sábado, 2 de agosto de 2014

NOTÍCIAS À ESQUERDA 6

NOTÍCIAS À ESQUERDA 6


Para a esquerda ser alternativa, é indispensável vontades políticas alcançarem uma convergência e imprescindível constituírem-se veículo de um programa político
A recomposição da esquerda portuguesa está na ordem do dia. Uma esquerda antiausteritária que se queira consequente não pode satisfazer-se com o papel de protesto. Por bem que cumpra esta função, se ao protesto não se seguir nenhuma mudança, se dele nada se esperar além da catarse da rua, então é justo concluir que o protesto serve sobretudo de válvula de escape ao descontentamento social, com benefício exclusivo, na ressaca do dia, para a própria política de austeridade, cuja continuidade se vê assim mais bem assegurada.
Também não basta a desmontagem argumentativa da austeridade, dos três ângulos, social, político e económico, por que tem sido feita: a) Fazer a demonstração, do ponto de vista social, de como a austeridade naturaliza a desigualdade, impinge a precariedade como normalidade social e instala no quotidiano das pessoas o medo da incerteza sobre o futuro próximo, recusando-lhes a capacidade de projectarem as suas vidas. b) Deixar claro, do ponto de vista político, como a dívida se substitui de facto ao soberano e como a precariedade restitui ao poder político atributos de um absolutismo que não conceberíamos há alguns anos atrás. c) Fazer evidência de como, do ponto de vista económico, a austeridade não resulta, em nada diminui a dívida soberana, antes transforma-a em dívida eterna, que nos subjugará social, política e economicamente por décadas.
Tornar consequentes estas vocações de protesto e de desmontagem argumentativa, exige à esquerda antiausteritária que encontre uma terceira vocação: mostrar-se alternativa credível de poder face à austeridade que nos governa. Sem esta vocação, a esquerda portuguesa, por empenhada e brilhante que seja, nulifica todos os seus esforços. E para a esquerda antiausteritária ser alternativa, é tão indispensável vontades políticas alcançarem uma convergência real como é imprescindível constituírem-se veículo de um programa político. Em poucas palavras: uma alternativa política para uma política alternativa.
Se a recomposição da esquerda for mais do que um espectro e servir para fechar este triângulo - protesto, argumentação, alternativa - far-se-á um pouco de história, pois desde que há democracia em Portugal nunca a esquerda à esquerda do PS teve ambições de governar. Mas, outra governação valerá a pena se, além disso, consumar a oportunidade histórica para uma recomposição da própria ideia de esquerda. Não deve preocupar à esquerda apenas as suas dificuldades em convergir, mas também de se renovar ideologicamente a sua capacidade propositiva. Não é certamente esse o caso de uma esquerda refugiada no patriotismo em extremidade peninsular ou, ainda, na nostalgia do regresso ao passado do escudo. Propor é fundamentalmente projectar, com linhas de futuro como horizonte. E pelo menos dois eixos merecem futuro:
1. Quando nos citam pela enésima vez a espirituosa frase de Churchill sobre a que considerou ser a pior forma de governo à excepção de todas as outras, fica bem explicado por que a democracia liberal é inaceitavelmente tímida, com eleitores postos à margem sempre que não há eleições, a democracia europeia resumida a um clube de chefes de governo, a democracia nacional a um clube de partidos, a democracia partidária a um clube de dirigentes. É preciso a esquerda reivindicar-se mais radicalmente democrata e bater-se pela inclusão plena das comunidades no processo político.
2. Hoje não restam dúvidas que a social-democracia, assente no Estado social e na função redistributiva das transferências sociais está a falhar maciçamente. As desigualdades aumentam por toda a parte, a concentração de riqueza também, mau grado as transferências sociais tradicionais. Pior ainda: mau grado o empobrecimento da sociedade. É preciso a esquerda propor-se a mais do que remediar, a jusante do ciclo económico, a desigualdade. Assumindo que as sociedades mais iguais fazem melhor, é preciso complementar as políticas redistributivas, radicalizando-as com políticas de pré-distribuição, que façam da igualdade força geradora de prosperidade económica.
André Barata

Filósofo, dirigente do Livre

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