quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

O CORONA VÍRUS NÃO ESCOLHE IDADES NEM RAÇAS


 

EM TEMPO DE ELEIÇÕES E PANDEMIA ESTE ARTIGO AJUDA A PERCEBER A SOCIEDADE EM QUE VIVEMOS!


Este mundo não é para velhos

Nestas eleições, como em todas as outras, iremos votar com um sentido altruísta e de solidariedade intergeracional, contra todos aqueles que no passado recente tentaram criar na nossa sociedade, por interesses mesquinhos, um conflito de gerações.

Jaime Teixeira Mendes

20 de Janeiro de 2021

Corre nas redes sociais a chamada Declaração de Great Barrington, uma carta organizada por proeminentes defensores da imunidade coletiva, que foi apresentada como sendo assinada por mais de 15 mil cientistas e médicos, bem como por mais de 150 mil elementos do público em geral.

O canal britânico Sky News encontrou, contudo, dezenas de nomes falsos na lista de signatários médicos, realidade potenciada por se poder inscrever qualquer nome através do site da declaração (in Observador, 9/10/ 2020). Facto que levanta mais uma vez a necessidade de averiguação das “fake news” antes de propagar notícias nos écrans das televisões.

A defesa da imunidade de grupo, ensaiada por países como a Suécia, Reino Unido e Bélgica, e apoiada numa carta de médicos e cientistas, a chamada Declaração de Great Barrington, foi uma experiência negativa que levou à morte desnecessária de inúmeras pessoas. Felizmente, os erros foram reconhecidos – inicialmente pelo Reino Unido e a Bélgica, e por último pela Suécia, com um pedido de desculpa do próprio Rei.

Esta e outras atitudes mostram como as sociedades ocidentais encaram os seus cidadãos mais velhos. Não como sendo aqueles que pertenceram a uma geração que se ergueu no pós-guerra e reconstruiu a Europa, descolonizou, dando origem ao aparecimento de muitos jovens Estados nos continentes africano e asiático, fez a terceira revolução industrial e lutou com êxito pela melhoria das condições de trabalho, pelo acesso universal dos povos à educação e à saúde, assim como na difícil manutenção da Paz. Esta é a geração que foi apelidada de baby boomer devido ao forte aumento de natalidade no pós-guerra (1940-1964) e que em Portugal lutou pela Liberdade, viveu a prisão, o exílio, a emigração e a guerra nas colónias. Luta que valeu a pena, pois restituiu ao país a dignidade, a liberdade e a justiça social.

É por tudo isso que não se compreende que se sacrifique esta geração, defendendo um darwinismo social eticamente reprovável.

Não tenho ilusões que as primeiras ameaças à geração grisalha vieram do espírito neoliberal, com acusações de que já não era produtiva, e de que seria um peso para a Segurança Social, como vimos num passado recente. Mas tentativas para silenciar esta geração “rebelde” estão em curso e não são certamente apenas da famigerada pandemia

Quando um país é ameaçado por um invasor, deverão ser os jovens a estar na primeira linha de combate. Seria inédito, na história, chamar-se os mais velhos a ocuparem as primeiras trincheiras.

Não tenho ilusões que as primeiras ameaças à geração grisalha vieram do espírito neoliberal, com acusações de que já não era produtiva, e de que seria um peso para a Segurança Social, como vimos num passado recente.

Mas tentativas para silenciar esta geração “rebelde” estão em curso e não são certamente apenas da famigerada pandemia.

Numa entrevista publicada na Philosophie Magazine, de Agosto de 2020, Andrei  Poama, professor na Universidade de Leyde, que estuda a ética da privação do direito de voto, analisa a proposta da reforma eleitoral em que o valor do voto de um eleitor diminuí com a idade do cidadão.

A ideia que uma geração mais numerosa de idosos possa dominar outra de jovens é sustentada por alguns politólogos. Já no século passado, com argumentos que estes estavam mais exemptos das consequências dos seus votos que os jovens, Douglas Stewart propunha retirar o direito de voto a partir dos 70 anos ou da idade da reforma.

Filósofos e politólogos de vários países defendem que as pessoas idosas participam mais que os jovens e que assim defendem mais os seus interesses imediatos, ao mesmo tempo que propõem que o valor do seu voto seja inferior ao de um jovem, ou seja, metade de o de um jovem de 18 anos.

Enfim, muda-se o critério normativo: não é a pessoa que conta mas a esperança de vida e o interesse igual de cada um. Passaríamos de “uma pessoa, um voto” para “um futuro, um voto”.

Este pensamento baseia-se na ideia do voto dos velhos ser um voto egoísta.

Acontece que a geração mais velha tem no seu ADN a solidariedade, e quando vota é também a pensar nos mais jovens. Toda esta ideia de “um futuro, um voto”, além de moralmente questionável – acordar ou não o direito de voto segundo a idade –, põe em causa a essência da democracia.

Estes conceitos conduzem, inevitavelmente, a encorajar atitudes de discriminação devido à idade já presentes na nossa sociedade.

Nestas eleições, como em todas as outras, iremos votar com um sentido altruísta e de solidariedade intergeracional, contra todos aqueles que no passado recente tentaram criar na nossa sociedade, por interesses mesquinhos, um conflito de gerações.

Cirurgião pediatra; presidente da AMPDS – Associação de Médicos Pelo Direito à Saúde


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