domingo, 3 de julho de 2011

GOSTEI DESTE ARTIGO DA SÃO JOSÉ ALMEIDA, POR ISSO O DIVULGO

Passos Coelho levou ao Parlamento tem uma clara orientação neoliberal e propõe-se ir mais longe nesse caminho do que aquilo que a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional impuseram como condição para libertarem o empréstimo de 78 mil milhões de euros que concederam a Portugal e que será pago com juros. O primeiro-ministro anunciou, aliás, um imposto extraordinário – de que não falara na campanha eleitoral –, o qual vai diminuir o rendimento dos portugueses e ultrapassa as medidas exigidas pela Comissão Europeia.
A expectativa é grande, a confiança parece ser imensa e há uma espécie de ingenuidade desassombrada em relação à forma como o novo Governo vai conduzir os portugueses a uma espécie de terra de leite e mel. As intenções de transformar o país em algo que o identifique e torne aceite pelos considerados melhores proclamam-se e há uma espécie de fé cega e de crença inebriante entre os apoiantes do novo poder de que agora o paraíso na terra será revelado.
Num acrítico e quase absoluto clima de fé, toma-se como viável o regresso a soluções de organização social que representam uma regressão civilizacional no que contém de entrega do domínio sobre a sociedade à economia privada e do abandono do papel neutro do Estado como regulador da vida social. E que surgem como uma regressão ao que, na construção de Estados reguladores desde o século XVIII, na Europa, é defendido por várias correntes quer da esquerda quer da direita.
Assim, embarca-se cada vez mais na lógica da privatização de sectores económicos centrais e até garantes de soberania como os transportes e a água. E retorna-se ao Estado assistencialista que começou a ser abandonado ainda dentro do Estado Novo pelos governos de Marcello Caetano e que foi erradicado pelo 25 de Abril. A lógica da esmola e do pobre como indivíduo diferente e menor que precisa de ajuda substitui a lógica do Estado-providência que redistribui riqueza, colectada através dos impostos, de forma igualitária e garantindo o igual tratamento de todos os cidadãos.
O clima de fervor e convicção, que se vive no poder e nos seus apoiantes e clientelas, contrasta com a ausência de expectativas de melhoria em grande parte da população que está na iminência de ver a sua qualidade de vida e o seu poder de compra baixar ainda mais e descer de forma drástica a patamares de difícil sobrevivência. E parece certo o destino a que leva o programa de acção política e ideológica feita pela troika para obrigar Portugal a aderir e a cumprir as directivas neoliberais que orientam a União Europeia.A obsessão seguidista que domina o PSD, o CDS e o PS não dá sequer espaço para que ninguém se questione sobre a utilidade e o futuro que está implícito no caminho apontado pela Comissão Europeia e pelo Governo português. Não só à luz de conceitos tidos como centrais em democracia, como é o caso da justiça social. Mas também naquilo a que esta receita e estas soluções têm conduzido a Europa e o mundo ocidental em geral. E há até uma espécie de censura sobre quem ousa questionar. Como se isso pusesse em risco a soberania nacional – conceito que precisa urgentemente de redefinição. Será que Portugal acaba se não cumprir as imposições de Bruxelas? Será que alguém acredita mesmo que não há outro caminho, que não há alternativas, como propagandeiam os neoliberais? Será que o país se extingue se for expulso do euro? Será que o euro, tal como existe, tem futuro? Será que alguém acredita que o futuro é o presente imutável e que o curso da história acabou?
Estas dúvidas assolam-me não só perante a convicção de fé que transparece da opinião dominante em Portugal, mas também ao observar que, na mesma semana em que o Governo português proclamava a sua vontade de ser um bom aluno da Comissão Europeia, no Parlamento grego o Governo da Grécia aprovava medidas propostas pela Comissão Europeia. Só que na Grécia a história vai mais adiantada, leva já um ano de medidas draconianas de redução de qualidade de vida e de poder de compra. Impressiona-me que, em Portugal, se fale dos gregos como relapsos e como uma espécie de maus europeus, enquanto ninguém se questiona sobre a falta de solidariedade para com a Grécia e os outros países em crise por parte dos Estados-membros. A verdade é que os gregos sofrem há um ano na sua vida quotidiana o efeito das medidas impostas pela Comissão Europeia, as quais, pelos vistos, não levaram a grande resultado, pelo que se impõem agora mais sacrifícios à população grega, que se manifestou nas ruas e fez mais uma greve geral.
Os gregos – tal como os portugueses – continuam absolutamente dependentes dos empréstimos dados pelas empresas financeiras e bancárias que estão transformadas no novo “Senhor da Mundo” e que ditam regras aos governos. Mas que ninguém elegeu. Por mais que as populações da Grécia se manifestem na rua exigindo aos políticos – que elegeram para o Parlamento e que era suposto representá-los – que defendam os seus interesses, a verdade é que o poder governamental na Grécia obedece ao poder da Comissão Europeia. Tal como o Governo agora eleito em Portugal.
Mas a Comissão Europeia, não haja ilusões, age de acordo com as directivas imbuídas da nova lógica política da direita dominante na Europa, que leva à sagração do lucro como princípio máximo. E esquece o interesse das pessoas que, em democracia, é suposto os governos representarem. Ou seja, esquece que, em democracia, o soberano é o povo e que este é o sistema de governo do povo (demo+kracia). Foi por isso que a resposta que os cidadãos gregos receberam foi balas de gás.
Olhando para a Grécia, e para o que se passa na Europa, há uma questão que não deixa de me preocupar. Há mesmo um novo conceito de política e de governação na Europa? O que é hoje a democracia? Será que a história regressou à lei do mais forte e à lei da bala? Jornalista

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