domingo, 18 de dezembro de 2011

50 ANOS E NÃO PODEMOS ESQUECER!

Faz hoje 50 anos que fui testemunha involuntária do fim do Estado Português da Índia e do princípio do fim do Império Colonial Português.
Esta foto data de Abril de 1961, um mês e pico depois de chegar a Damão.
A primeira pergunta que fiz a mim mesmo após ter chegado foi - mas que raio estivemos a fazer aqui há mais de 400 anos?
Um rio, o Damanganga  ou Sandalcalo, dividia o território e nem uma ponte havia para ligar as duas partes, fazia-se a travessia numas pequenas canoas.
Hospital ou posto médico digno desse nome não existia, nem qualquer cinema ou actividade cultural, um restaurante decente, ou espaços apropriados para actividades desportivas.
Damão foi palco de escaramuças e batalhas com os portugueses desde 1523 até 1559, data da conquista definitiva de parte do território por Dom Constantino de Bragança.
Mas só em 1614 é que a área que constituía Damão em 1961 passou na totalidade para a coroa portuguesa, com cerca de 70km2, 7 kms e pico na máxima extensão e pouco mais de 3kms nas zonas mais largas, com uns 22.000 habitantes em 61, mas não se sabia ao certo.
Neste território tão pequeno conviviam hindus católicos, muçulmanos, poucos parses, e alguns portugueses para além dos militares, duas companhias de Caçadores Especiais mas que tinham sido transformadas em caçadores normais para não receberem o soldo correspondente (a minha era a nº11), uma Bateria  de Artilharia e algumas dezenas de polícias nativos.
O Plano de Defesa de Damão começava com TOP SECRET para a seguir afirmar que "Damão não tem defesa". E não tinha.
As referidas comunidades viviam em zonas estanques sem qualquer tipo de relacionamento. A esmagadora maioria dos hindus não falavam português nem o entendiam,excepto uma minoria católica que assegurava no essencial a administração local.
E no dia 18 de Dezembro, pela madrugada, aconteceu aquilo que sabíamos que mais dia menos dia era inevitável: a entrada de tropas indianas no território de Damão.
Eu comandava um posto de fronteira, o posta de Bamutim, e na véspera, dia 17, elementos do posto indiano fronteiriço avisaram-me, amanhã vamos aí.
Parece a guerra do Solnado, mas tínhamos boas relações com o inimigo, até por vezes tomávamos banho no mesmo rio, o Calem, que servia de fronteira.
Avisado o Governador, Major Costa Pinto, este deu-me ordem de abandonar o posto e vir reforçar a guarnição da Fortaleza de Damão Grande.
O dia 18 foi o inferno, fomos atacados sete vezes pela aviação a jacto indiana e nem sequer tínhamos qualquer arma antiaérea, bombardeados várias vezes com artilharia pesada e sofrido diversos ataques da infantaria e dos barcos de guerra indianos.
Ao fim de 36 horas acabou-se, impossível continuar, o nosso armamento era obsoleto comparado com o deles, escasseavam as munições e muitas delas não funcionavam dada a idade e a humidade.
Começou outro calvário, a de prisioneiros de guerra, no meu caso mais de cinco meses, tudo para alimentar a teimosia de um ditador que telegrafou para lá uma sentença de morte:
"É horrível pensar que isso possa ser o sacrifício total, mas recomendo e espero esse sacrifício como única forma de nos mantermos à altura das nossas tradições e prestarmos o maior serviço ao futuro da Nação.
Apenas pode haver soldados e marinheiros vitoriosos ou mortos".
O regresso a Portugal foi humilhante, guardados no Pátria, no meu caso, pela Polícia Militar e pides, desembarcamos em Lisboa no meio de um aparato policial e militar intimidante, tudo afinal por estarmos vivos e não termos morrido como queria Salazar, para enfeitar os seus discursos delirantes.
Hoje, ao conviver com camaradas dessa desgraçada aventura, junto ao monumento aos Mortos da Guerra do Ultramar, em Belém, face ao mural impressionante onde estão inscritos os milhares de nomes de então jovens como nós e que foram vítimas da loucura e da insensatez, a pergunta que fazíamos uns aos outros era : para quê?





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