segunda-feira, 25 de abril de 2011

25A, Artigo Publicado no Jornal do Algarve há anos

Em Abril de 74 era membro do PCP e da Comissão Executiva da CDE de Lisboa. Um pé no trabalho clandestino e um pé no que na altura se chamava o trabalho político “semi-legal”. Havia algo no ar, sentia-se, tinha havido a tentativa militar abortada das Caldas da Rainha, e o Avante! de Abril trazia a célebre frase “Aliar à luta antifascista os patriotas das Forças Armadas”.
A nível da Oposição Democrática a linha de orientação era a de forçar a legalidade da sua existência, criar um facto consumado. Depois do Congresso de Aveiro de Outubro de 73 estava-se numa fase cada vez mais ousada.
 Tínhamos ido à prisão de Caxias exigir a libertação do Herculano de Carvalho, eu e o Gilberto Lindim Ramos, o Herbert Goulart, o Vítor Dias e o Ezequiel Vicente. Íamos preparados para tudo, ou seja ficar também presos.
O Herculano de Carvalho veio a morrer atropelado pouco tempo depois do 25 de Abril, ao tentar socorrer as vítimas de um desastre na auto-estrada de Lisboa a Vila Franca de Xira. Pertencíamos à mesma célula do PCP e tínhamos estados presos na cela 36 de Caxias.
Recordo o espanto dos pides e a sua desorientação face àquele acto inesperado. Perante a nossa reclamação não sabiam o que fazer. Enquanto dois ficavam connosco os outros entravam e saíam, e ouvíamos os telefonemas que faziam na sala ao lado a pedir instruções.
Face à nossa firmeza acabaram por trazer o Herculano de Carvalho à nossa presença, foi um momento único. Quase pediam desculpa por não o poderem libertar. Saímos de cabeça erguida e cá fora, aliviada a pressão, rimos a bom rir dos momentos caricatos acabados de viver.
Outro momento desse Abril foi quando fui com o Urbano Tavares Rodrigues exigir ao Marcelo Caetano a libertação do Professor Óscar Lopes. Tinha sido preso no Porto mais uma vez, e a sua prisão originou grande indignação e um forte movimento de solidariedade expresso em centenas de assinaturas.
Entrámos em São Bento e um contínuo fardado que mais parecia um porteiro de hotel de luxo veio inquirir ao que íamos. O seu espanto foi enorme quando dissemos que queríamos falar com o Marcelo. Que não, não podia ser, não tínhamos audiência marcada etc. Ele próprio se encarregaria de fazer chegar o documento com as assinaturas ao Gabinete de sua Excelência. Recusamos e só dali sairíamos quando fossemos recebidos.
Entretanto começaram a aparecer cabeças curiosas com aquele chinfrim e ouvíamos murmúrios surpresos. Simplificando, não fomos ao Marcelo mas veio o seu Secretário, o Quesada Pastor, receber o documento, e saímos com um ar digno a gozar por dentro com a façanha.
Pelas 05 horas do dia 25 (morava nessa altura em Queluz), telefonou-me o jornalista Armando Pereira da Silva, com voz emocionada, a dizer para ligar o Rádio Clube Português pois havia movimentos militares e para alertar todos os oposicionistas que conhecesse.
A partir daí foi um frenesim, um ouvido na rádio e o outro no telefone. Conforme o tempo passava ia ficando claro que tinha, finalmente, chegado aquele dia tão ansiosamente esperado. Ignorando os pedidos do MFA para se permanecer em casa antes das 09h já estava em Lisboa junto a outros oposicionistas, e às 10h reunia a Comissão Executiva da CDE na Avenida Infante Santo, na casa de um coronel que estava em Angola e cuja filha estava casada com o Lino de Carvalho.
Este “posto de comando” improvisado estava em contacto permanente com os jornais e rádios e mesmo com alguns militares, entrava e saía gente a todo o momento, todos com missões bem definidas. Íamos decidindo, de acordo com as informações recebidas, quem ia quem. Ao fim do dia a minha tarefa juntamente com a Helena Pato, na altura casada com o José Manuel Tengarrinha, foi a de reunir o maior número possível frente à prisão de Caxias para impedir que a PIDE exercesse alguma represália sobre os presos políticos.
Não foi fácil mobilizar amigos dada euforia geral, ninguém estava em casa ou no trabalho e não havia telemóveis nesse tempo, mas, pouco a pouco, foram aparecendo e ficamos 22 ao todo toda a noite frente a Caxias.
 O nervosismo da GNR e da PIDE era evidente e vinham constantemente observar aquele grupo suicida. Um taxista apareceu, cujo nome não recordo, e passou a ser o nosso contacto quer através do rádio do táxi quer como condutor levando e trazendo informações. Fui com ele, manhã bem cedo, ao Rádio Clube Português informar os oficiais que ali estavam da situação frente a Caxias.
Informei quem era e ao que vinha, e fui calorosamente recebido. Saí mais tranquilo com a garantia de que o assunto já estava a ser tratado e iriam ser enviados militares para lá. Quando regressei a Caxias muitas dezenas de pessoas tinham chegado, e pouco tempo após já eram centenas. Chegaram os para e mais tarde fuzileiros.
Depois foi a vertigem daqueles dias até ao 1º de Maio.
Martins Coelho

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