sexta-feira, 10 de junho de 2011

DIVULGAMOS UM TEXTO DO BLOGUE PELA DEMOCRACIA QUE ACHAMOS OPORTUNO

Surpreendido pelo súbito activismo do presidente da República, que começou bem cedo na manhã de segunda-feira, o Comité Central do Partido Comunista Português, pela voz de Jerónimo de Sousa, veio denunciar, logo na terça, o atropelo das normas constitucionais que regulam o processo de nomeação do novo Governo, anunciando que não hesitará em recorrer ao Tribunal Constitucional para garantir o respeito da Lei Fundamental. A vigorosa advertência do PCP, desta vez endereçada ao próprio presidente, o que não é vulgar, merece ponderação pese embora o seu manifesto exagero, porque não há democracia fora da Constituição, salvo como prenúncio de rupturas que nos convém evitar.
Seria natural que o PSD e o CDS reunissem logo a seguir à noite eleitoral para preparar a formação de um novo Governo, sem ficar à espera de qualquer iniciativa do presidente que, conforme dispõe a Constituição, só pode nomear o primeiro-ministro após a publicação oficial dos resultados eleitorais, depois de os ponderar livremente e após audição prévia dos partidos. Diligências para tornar o processo mais expedito são, no actual contexto, bem-vindas, mas o presidente perdeu uma boa ocasião para valorizar a independência da sua função soberana e para mostrar alguma deferência pela Assembleia da República, dispensando-se de ouvir, ainda que informalmente, todos os partidos que, além do mais votado, nela também obtiveram assento. O Governo é politicamente responsável perante a Assembleia e a esta cabe o encargo constitucional da fiscalização da actividade governativa. Por isso mesmo, o novo Governo continuará a ser um mero governo de gestão até que os deputados tomem posse e a Assembleia aprove o seu programa, o que não acontecerá seguramente antes dos finais de Junho. Não seria pois uma perda de tempo que o chefe de Estado, depois de uma campanha eleitoral obscura e truculenta, curasse com mais desvelo as instituições da República e convocasse, com adequada solenidade, o regresso à normalidade democrática, fazendo jus ao seu próprio estatuto de eleito por sufrágio universal e directo.
Desde que Albert Einstein formulou a teoria da relatividade, sabemos que o tempo se tornou uma mera variável da velocidade da luz. Cada coisa tem o seu tempo. O tempo do recordista dos 100 metros é diferente do tempo do jogador de golfe. Licitar na Bolsa é mais rápido do que formar um governo. O tempo televisivo é diferente do tempo constitucional. A pressa do presidente será compreensível, mas adensou uma atmosfera de atribulada precipitação que se apoderou de um país que se move agora por controlo remoto para atender instruções da Comissão Europeia, para cumprir os prazos acordados com a troika, para prometer a multiplicação de entidades de controlo orçamental, para conseguir, enfim, chegar a horas à próxima cimeira de Bruxelas. Não é com pressas nem subserviência que vamos esconjurar a crise. É tempo de reconhecer que a rábula que fez sucesso nos anos oitenta, do "bom aluno da Europa" que afincadamente fazia todos os trabalhos de casa apenas na expectativa de um elogio ou de um biscoito do professor, não resulta.
Os anónimos mercados financeiros e as agências de "rating" não são instituições de caridade que se comovam ou deixem seduzir pelas nossas manifestações de gratidão. Os empréstimos que os nossos parceiros europeus nos concederam não são dádivas generosas, O "Fundo Europeu de Equilíbrio Financeiro" é o instrumento precário de uma governação económica incipiente que a União terá de reformar drasticamente se quiser sobreviver. Foi o comissário Europeu para os Assuntos Económicos, Olli Rehn, que admitiu há dias que os juros das dívidas soberanas da Grécia, Irlanda e Portugal, fixados em função do risco do empréstimo, deviam ser revistos em função das condições de desenvolvimento económico dos países em crise. Nem há outra maneira, como já se vê na Grécia, de assegurar o pagamento das dívidas e dos juros. Por isso o memorando de entendimento tem de ser encarado como um guião incontornável que nos comprometemos a cumprir e que poderá ser melhorado. Não é, certamente, uma profissão de fé nem uma questão de honra!

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