recordado o exemplo do Presidente da República, Bernardino Machado, que se deslocava de transporte público, de eléctrico, nas idas e vindas ao palácio de Belém.
Acho que estes exemplos revestem uma grande actualidade.

O legado da República compreende a realização de grandes reformas democráticas em domínio essenciais, como: a educação e o ensino - a sua maior prioridade - o municipalismo, a emancipação da mulher, a democratização e secularização da vida pública, o exército de milicianos - e. a par delas, a exaltação do patriotismo.
Este último funcionava de tal maneira no plano político e diplomático, que Lenine caracterizou o Portugal, desse tampo, como «um país economicamente dependente, mas politicamente independente».

A obra da Republica foi, no entanto, bastante limitada pela sua curta duração, apenas 16 anos, para mais entrecortados por duas ditaduras - Pimenta de Castro e Sidónio Pais – e pela participação do país na  Grande Guerra .
A sua base revestia, também, a fragilidade de nunca ter intentado a transformação das estruturas socio-económicas em que assentava e continuou a assentar o poder da reacção, ao contrário do que se fez no seguimento do 25 de Abril de 1974.
Além disso cometeu graves erros de orientação que a enfraqueceram e apressaram a sua queda.
Refiro dois.
Primeiro, o fanático anticlericalismo dominante nas hostes republicanas que facilitou que as oposições - monárquica, nacionalista e reaccionária - se pudessem unir e fizessem da religião o eixo do ataque à sua base de apoio
e mais tarde um ponte básico da plataforma para o golpe de Estado do 28 de Maio.
Secundo, mas não menos importante, as más relações que a República sempre manteve com o movimento operário, onde o anarco-sindicalismo tinha grande influência. O divórcio começou com a reacção violenta das organizações sectárias republicanas, como a Carbonária, às primeiras greves operárias após a implantação da República e se manteve ao longo de grande parte da vida do regime republicano.
A situação só se veio a alterar significativamente pelo final da primeira metade dos anos XX, do século passado, com o governo de José Domingos dos Santos.
Este líder da ala esquerda do PRP ao ser empossado pelo Presidente da República, o algarvio Manuel Teixeira Gomes, como Presidente do Ministério (isto é primeiro-ministro) anunciou que o objectivo do seu governo era «realizar uma política para todos e não apenas para uma determinada casta». Em conformidade, iniciou uma acção governativa com medidas favoráveis à pequena burguesia e aos trabalhadores e de firmeza perante o negocismo, os bancos e as organizações patronais. Rapidamente recebeu aplausos da imprensa operária, dos sindicatos e das organizações políticas dos trabalhadores, incluindo do recém formado Partido Comunista Português, que organizaram uma grande manifestação popular de apoio ao governo,. A GNR, influenciada pelo patronato, atreveu-se a reprimir violentamente esta manifestação. O Primeiro Ministro, caso nunca visto na nossa história, tomou o partido dos trabalhadores contra as forças repressivas. Declarou no Parlamento: «O governo da República coloca-se abertamente do lado dos explorados, contra os exploradores. Não consinto que a força pública seja para fuzilar o povo.»
Era um sinal de novos tempos. Mas o tempo da 1ª República escoava-se rapidamente.
A11 de Dezembro de 1925, Manuel Teixeira Gomes demitia-se da Presidência da República como protesto contra a divisão, os conflitos internos e falta de respeito pelos compromissos que reinavam nas hostes republicanas, enquanto a conspiração reaccionária, civil e militar, avançava, já sob o comando do grande capital, para a tomada do poder.
A 28 de Maio de 1926 foi o golpe militar que instaurou a ditadura militar que seguidamente deu lugar à ditadura fascista.
Depois começou a resistência antifascista, que teve o primeiro acto significativo no levantamento armado de 8 de Fevereiro de 1927, em que Manuel Cabanas teve participação activa e que originou tanto a sua primeira prisão, como o início do seu longo combate contra a ditadura, que a sua intensa vida de artista e homem de cultura, nunca descurou

Em homenagem à sua memória, termino esta comunicação lembrando palavras que nos deixou, impregnadas de generosidade e de espírito republicano.
São as seguintes:
«Desde muito jovem que entendo que o homem moderno não pertence a si mesmo. Tem de se dar aos outros. Este dar significa ajudá-los a contribuir para dias melhores, a partilhar um pouco da sua felicidade.»

Carlos Brito



* Comunicação apresentada na sessão comemorativa do 5 de Outubro, organizada pela Liga de Amigos do Mestre Manuel Cabanas, realizada em 5 de Outubro de 2014, em Vila Real de stº António.

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